Pré-visualização gratuita Capítulo 1
Luíza Bernardi
Pernas doendo, pés latejando dentro dos sapatos velhos, cabeça explodindo, corpo mole de exaustão, finalmente o meu segundo turno do dia acabou, já passa das dez da noite e estou no ponto de ônibus, estou com muita vontade de sentar, sorte que essa hora o ônibus vem sempre vazio, então posso relaxar e cochilar nessa quase uma hora no trajeto do trabalho para casa.
- Senhorita, já estamos chegando no seu ponto - Como todos os dias, um ponto antes do meu, o cobrador me acorda, um senhor muito simpático, a primeira vez que dormi, fui parar no ponto final, chorei, ia perder pelo menos uma hora de sono, e para quem tem dois empregos, uma hora era muito, então esse senhor se comprometeu a me acordar antes do meu ponto de parada, já faz quase dois meses que consegui o segundo emprego e ele religiosamente o faz, senhorzinho fofo.
- Hã...obrigada, tenha um bom descanso senhor!
- Imagine, que Deus te abençoe filha, bom descanso.
Minha casa fica a três quarteirões do ponto, então me preparo para mais uma caminhada, chego enfrente aquela casinha com a parede descascada, meu refúgio para descansar, entrei em casa já era quase meia noite, se eu conseguisse dormir meia noite e meia, conseguiria dormir um pouco mais de quatro horas, maravilha.
Entrei no quarto da minha mãe e ela estava dormindo, me doía o coração ver ela assim, estava tão debilitada por causa da quimioterapia, o câncer de mama devastou ela, mas estou fazendo o que posso para deixá-la o mais confortável possível.
- Mãe? A senhora está bem?
- Oi Lu, já chegou, graças a Deus, deixei sua marmita pronta para amanhã e seu uniforme também, vai descansar minha filha, eu estou bem hoje - pelo menos hoje ela não estava passando m*l.
Fui rapidamente tomar um banho, meu cabelo fazia dias que não sabia o que era xampu, e hoje não vou lavá-lo, vou usá-lo preso como sempre, ninguém vai perceber embaixo do uniforme mesmo.
As quatro e meia pontualmente, meu celular desperta e já me levanto rápido, coloco uma calça jeans, uma blusinha, meu tênis, minha sacola com o uniforme arrumado, vou para cozinha, pego três bolachinhas e corro para o ponto de ônibus, cinco horas já estou no ponto aguardando para ir ao primeiro turno do dia, que o universo me dê força.
Chego 15 minutos antes, meu dia é sempre muito programado, senão não consigo dar conta, entro naquele prédio lindo da Cesarini's Arquitetos, fico muito orgulhosa em trabalhar em um lugar tão chique, mesmo que seja como faxineira, minha amiga Nicole me indicou e eu consegui o emprego, já estou a quase dois meses e muito feliz, vou conseguir quitar o dinheiro que peguei com o "Bigodinho", um agiota muito desonesto (apesar do apelido engraçado, não sei o nome dele), na hora do desespero, minha mãe precisava fazer a segunda cirugia para tirar o outro seio já que o câncer tinha se espalhado e no sus com certeza, até hoje ela ainda não teria feito, então fui até ele e vendi minha alma, não sobra nada dos meus salários, mas pelo menos estou conseguindo pagar ele.
- Bom dia Nick, como você está? - Cumprimento minha amiga. - Bom dia Lu, estou bem e sua mãe como está? - ela me pergunta - Ontem quando cheguei ela estava bem, pelo menos não estava passando m*l. - Respondi com aquele aperto no peito.
As seis horas já estou devidamente uniformizada, e limpando os escritórios antes que os funcionários comecem a trabalhar, a Nick me deixou responsável em limpar o escritório do senhor Leonardo, ela disse que a encarregada informou que ele estava gostando de como o escritório estava nos últimos dias, então me encaminho ao escritório dele, tem um cheiro divino, o senhor Leonardo Cesarini é muito jovem, e muito bonito, bom bonito é pouco, ele é um Deus Grego, moreno, alto, com olhos verdes maravilhosos, sempre simpático, mas inacessível, volto a realidade e continuo com meu trabalho.
O ponto alto do meu dia é sempre as nove horas, quando tenho que levar o café para o senhor Leonardo, chego sempre muito envergonhada, mas tento me mostrar confiante.
- Com licença senhor Leonardo - quando ele me ouve pedir licença, me dá um sorriso simpático, eu coro na hora, deixo seu café com ele me olhando e fico cada vez mais vermelha - O senhor precisa de mais alguma coisa? - pergunto. - No momento não - ele sempre diz isso, então corro pra fora da sua sala, todo dia é assim, as vezes penso que ele acha engraçado como me deixa desconfortável, ou seja assim com todo mundo vai saber.
Ao meio dia, já estou saindo do prédio da Cesarini´s para ir para meu segundo turno, onde já estou há 2 anos, a lanchonete do Pacheco, chego um pouco mais cedo para almoçar.
- Boa tarde pessoal - Digo tentando me manter o mais animada possível, afinal de contas ninguém tem nada haver com meus problemas - Estou morrendo de fome, capricha no meu prato Digão - Falo para o melhor cozinheiro que já conheci.
Assim que acabo de almoçar, começo a atender os clientes, é bem puxado na hora do almoço, mas a tarde fica um pouco mais tranquilo, a lanchonete fica aberta até as nove da noite, mas as vezes fecha as dez ou onze, então não temos uma hora fixa para voltar para casa.
Hoje, por uma obra divina, o Sr. Pacheco resolveu fechar exatamente as nove horas, eu fico tão feliz que corro para ir para casa e só me dou conta que ainda estou com o avental e a touca do trabalho, quando chego no ponto de ônibus, o único problema é que hoje não posso dormir no caminho, porque meu amigo cobrador só passa mais tarde, mas quem liga, vou chegar em casa as dez, isso é incrível, vou poder lavar meu cabelo e descansar um pouco mais, para amanhã começar tudo de novo, é o ciclo sem fim.