- Atrasada! - exclamou a minha insuportável gerente, zero compaixão, ela sabia que apenas atrasava quando minha filha adoecia, mas como uma completa ignorante, e sem empatia, estava pouco ligando.
- Desculpe sra. Lídia, Helena não melhorou do resfriado, tive que levar ao hospital.- Nada disse, saindo indiferente.
Ajeitei meu avental começando a organizar as prateleiras de xícaras e copos, que daqui a alguns minutos estariam todos sujos, pois a
lanchonete logo abriria.
Por trás dos vidros dava para perceber a movimentação do shopping, diferente da lanchonete, ele abria uma hora mais cedo, gostaria de me concentrar inteiramente ao trabalho, evitando o desastre de mais um copo quebrado, mas era impossível quando meu bebe estava em casa doente, minha mãe que se mantinha responsável por ela na minha ausência, esse fato me tranquilizava um pouco. A verdade é que minha angustia só aumentava, Helena precisava de uma mãe mais presente, m*l conseguia parar em casa, devido ao meu trabalho que ocupava 6 dias da minha semana e 3 domingos por mês, trabalhar no ramo de alimentos e ainda mais em um shopping era estar arruinado a zero lazer. Mãe solteira, dona de casa, pra ser mais especifica a única renda da casa, já que jamais poderia aceitar que minha mãe gastasse sua pequena aposentadoria herdada de meu pai com os afazeres da casa.
Suas dores nas articulações aumentavam a cada dia, impossibilitando a mesma a trabalhar fora, seus remédios consumiam quase a metade da sua renda, ela precisava de uma cirurgia, já estava a 6 anos na fila do SUS, e uma cirurgia particular era um sonho distante, 30 mil não estava em nosso orçamento, era muito mais que um ano de trabalho.
Enfim exausta era a palavra que me definia, num país onde o terceiro grau não lhe dava o direito de um bom emprego, e um diploma de faculdade ou técnico estava fora de cogitação no momento, coisas do tipo requerem tempo e dinheiro, duas coisas que desde meus 18 anos não conseguia ter, foi um sufoco terminar o ensino médio, grávida, abandonada pelo cretino, e com uma senhora que nos sustentava com sua pequena aposentadoria, era hora de crescer, e hoje me encontro a 5 anos nessa rotina, exaustiva, mas era o que dava uma vida digna a minha filha e mantinha suas necessidades.
Analisava a morena no espelho, com o rosto gorduroso devido a oleosidade das frituras da lanchonete, meus olhos azuis herança de papai estavam apagados devido as olheiras abaixo dela, os fios grossos do meu cabelo Rapunzel se encontravam em um grande r**o de cavalo, corta-lo não era uma opção, bom até foi em um momento de necessidade quando as coisas apertaram e o cabeleireiro do shopping, vulgo meu amigo ofereceu 2.000 nele, mas não tive coragem, vendo meu desespero e angustia, me emprestou o valor sendo pagas em 19x de 100,00, se recusou a aceitar os 100,00 que faltava para fechar o valor total. Minha imagem cansada refletia o quanto eu desejava mudar de vida, quitar meu pequeno apartamento, restava 8 anos para isso acontecer, mas não sei se aguentaria tudo isso nessa rotina devastadora das 10:00 as 18:30, nunca tendo tempo para minha filha, e o pior vendo minha mãe atrofiar de dor todos os dias, embora não demonstrasse.
Suspirei angustiada, acreditando que apenas um milagre me ajudaria, pensava em como as distribuições de riquezas eram injustas, enquanto muitos tinha tanto ao ponto de estar no shopping as 10:00 da manhã gastando, outros tinham tão pouco ao ponto de também estarem no shopping as 10:00 mas com uma função diferente, aprisionados 8:00h ou mais por tempo, para poderem usufruir de um mísero salario ao final do mês. Era injusto em um país tão rico, com tantas diversidades, sermos aprisionados por políticos corruptos, que roubam nosso dinheiro, com impostos absurdos, desviando milhões de projetos para a escala humilde, não me leve a m*l, eu apoio o SUS, mas seríamos um país de primeiro mundo, se não desviasse 90% das rendas destinadas a essas organizações.
Teríamos salários melhores, escolas com uma educação digna, não haveria mães sedentas por um beneficio miserável, mas que para muitas era a única renda, eu não precisaria trabalhar por míseros 1.600,00, com horas extras é claro, uma atendente no Brasil, não chega aos 1.400,00, injustiçada e reprimida é como me sinto, mas lamentar não vai mudar a situação, é preciso foco para superar um obstáculo de cada vez, força para novos desafios, e sabedoria para não cair nas fraudes e humilhações que o sistema tenta impor a classe trabalhadora, a verdade é que eu queria mais, muito mais que as estatísticas mostravam, mas com as condições que nosso sistema fornecia era impossível.
Estava a um ano e meio fazendo economias para um intercâmbio a trabalho, mas os custos eram muito altos, o simples trabalho como baba que me resultaria em 900 dólares por semana, exigia algumas qualificações simples, mas que exigia dinheiro, como por exemplo transferir a CNH para poder habitar no exterior, um visto, passaportes e claro pagar a agência que iria resolver tudo, inclusive a parte administrativa do meu futuro trabalho.
Me sentia confiante, pois a alguns meses já possuía a quantia suficiente, mas meu visto havia sido negado, devido a minha alta ansiedade durante a entrevista, o sonhos de dólares, me deixou eufórica, a condição de uma vida financeira melhor atacou minhas emoções me traindo amargamente, mas amanhã daria o tempo certo de 6 meses para tentar o próximo visto, estava faiscando por essa nova oportunidade.
Era frustrante ter que sair de seu país, deixar sua família para poder adquirir dinheiro, sendo que bilhões era desviado, mas como disse reclamar não levava a nada;
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Visto negado novamente, era a segunda vez que isso acontecia, levando minhas esperanças ralo abaixo, esperando a agência me ligar para saber o que aconteceu desta vez, me sentei no banco de uma lanchonete, o suspiro de decepção invadiu o lugar, a garçonete me olhava com certa pena, mesmo não sabendo a situação, meu estado estava deplorável.
Significava mais 6 meses de tortura, planos adiados e sonhos também, deixando mais longe a possível cirurgia da minha mãe, mais tempo longe da minha princesa, horas exaustivas em um shopping por míseros 1.400,00 com horas extras, é claro.
Esfreguei meus olhos para evitar as lágrimas que insistiam em sair, engoli a vontade de gritar presa na garganta, sentindo a raiva inalada ali, era difícil de entender porque tudo estava sempre dando tão errado, a agonia e desanimo estavam quase me fazendo desistir dessa ideia, desse objetivo, talvez não fosse para acontecer.
- Olá, posso lhe acompanhar ? - Sai de meus devaneios guiando meus olhos a uma bela loira, que apresentava ter 1.76 em média, com roupas bem vestidas, não entendo de marcas, mas aquelas com toda certeza são, seus fios e pele bem cuidadas gritam "luxo".
- É claro - Minha voz não saiu como planejado devido ao embargo instalado na minha garganta, mas afinal o que ela queria ?
- Claudia, muito prazer - continuou estendendo suas mão muito bem cuidadas em minha direção, após a cumprimentar indagou- bem pela sua aparência as coisas não saíram conforme planejado, eu entendo, são muitos exigentes, aceita ouvir uma proposta ? - Me questionou e sinceramente, meu corpo pedia pra correr, mas minha curiosidade não permitiu.
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- Pérola, minha filha isso é loucura- Acusava minha mãe passando seu café, o cheiro era dos deuses, sua preocupação era evidente-
- Mamãe, eu pesquisei, muitas pessoas entram no país clandestinamente, e depois se regularizam, seria apenas por 6 meses eu volto e tento meu visto novamente.-
Tentava a convencer a ela que não era tão má ideia ir clandestinamente, por mais que nem eu mesma acreditava, era muito arriscado, mas não suportava mais nossa situação, eu havia planeja essa viagem, esse projeto, era simples, iria ganharia dinheiro, e depois voltava, mas tudo parecia ir contra, a burocracia exigida fazia com que mais uma vez ficássemos reféns de um governo medíocre, eu precisava agir. Claudia alegou que o investimento era minúsculo, sem visto, sem necessidade de passaportes, por mais que eu já houvesse um, a passagem seria mais barata e não precisaria da agência que cobrava uma pequena fortuna para realizar os trâmites, em questão de alojamento seria um preço simbólico, e o emprego já estava garantido, pois Claudia tinha muitos empreendedores que preferiam pessoas clandestinas, uma vez que não precisava pagar impostos ao governo, bom era um convite muito apetitoso, não poderia negar, era o universo sorrindo finalmente para essa mulher acabada, ao qual me tornei.
- Filha -Minha mãe deu um longo suspiro- Eu entendo que nossa situação não está uma das melhores, mas estamos seguras, e temos umas as outras, me preocupo com você, em um lugar desconhecido, clandestinamente, não consigo acalmar meu coração, mas te conhecendo sei que irá, só peço que tome cuidado e nos mantenha informada, Helena precisa de você segura.- Meu coração se apertou, ao lembrar que deixaria minha pequena, no momento ela se encontrava dormindo, as horas do meu dia haviam se passaram rápidas depois do encontro que tive com Claudia, partiríamos em dois dias, tempo suficiente para pedir demissão, mas não para se despedir das pessoas mais importantes da minha vida, mas era por elas, todo meu esforço e risco seria por elas, me concentrava no pensamento que a coisa mais horrível que poderia acontecer era uma deportação. Estava apta a correr nessa direção, não temeria as circunstâncias, eu almejo uma vida melhor e dólares americanos me ajudariam nisso.
Após finalizar a conversa com dona Rita, me direcionei ao quarto da minha pequena, seu minúsculo corpo acaba de despertar pelo visto um pouco antes de eu entrar.
- Oi meu amor - Sentei ao seu lado na cama a puxando para meus braços, seu cheiro de morango invadiu minhas narinas, como era bom sentir seu cheiro de inocência, não era atoa que a pessoa ao qual mais nos ama disse que "Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus.
Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus." Lembrando me dessa passagem, refleti o quanto me afastei dos caminhos retos do Senhor, eu costumava passar horas conversando com meu criador, até crescer e ser engolida por deveres de uma vida adulta, não posso lhe culpar, jamais, foi minhas escolhas que me levaram ao tal lugar que estou.
- Quando você vai mamãe?- Helena é uma criança muito "madura" para sua idade, ela tem uma inteligência digna de admiração, a forma como absorve tudo ao seu redor e aceita com facilidade me acalmaram e ao mesmo tempo preocupavam, até que ponto minha vida tão conturbada fazia com que minha filha virasse uma mini adulta, depositando em seus ombros obrigações e sentimentos que não convém a uma criança.
- Daqui dois dias meu bem.- Selei um beijo casto em seus fios tão grossos quanto os meus, o que mudava era seu tom, o dela vinha de um castanho claro, quase dourado, já o meu era tão castanho comparado a uma escuridão, mas não chegava a ser preto.- Prometo comprar muitos ursos pra você- Ela se virou para mim colando suas pequenas mãos de uma criança de 5 anos em meu rosto.
- Só quero que volte logo para casa, sentirei sua falta.- Aquelas palavras foram como um escape para erupção de um vulcão, fazendo uma cascata amarga jorrar em meus olhos, qualquer pai odeia chorar na frente dos filhos, mas isso com toda certeza foi a demonstração do quanto sentiríamos a falta uma da outra.
- Eu prometo voltar, o mais rápido possível, e depois disso não vamos nos separar mais.- E era verdade, eu trabalharia feito louca, sem parar e agora que poderia ter mais de um emprego não hesitaria em deixar o descanso para ultimo caso.
Voltaria para o Brasil com parte do dinheiro da cirurgia de mamãe e para um bom período de reserva, me possibilitando a fazer uma faculdade ou um técnico, não era certeza que ficaria mais de 6 meses, se voltaria para tentar um visto, era algo incerto e agora
vendo os olhos azuis tão inocentes diante de mim, sabia que não conseguiria partir novamente.