Pré-visualização gratuita Capítulo Único
Richard sentou na cadeira de balanço olhando o jardim bem cultivado, sorriu ladino fazendo seu rosto envelhecido enrugar-se. As molas da cadeira balançavam vagarosamente enquanto um filme passava em sua mente...
Ano de 1989.
Segurando aquele porta retrato Richard engoliu em seco, ele e sua amada sorriam felizes naquela fotografia, eram jovens e tinham acabado de se mudarem para sua nova casa onde poderiam finalmente ter o seu ninho de amor.
Sentia a garganta formar um bolo e seus olhos arderem feito pimenta, as lágrimas já queriam escapulir.
Tocou com a mão direita em seu peito sentindo aquela dor familiar, deveria estar acostumado a senti-la, mas parecia que quanto mais o tempo passava a dor se intensificava.
E já se faziam quatro anos.
Hoje completa quatro anos que a doce Adelaide se foi, deixando um vazio enorme na vida de Richard. Ela era tudo para ele, e agora que se foi, ele nada tem. O seu primeiro e único amor já não vivia entre nós.
Várias vezes pensara em acabar com todo aquele sofrimento e ir para perto de seu amor, assim poderiam viver juntos no céu. Mas por algum motivo, ele não conseguia. Toda vez que tentava, algo lhe impedia, alguma voz suave sussurrava em seu ouvido "Não faça isso, vai ficar tudo bem".
Talvez fosse Adelaide, acreditara que ela sempre estaria consigo, era isso que o mantinha vivo, ainda poder sentir às vezes a presença de sua amada.
Levou o porta retrato para tocar seu peito, ele fechou os olhos sentindo as lágrimas rolaram pelo seu rosto e molhar a barba ㅡ que nem se importava em reparar.
Lá fora, Thomas caminhava por uma calçada qualquer, até que viu uma pequena luz azul iluminar lhe prendendo a atenção, ele parou para olhar aquela flor tão azul. identificando-a como uma rosa azul. Nunca havia visto uma. Era um tanto rara de se ver, ela tinha essa cor rara por alterações genéticas. O fato dela estar intacta em meio a tantas flores mortas foi o que verdadeiramente encantou o garoto preto, que amava a coloração azul.
Mas não era só isso, tinha algo nela que o deixava fascinado, sentia uma energia diferente. Sentia que precisava chegar mais perto, tomar aquela flor para si. Talvez até levar para dar para a sua mãe.
Como se alguma força do além o puxasse, quando menos percebeu já estava abrindo o portão enferrujado, fazendo um barulho irritante soar que o fez acordar do transe.
Olhou para casa e pensou em como estava tão encantado com a flor que não prestou atenção naquela casa tenebrosa. Estava toda castigada pelo tempo, a porta de madeira parecia não ser aberta há muito tempo, imaginou que dentro da casa teria incontáveis teias de aranhas, assim também como muita poeira.
O tempo naquela hora começava a se fechar, era pouco mais de cinco e meia da tarde, logo, logo escureceria e a chuva viria, com raios e trovões.
ㅡ Digna de filme de terror...
Só de olhar para casa sentia calafrios, mas não pôde resistir em continuar a andar em direção ao jardim.
Chegando lá, olhando a rosa mais de perto a achava ainda mais bonita, estava se sentindo completamente apaixonado pela energia que emanava daquela rosa, era uma coisa tão boa que fez os cantos dos olhos de Thomas descerem algumas lágrimas enquanto admirava a tão delicada e bonita flor.
Enquanto isso, Richard ao ouvir o barulho do portão começou a observar pela fresta da porta um homem preto, alto, de cabelo afro quase tocar a rosa. Até que parou, olhando em sua direção como se pudesse vê-lo através da porta.
Richard assustou-se dando alguns passos para trás e batendo no móvel que tinha no meio do caminho. Ele arregalou os olhos, voltando a espiar a porta e vendo o menino correr dali, sem levar a flor.
Thomas corria assustado, tinha certeza que tinha ouvido um barulho vindo de dentro da casa. Poderia ser qualquer coisa, algum rato ou qualquer coisa do tipo, se recusava a acreditar que pudesse existir fantasmas rondando por ali.
E mesmo com medo, ele sabia que sua curiosidade seria maior e, ao saber agora o caminho, voltaria ali.
E foi assim que aconteceu, na manhã seguinte ele resolveu desviar o caminho de sua matinal caminhada. Se encontrava parado de frente à casa. A rosa continuava intacta.
Olhava a flor sentindo de novo a mesma energia, pensava se seria certo entrar ali ou não.
ㅡ Vamos, Thomas Smith... É só uma casa abandonada, não é como se fosse sair alguém de dentro dela, não é mesmo? ㅡ encorajou-se, abrindo o portão e indo até o jardim.
Sorriu ao tocar a rosa, era tão macia e delicada.
Finalmente poderia tomar a rosa para sí, já até havia prometido a sua mãe.
Quando estava prestes a arrancar a rosa, a porta se abriu revelando um homem magro, pálido e barbud, de cabelos loiros que batiam mais ou menos em seus ombros. O homem o encarava sem nenhum tipo de expressão em seu rosto.
Thomas sentia seu coração bater acelerado, enquanto seus olhos estavam arregalados sentia que a qualquer momento iria urinar de tanto medo.
Engoliu em seco antes de perguntar aos gaguejos:
ㅡ V-você é um f-fantasma?
ㅡ Eu pareço um? ㅡ revirou os olhos sem paciência e Thomas soltou o ar que prendia em seus pulmões. ㅡ O que está fazendo em minha propriedade?
ㅡ Sua propriedade? Bem... eu pensei que não havia ninguém na casa...
ㅡ Pensou errado, eu moro aqui.
ㅡ Como alguém consegue morar aí?ㅡ murmurou.
ㅡ O que disse?
ㅡ Nada. ㅡ suspirou olhando a flor. ㅡ Bem, eu só queria pegar essa flor, eu queria levar para minha mãe... Eu posso pegá-la?
ㅡ Não.
ㅡ Por que não?
ㅡ Porque se ela está em meu jardim, isso quer dizer que ela é minha.
ㅡ Eu acho que você não cuida muito do seu jardim, todas as plantas estão mortas e essa, por alguma razão, não morreu. Eu adoro flores, também tenho um pequeno jardim em casa mas nunca tive essa flor... Por favor, me deixa levar para minha mãe? Eu prometi ontem a ela...
ㅡ Então você esteve aqui ontem. ㅡ achou melhor fingir que não tinha o visto.
ㅡ Sim, como eu disse, eu não sabia que morava gente aí, pensei que essa casa fosse abandonada... Tive que ir embora, não conseguindo pegar a flor.
ㅡ Então você iria roubar a minha preciosa rosa.
ㅡ Não! Claro que não. O senhor? ㅡ olhou da cabeça aos pés e concluiu que ele não parecia ser velho, só estava m*l cuidado. ㅡ Eu só não iria pedir pois não sabia que era de alguém.
ㅡ Se você pega algo sem pedir, isso quer dizer que é roubo.
ㅡ Meu Deus você é tão... ㅡ suspirou se pergungando por que ele era tão ríspido. ㅡ Mas eu prometi a minha mãe... No que vai te atrapalhar eu levar essa flor? Por favor me deixe levá-la, esse pode ser o último presente que eu vou dar a minha mãe que está doente.
ㅡ Está tentando me comover com a sua história de mentirinha.
ㅡ Não é história de mentirinha! Você não tem amor no coração, não?
ㅡ Meu amor morreu junto com ela. ㅡ pensou em dizer, sentindo a dor em seu peito.
Se virou de costas deixando Thomas confuso e preocupado.
ㅡ Você está bem? Eu falei algo de errado? ㅡ a preocupação era evidente em sua voz.
ㅡ Vá embora. ㅡ engoliu em seco.
ㅡ Mas eu posso...
ㅡ Leve essa flor i****a, tanto faz. Só vá embora.
ㅡ Muito obrigado! Minha mãe ficará feliz! ㅡ arrancou a flor, segurando com cuidado em suas mãos. ㅡ Eu queria te agradecer pela flor... Quem sabe eu não possa cuidar de seu jardim? Eu posso deixá-lo lindo!
Thomas sorriu já imaginando em como ficaria lindo quando revivesse aquele jardim. Richard nada disse, simplesmente entrou para dentro de casa.
ㅡ Talvez isso seja um "Claro, obrigado". E tchau pra você também...
Saiu dali feliz por ter conseguido a rosa, imaginava o quanto sua mãe ficaria feliz, Thomas estava feliz por cumprir mais uma de suas promessas. A primeira e a mais importante das promessas que havia feito era ficar ao lado da sua tão amada mãe, até seu último suspiro.
No dia seguinte, Thomas se encontrava novamente em frente a casa. Resolveu então bater palma antes de sair entrando no Jardim dos outros, bateu palmas, mas como ninguém apareceu deu de ombros e resolveu tomar a liberdade de entrar ignorando seus instintos.
Carregava suas ferramentas de jardinagem até o jardim, estava animado para começar a plantar novos ramos de flores. Escolheu orquídeas azuis, já que não acharia a outras rosas azuis, nem ao menos sabia como aquele homem de coração duro e amargurado havia conseguido uma.
Colocou as luvas e arregaçou as mangas da camisa, começando a arrancar os ramos amortecidos, a porta foi aberta.
ㅡ Lá vem ele. ㅡ sorriu ladino, continuando seu trabalho.
ㅡ O que está fazendo? ㅡ parou, olhando curioso.
Thomas tirou a atenção dos ramos, olhando para o homem que o encarava com seus olhos intensamente azuis.
ㅡ Pretendo arrancar esses ramos secos e plantar novas flores, orquídeas. E ontem eu disse que eu voltaria para reviver esse jardim, não disse?
ㅡ Eu não disse que você podia.
ㅡ Eu não preciso que me digam se eu posso ou não fazer algo, de qualquer forma, eu faço. ㅡ deu de ombros. Richard revirou os olhos achando o ato infantil. ㅡ Mas então? Onde você estava que não ouviu minhas palmas?
ㅡ Eu ouvi, só não quis vir.
ㅡ Pensou que fosse alguma daquelas crianças que vêem em sua casa e pensa que é uma casa abandonada, daí batem palma para ver se alguma alma aparece?
ㅡ Não. Eu vi pela fresta que era você.
ㅡ Então você...
Não precisou completar a frase para que, na mente de Thomas ele concluir que Richard não o queria ali, foi isso que deu a entender.
Formou uma carranca chateado, pois mesmo que o homem não havia o pedido nada, Thomas só estava tentando deixar a casa menos tenebrosa de alguma forma, e era assim que ele o tratava, sendo que só estava sendo gentil.
ㅡ Você sempre é assim tão rude com todo mundo? Eu não sei o que se passou com você, mas sei que cada um de nós carregamos no peito nossas próprias dores, e mesmo com elas não podemos sair tratando as pessoas assim tão arrogantemente pois o restante do mundo não tem absolutamente nada a ver com o que se passa ou com o que se passou de r**m na vida da gente! E se você quer tanto que eu vá embora, eu vou.
Se virou começando a recolher suas coisas, mas ficou estático quando uma mão gélida tocar seu ombro. Ele se virou, fazendo Richard se afastar.
ㅡ Não vá.
Eles se encararam por alguns instantes até que Richard quebrou o contato visual quando se agachou ao lado de Thomas , começando a arrancar as plantinhas secas.
ㅡ Então você vai me ajudar? Deveria usar luvas se não vai acabar machucando sua mão. ㅡ pegou outro par de luvas, estendendo para o loiro que negou com a cabeça.
ㅡ Eu não preciso, posso fazer isso sem luvas.
ㅡ Tudo bem, mas você vai acabar machucando sua mão, está muito seco. Há quanto tempo você não rega seu jardim? ㅡ deixou o par de luvas lado, começando a fazer o mesmo que Richard.
ㅡ A última vez que reguei foi em fevereiro do ano passado.ㅡ revelou, fazendo Thomas arregalar os olhos.
ㅡ Um ano? Meu Deus...
E o silêncio se instalou depois da fala de Thomas. Aquele homem não parecia ser de conversar muito, assim observou Thomas.
ㅡ Por que você parou de regar? ㅡ tentou puxar assunto.
ㅡ Eu não quero dizer. ㅡ o loiro disse concentrado em arrancar os galhos secos.
ㅡ Tudo bem...
E mais silêncio.
Até que Thomas resolveu quebrar o silêncio novamente.
ㅡ Lembrei que não nos apresentamos ontem, meu nome é Thomas Smith. ㅡ estendeu uma das mãos, ainda com luvas.
ㅡ Richard. Richard Schmidt. ㅡ ao menos o olhou.
ㅡ Ok... ㅡ abaixou a mão. ㅡ Sobrenome alemão... você é alemão?
ㅡ Sim.
ㅡ Há quanto tempo mora nos Estados Unidos?
ㅡ Merda... ㅡ fez uma cara leve de dor, revelando um corte na mão, que começava a escorrer sangue.
ㅡ Eu avisei. Me deixa ver isso direito.
Richard ficou de pé, fazendo Thomas ficar de pé também.
ㅡ Isso aqui é só lavar. ㅡ o loiro disse, simplista.
ㅡ Lavar com água e sabão para depois passar algum remédio, você tem algum?
ㅡ Acho que sim, não sei onde ele está. Mas também não precisa.
ㅡ Claro que precisa. E eu vou procurá-lo enquanto você lava suas mãos. Se você deixar, claro.
Richard suspirou pensando no qual aquele homem podia ser insistente.
ㅡ Tudo bem.
Thomas tirou as luvas e eles seguiram para dentro da casa, antes de entrar na casa ele se benzeu. Ainda sentia uma energia pesada no ar...
Ele observou os móveis, quase todos na cor escuro, tinha um piano na sala e a sala era escura, assim como toda a casa.
É, não tinha teias de aranhas, nem tinha tanta poeira como imaginava.
ㅡ O remédio deve está em uma dessas gavetas. ㅡ Richard apontou com queixo para o móvel.
ㅡ Ok.
ㅡ Vou ir lavar. ㅡ e então saiu, deixando Thomas na sala sozinho.
Thomas foi em direção ao móvel, abrindo uma das gavetas e vasculhando.
ㅡ Não está aqui. ㅡ murmurou.
Fechou uma gaveta e abriu outra, achando o remédio que procurava e o pegando.
Richard não demorou para voltar a sala.
ㅡ Eu achei! ㅡ balançou o remédio sorrindo sem mostrar os dentes, fazendo Richard assentir.
ㅡ Agora pode me dar que eu passo.
ㅡ Deixa de ser teimoso e deixa eu passar.
ㅡ Mas...
Thomas o interrompeu:
ㅡ Sem "mas"! Eu vou passar o remédio e pronto. Me estende sua mão.
ㅡ Quem é o teimoso aqui agora... ㅡ murmurou baixinho, só para que ele escutasse. No fim acabou obedecendo.
Thomas abriu o remédio, pingando na ferida, Richard fez um som com a boca sentindo arder.
ㅡ Arde mesmo. ㅡ sorriu ladino. ㅡ Minha mãe costumava passar esse mesmo remédio quando eu me ralava andando de patins sem p******o.
Thomas suspirou, tendo boas lembranças de sua infância.
ㅡ Eu nunca tive uma mãe. ㅡ acabou revelando sem querer, logo se arrependendo.
Mas já era tarde demais, Thomas com sua mente curiosa já estava pronto para fazer perguntas.
ㅡ Você nunca conheceu sua mãe? ㅡ tampou o remédio, pegando o algodão para tirar o excesso.
Não obtendo respostas, Thomas tirou sua atenção do que fazia para encarar os olhos azuis, o seu olhar parecia vazio.
ㅡ Desculpe, se não quiser responder...
ㅡ Eu nunca a conheci, cresci em um orfanato. ㅡ apenas disse, desviando o olhar. ㅡ Já terminou?
ㅡ Ah, sim. Só falta mais uma coisinha... Eu acho que tenho no bolso. ㅡ vasculhou os bolsos de sua jardineira, achando o que queria. ㅡ Achei!
ㅡ Por que você carrega band-aids no bolso?
ㅡ Nunca se sabe quando eu posso precisar! Aposto que você não tinha. ㅡ tirou o plástico do band-aids.
Richard observou o ruivo todo concentrado em colocar o band-aids cuidadosamente em seu corte, fazia tempo que não se sentia bem cuidado assim.
ㅡ Acabei.
ㅡ São do Bob Esponja. ㅡ observou, sentindo v*****e de rir.
Isso para Richard era estranho, pois não ria fazia tempo.
ㅡ Sim, esse é o meu desenho favorito. Também tenho band-aids do Kung Fu Panda. ㅡ estreitou os olhos quando olhou para o mais alto. ㅡ Você por acaso está prendendo o riso?
Richard não aguentou mais e gargalhou.
ㅡ Minha nossa, você riu! ㅡ estava verdadeiramente surpreso. ㅡ E eu que pensava que você não sorria.
ㅡ É que... Deixa para lá. ㅡ tornou com o semblante sério.
ㅡ Agora fala!
ㅡ Você parece uma criança.
ㅡ Era só isso? E é, já me falaram isso. ㅡ deu de ombros. ㅡ Bem, eu acho que vou voltar a arrancar as plantas, agora só tem poucas, eu logo termino e começo a plantar as orquídeas. Você não vai me ajudar com a mão assim, então vai ficar olhando.
Disse, entregando a caixa de band-aids para Richard.
ㅡ Toma, fica pra você. Assim toda vez que você precisar usar, vai sentir v*****e de rir.
ㅡ Eu não...
ㅡ Não aceito recusas. ㅡ sorriu, deixando Richard a sós na sala.
Thomas foi até o jardim, colocando as luvas e terminando o trabalho. Quando terminava de plantar as flores Richard apareceu.
ㅡ Olá, de novo. Já estou terminando...ㅡ plantou a última orquídea. ㅡ Prontinho.
Ficou de pé, tirando as luvas e as guardando.
ㅡ Você já vai?
ㅡ Sim, eu tenho que ficar com a minha mãe no hospital, mas amanhã eu volto para regar as plantas. Até amanhã, Richard! ㅡ se despediu, saindo dali.
E assim foram se passando as semanas. Thomas ia todos os dias para a casa de Richard regar as plantas, cada vez mais eles ficavam mais próximos, conversavam mais e se divertiam.
Richard nunca pensou que alguém o faria voltar a sorrir e a ficar verdadeiramente feliz com a companhia de tal pessoa. Richard o fazia um bem de um jeito que nem o próprio imaginava.
ㅡ Por que será que ele está demorando tanto? Ele sempre vem às oito e já são nove e meia...ㅡ suspirou, indo ele próprio regar as plantas.
ㅡ Richard...
ㅡ Thomas! ㅡ parou de regar as plantas e se virou. ㅡ Você está atra... Você está chorando?
Thomas se encontrava com o rosto completamente vermelho e os olhos meio inchados, enquanto em suas bochechas escorriam lágrimas.
Richard largou o regador de lado e foi rapidamente até Thomas, segurando em seu rosto.
ㅡ O que aconteceu? ㅡ encarou os olhos marejados.
ㅡ A minha mãe ela... ela se foi Richard.
Começou a chorar, sendo acolhido pelos braços de Richard, que sabia muito bem a dor que o outro homem estava sentindo.
ㅡ Eu só tinha a minha mãe, eu a amava tanto... ㅡ a voz era chorosa.
ㅡ Eu sei como é isso, e vai passar. Eu estou aqui com você. ㅡ fez carinho na bochecha de Thomas.
Tentava passar segurança mesmo sabendo que aquela dor não passaria tão cedo, ou talvez nunca passasse.
Richard o levou para dentro de sua casa e fez um chá de eva doce para que ele se acalmasse.
Na sala, Thomas terminava seu chá em silêncio.
ㅡ Obrigado pelo chá... Eu me sinto mais calmo. ㅡ colocou a xícara sobre a mesinha.
ㅡ Que bom.
ㅡ Você disse que entendia a dor que eu estava sentindo... ㅡ lembrou.
ㅡ Sim, eu entendo. ㅡ suspirou. ㅡ Eu sei o quanto é r**m perder alguém que você ama muito.
ㅡ Sabe?
ㅡ Sim. Eu já volto. ㅡ ficou de pé.
ㅡ Tudo bem.
Richard subiu as escadas indo até o quarto, abriu a gaveta e pegou o porta retrato.
Tocou o rosto sorridente, o sorriso que tanto amava.
ㅡ Eu te amo tanto... Vê se cuida da mãe do Thomas aí do céu também. ㅡ beijou a foto.
Ele suspirou, logo saindo do quarto e voltando para a sala.
ㅡ O que você tem aí? ㅡ o olhou curioso.
ㅡ Essa era minha esposa. ㅡ entregou o porta retrato a Thomas. ㅡ Ela se chamava Adelaide.
ㅡ "Era"? Então ela...
Viu o outro assentir.
ㅡ Ela morreu em um acidente de carro, há quatro anos.
ㅡ Sinto muito... ㅡ olhou a fotografia. ㅡ Ela era linda.
ㅡ Era sim. ㅡ Richard sorriu. ㅡ Ela iluminava os meus dias.
ㅡ Que fofo. ㅡ sorriu também, mesmo que estivesse ainda triste por dentro. ㅡ Onde vocês se conheceram?
ㅡ No orfanato, crescemos juntos lá e nós nos gostamos desde criança. Nenhuma família nos adotou, lembro que fazíamos alguns esquemas para que isso não acontecesse... Prometemos que ficaríamos juntos a vida toda.
ㅡ O que aconteceu depois que vocês completaram a maior idade e tiveram que sair do orfanato?
ㅡ Felizmente tivemos sorte. Um amigo que cresceu com a gente, um pouco mais velho que nós, havia sido adotado por uma família com bastante dinheiro. Ele havia nos prometido emprego na empresa do pai dele quando saíssemos de lá, e ele cumpriu a promessa, nos empregou e ainda nos deu um apartamento para eu e a Adelaide morarmos lá na Alemanha. Ficamos bastante agradecidos, mas o sonho da Adelaide era morar nos Estados Unidos, e daí quando conseguimos comprar uma casa aqui, nos mudamos e viemos morar aqui, nos casamos e fomos muito felizes aqui por dois anos. Até que um dia... ㅡ engoliu em seco, fazendo uma pequena pausa para continuar. ㅡ Ela voltava sozinha da casa de uma amiga quando um carro desgovernado veio em sua direção...
ㅡ Meu Deus... ㅡ o encarou, tocando sua mão. ㅡ Mas eu tenho certeza que ela está lá de cima olhando por você.
ㅡ Sua mãe também.
Eles sorriram um pro outro, sentindo-se reconfortados um pelo o outro.
ㅡ Sabe, eu também só tinha a minha mãe... ㅡ iniciou. ㅡ Eu nunca conheci o meu pai. Eles namoravam, mas quando ele soube que minha estava grávida de mim simplesmente resolveu fugir, deixando a minha mãe criar um filho sozinha e sem a aprovação dos pais, já que ela era muito nova. Felizmente, ela foi guerreira, trabalhou e estudou até o meu nascimento. Quando eu nasci os meus avós, pais da minha mãe queriam me criar, porém minha mãe não aceitou. Ela tinha orgulho de dizer que nunca precisou pedir nada aos pais, ela me criou da melhor forma que pôde, nunca me deixando faltar nada.
ㅡ Sua mãe foi uma grande mulher.ㅡ Thomas concordou. ㅡ Como a sua mãe faleceu?
ㅡ Ela ficou doente. Descobriu que tinha câncer no útero, estava a espera de uma cirurgia mas acabou que não deu tempo... ㅡ suspirou.
ㅡ Você quer mudar de assunto?
ㅡ Sim...
Thomas voltou a olhar a foto, o porta retrato ainda estava em suas mãos.
ㅡ Você sem barba fica bem mais bonito, assim você parece aqueles magos...
Richard riu negando.
ㅡ Estou falando sério, deixa eu tirar a sua barba? E quem sabe cortar o também cabelo?
ㅡ Tudo bem.
Richard assentiu e foi pegar as coisas necessárias para que ele pudesse tirar sua barba e cortar seu cabelo.
Não demorou muito para que tudo fosse feito.
ㅡ Pode olhar agora. ㅡ o entregou um pequeno espelho.
ㅡ Nossa...
ㅡ Você parece dez anos mais novo. ㅡ sorriu.
ㅡ Que exagero...
Thomas sem querer deixou o pente que segurava cair, tanto ele quanto Richard se abaixaram ao mesmo tempo para pegar o pente, acabando por tocar as mãos.
Eles se encararam, Thomas reparou que os olhos de Richard antes tão vazios, agora tinha um brilho diferente.
Os rostos estavam tão próximos que um podia sentir a respiração acelerada um do outro, o coração de ambos batiam acelerados, parecendo que iriam sair por suas bocas.
No fim eles se afastaram, tentando ignorar a v*****e que tinham de beijar a boca um do outro naquele momento.
A partir daquele dia, ambos sentiram um novo sentimento se intensificando...
Um mês havia se passado, Richard e Thomas tinham acabado de pintar a casa, haviam escolhido pintá-la de azul.
ㅡ Nem parece aquela casa abandonada, fizemos um ótimo trabalho e essa cor ficou linda. ㅡ Thomas sorriu, observando a casa.
Richard concordou, sorrindo junto.
ㅡ Combinou com o jardim.
Eles admiravam o jardim, agora com as orquídeas florecidas.
ㅡ Sim.
E o silêncio se instalou ali, mas não era um silêncio constrangedor, muito pelo contrário.
O silêncio que durou alguns minutos, foi cessado por Thomas.
ㅡ Agora que o jardim já está aí, eu acho que você pode cuidar sozinho...
ㅡ O que você quer dizer com isso? ㅡ tirou a atenção das orquídeas, encarando Thomas, que não o encarava, pois mirava seus pés. ㅡ Ei, olhe pra mim.
Richard tocou o queixo do outro, os dois se encararam.
ㅡ O que você quer dizer com isso?ㅡ repetiu.
ㅡ Eu só acho que... que eu deveria voltar para a minha vida? Afinal, eu só vinha aqui para cuidar do seu jardim, não é mesmo?
ㅡ Você não quer me ver mais. ㅡ concluiu, soltando o queixo do outro. Agora foi ele que desviou o olhar.
Richard sentia uma pontada de tristeza no peito só de pensar que não veria mais Thomas, a pessoa que tanto alegrava seus dias...
ㅡ Não, não é isso.
ㅡ Então, o que é? ㅡ o encarou.
A verdade era que Thomas já não conseguia mais esconder sua atração pelo outro, ambos já não conseguiam. Estava tornando algo tão forte, que chegava a ser incontrolável os batimentos acelerados quando os olhos se conectavam e o nervosismo típico de adolescente toda vez que ficavam muito próximos.
Thomas queria expressar em palavras tudo aquilo, dizer que seu coração nunca havia batido daquele jeito por outra pessoa. Porém, naquele instante, Thomas abria a boca várias vezes, mas nada saia.
ㅡ Tudo bem, não precisa me explicar nada. Eu já deveria estar acostumado em perder pessoas, desde os meus amigos do orfanato que eu via sendo adotados, até o meu amor de infância. Com você não seria diferente.
ㅡ Você não vai me perder, Richard. Eu só acho que não tenho mais o que fazer aqui...
ㅡ Claro que tem, eu posso esquecer de regar as plantas... ㅡ sentia os olhos começarem a arder. ㅡ Não me deixe, Thomas. Por favor...
ㅡ Ei, você está chorando? ㅡ tentou se aproximar.
Richard se virou para esconder as lágrimas que rolavam em seu rosto, fazendo Thomas dar uns passos para trás.
ㅡ Não chore, por favor...ㅡ sentia seu coração doer ao vê-lo chorando simplesmente porque não queria que ele fosse embora.
Pensou se era tão importante assim, ao ponto de fazê-lo chorar, ou era simplesmente medo da solidão?
As dúvidas rondavam na cabeça de Thomas, enquanto enxugava algumas lágrimas que haviam escapado.
ㅡ Sabe, com um ano desde que Adelaide se foi, eu senti v*****e de morrer também... ㅡ se virou, e eles se encararam novamente. ㅡ Eu precisava acabar com a dor, a vida não ia mais ter graça, eu sentia que já estava morto por dentro. Viver sem o meu amor era como estar morto. ㅡ fungou, outras lágrimas queriam cair. ㅡ Mesmo me sentindo assim, eu nunca conseguia. Tinha algo que me dizia que iria ficar tudo bem e por algum motivo eu cedia em acreditar. No ano seguinte eu tentei voltar a trabalhar e ter a minha vida normal, tive pessoas que se disponibilizaram em me ajudar, mas no fim acabei as afastando quando, novamente, desisti de tudo. Porque nada parecia o mesmo, não importava o quanto eu tentasse ir trabalhar novamente, falar ao telefone com meus amigos do orfanato, não era a mesma coisa. Eu sentia que faltava algo. ㅡ passou a língua nos lábios ressecados. ㅡ Faltava ela. Foi daí que eu aceitei que minha vida talvez nunca mais seria feliz. Eu consegui me aposentar por não está com uma boa saúde mental, daí eu me desliguei de tudo, não me importei mais com nada. Eu não cuidava do jardim que Adelaide tanto amava, e nem da minha aparência. Eu deixei a barba e os cabelos cresceram sem ao menos me dar conta... Um ano se passou rapidamente e eu já estava do jeito que você me encontrou. Eu não reconheço aquela homem mais, porque quando você chegou... Você iluminou meu dia. Você foi a verdade não contada, de que eu poderia encontrar a minha felicidade novamente.
Ano de 2020.
Richard abriu os olhos, sorrindo em seguida por tudo que havia se passado em sua mente. Toda a sua trajetória de amor.
Olhou pela janela o jardim, que havia sido replantado tantas vezes. E sempre orquídeas, da mesma cor.
A casa continuava pintada de azul, e Richard ainda tinha o espelho que se olhou quando Thomas fez sua barba e cortou seus cabelos.
Olhava no jardim as flores serem levadas pelo vento, algumas lágrimas escorriam pelo canto do olho a medida que ia fechando os olhos novamente. Dessa vez adormeceu em seu sono mais profundo, iria para os braços das duas pessoas que mais amou no mundo.