Souvenir

1942 Palavras
Capítulo- IV. Souvenir " Dos teus braços quero um abraço que jamais me deixei partir." Hadassa O calabrês queria me impedir de ter o gostinho da visão do pecado. Mas ele estava enganado se pensava que iria me fazer dar meia-volta e entrar dentro da casa; teimosa que sou, fiz o oposto: levantei-me. Retirei o hobby que estava por cima da pequena camisola e joguei-o longe. Só espero não ter atingido nenhum formigueiro, por Deus, formigas é o fim da picada. — Está um calor aqui, não é? — perguntei, me abanando com a mão; fiz um coque nos fios, prendendo-o com o próprio cabelo. — Qual parte da minha ordem você não entendeu, garota? O filho da mãe acha que pode falar comigo no tom que ele quiser — coloco minhas mãos na cintura; olha na direção do Dante. — Escuta aqui, querido: essa casa não é sua. — Na realidade, essa casa é sua sim, — mas eu sou uma convidada e, como convidada, eu posso fazer o que quiser. - gente de onde eu tirei isso?! Não sei, porque não consigo enxergar nitidamente seu rosto, mas tenho a impressão de que, neste momento, ele está com os olhos em linha fina, me fuzilando. — De qual planeta você veio, garota? Aqui é o meu território e aqui todos cumprem as minhas regras, sem exceções. Eu estou pouco me f*dendo se você é uma convidada ou não; saiba que ainda está em avaliação para os Greccos terem conhecimento, se de fato será uma boa esposa para o meu irmão ou não. Estreito o meu olhar, encarando de igual para igual. Acredito que, se minha mãe estivesse aqui, ela já teria me dado muitas broncas; uma das nossas conversas incluía também as regras de estar em território hostil — no caso, esse ao qual estou pisando. Primeiramente: uma dama pertencente a outra máfia jamais vai olhar um homem de tamanha envergadura de uma máfia rival olho no olho; pelas razões simples as quais incluem-se primeiro é falta de respeito para com os seus e, segundo, mostra que essa mulher não respeita a si própria. Eu não entendo muito bem dessas regras; tentei memorizar o máximo possível, mas ficou difícil. E quando se trata do Dante é difícil não apreciar também a beleza, muito embora ele use ferradura no lugar dos sapatos. — Vou ser sincera contigo: pode arrumar outra noiva para aquele roqueirinho da mocaina. Seu irmão não combina comigo e, aliás, acho que ele não combina com ninguém. - Digo sem pensar duas vezes e depois me arrependo amargamente por falar demais. Cogito inclusive a possibilidade de abrir minha boca para tentar arrumar a bagunça que acabei de fazer; no entanto, não é necessário, porque a voz do Don da Calábria se faz presente. — Então quer dizer que Renzo não combina contigo? Seja mais obvia, ragazza; quem combina com você? Que tipo de homem, na sua cabeça, é ideal para estar ao seu lado? Me veio uma vontade louca de falar: “ Pergunta para essa agua que te molha, ela saberá te responder.” Ou então fazer melhor: dar um mergulho, me aproximar dele e falar assim: estou aqui bem pertinho da sua boca, para poder melhor te dar a resposta. No entanto, minha covardia me impede; tenho medo de mergulhar e acabar indo parar em uma sala de tortura ou então com meu pai sendo chamado — seria um desastre. — Alguém que tenha pulso firme, que saiba dominar; porque o seu irmão parece perdido, e qualquer pessoa que tiver perto dele também irá se perder. Dante nada para outra ponta da piscina, ficando mais distante de mim. Olho para o céu, orando para todos os santos para que a lua maravilhosa apareça e que seu brilho prateado reflita na água, para melhor eu ver os contornos do homem. Bem que eu queria ser um peixe para mergulhar nessas águas cheias de cloro e ver o tamanho da isca. No final seria um suicídio, mas por uma causa nobre. — Está enganada, menina : uma mulher firme, de fibra, consegue colocar um homem no eixo. Mas, se desde agora você enxerga em meu irmão problemas, é porque você realmente não é uma mulher de fibra e de força; é apenas uma menininha que foi criada para cumprir o seu papel de moeda dentro do submundo. Então faça o favor: case-se e dê logo filhos ao meu irmão — isso o fará pensar duas vezes antes de cometer qualquer loucura que coloque em risco a própria vida. — Escuta aqui, senhor poderoso chefão: você tá pensando que eu vou me casar para ser babá do teu irmão?Tá muito enganado, hein; eu não nasci para isso não. — Não nasceu para isso? Então me responda, menina: por qual razão você nasceu? A maioria das fêmeas da máfia são geradas para serem esposas-troféu, fiéis, obedientes e procriadoras; sai de dentro do útero de vocês os futuros homens que continuarão a expandir os negócios e levar em frente esse clã. — Será mesmo? Porque, se bem me lembro — e não estou enganada — a sua mãe e a sua tia, elas não são frutos da máfia; minto? — dou nele um tapa de luva. Chupa essa uva! Eu queria mesmo que ele chupasse, colocaria uma bem no meio das pernas, minha nossa, nossa, nossa estou derretendo! O silêncio pesa, o clima fica estranho. Antes de viajar para cá, praticamente fui obrigado a ler um dossiê sobre essa família. Engana-se quem pensa que esses contratos de casamento são firmados somente com a boca; não. Cada família é estudada, cada máfia conversa com o chefe da outra. Embora eles mesmos disputem entre si territórios e rotas comerciais, em sua maioria possuem uma amizade tóxica; onde não compartilham confiança, mas, estrategicamente, têm vínculos porque sabem que, no futuro, poderão ser úteis. — Você fala demais. Alguém alguma vez te disse isso? — Dante fica de costas para mim, com os braços cruzados em cima da pedra que contorna a borda da piscina. Fico imaginando como é a b*nda dele: deve ser durinha, empinadinha, a coluna reta. Então eu vejo a sombra de uma tatuagem enorme nas costas do homem; minha boca saliva, minha mão começa a comichar — eu quero tocá-lo, senti-lo, beijá-lo — meu corpo começa a pegar fogo. "Meu Deus do céu, acho que vou ter que pular dentro da piscina." — Que tatuagem é essa nas suas costas? — pergunto com a cara e com a coragem. Na realidade, acho que já joguei a vergonha no lixo há muito tempo, desde o primeiro dia que pus meus olhos em cima dele. Aqui o papel está invertido: normalmente é o homem quem escolhe a esposa ou aceita de bom grado quando ela é oferecida pelo pai; mas cá estou eu, invertendo as normas , de olho nesse magnânimo homem que faz minhas pernas estremecerem. — Azrael. — Me responde. Eu continuo sem entender nada. — Como? — Você perguntou da minha tatuagem? Estou dizendo o que é: Azrael. — Azrael é o que? - pergunto curiosa. — Pesquise. Nossa que grosso! Espero que dentro das calças seja também. Não precisa ser grande, mas roliço sim. Mordo o lábio inferior; não faço qualquer correlação entre a tatuagem e o nome que ele fala. Nunca entendi nada sobre simbolismo. O que aprendi sobre simbolos e mafias é vago, na Cosa Nostra e na máfia da Calábria: algumas tatuagens têm significado, como, por exemplo, cruz/crucifixo no peito ou braço, que significa fé e devoção, mas também sacrifício a irmandade. Madonna, São Miguel Arcanjo e outros santos marcam proteção espiritual, fidelidade, a máfia, além de serem usados em memória de vários rituais. Coração sagrado perfurado ou em chamas representa juramento de lealdade eterna, mesmo à custa da própria vida. Tatuagem de punhal, pistola, espada marcam guerreiros e soldados, enquanto as iniciais do clã ou pequenas letras que podem ser localizadas nos dedos ou escondidas nos braços são usadas internamente como reconhecimento. Nem todos os chefes de máfia possuem tatuagem; na realidade, alguns se abstém desses desenhos, porque, em sua maioria, os líderes sabem que a ostentação é perigosa e gostam de manter a aparência de homens de negócios. Dificilmente você vai encontrar um empresário de uma grande multinacional com o corpo coberto por desenhos. A aparência importa muito e, aqui na máfia, a maioria dos líderes se senta atrás de uma mesa ampla de escritório, tendo uma parede de vidro ao fundo por onde olha a cidade que se encontra abaixo dos seus pés e a qual ele domina com punhos de ferro. Dante fecha a boca, não fala mais nada; escuto o movimento da água e, quando vejo, ele está saindo da piscina. Meu coração acelera, minha boca se abre, meu rosto começa a ficar quente; arregalo bem os olhos para poder ver o homem nu. De repente vem a surpresa: o filho da p*ta está pelado p*rra nenhuma — ele mentiu para mim o tempo inteiro, d*sgraçado. Olho na direção dele; não sei se é impressão minha, mas parece que vejo um esgar no canto da boca do maledeto. Dante passa a mão pelos cabelos e eu passo meus olhos pelo corpo dele todo — que delícia de corpo. Aperto minha coxa uma contra a outra, puxando devagarzinho, o ar entre os meus dentes. — Tô passando mal... — penso alto; quando dou por mim, já falei. Dante pega uma pequena toalha e passa pelo corpo — que inveja da toalha. — Falou alguma coisa? - fala baixo. — Nada! Apenas falei que piscina legal. - abro um sorriso para disfarçar minha gafe. Que braços, que par de coxas, que tronco que volume, que b*nda! Quero mastigar o homem, morder cada pedacinho para saber se é tão firme como aparenta. Se ele pensa que vou deixar barato está enganado: quando eu pegar esse homem, vou quebrar todos os ossinhos dele. Chupar tudinho! — Que essência você gosta? — pergunto, pensando em um bom desodorante íntimo. Dante cruza os braços e quase derreto vendo o homem exibindo os músculos. — Creio que deveria fazer essas perguntas para o meu irmão. — Sim. Mas como o noivo tomou chá de sumiço, pergunto para o irmão; talvez os gostos de vocês não sejam discrepantes. Por falar nisso, onde está o roqueirinho da mocaina? — O nome dele é Renzo e está trabalhando. — Ah... em que? Dante me olha por alguns segundos antes de jogar a toalha em cima da espreguiçadeira e beber o restante de um líquido presente no copo que está sobre um bistrô de ferro e madeira. Recebo um olhar que gela a minha alma, um olhar que diz: isso não é da sua conta. — Boa noite, Hadassa! — Boa noite, Don. — Espero Dante sumir das minhas vistas; corro como se estivesse numa competição, alcanço a toalha, aperto o tecido como se fosse um tesouro. Passo-a no meu pescoço. — Você está fodido, Dante. Eu serei o sol da manhã te dissolvendo; você não vai me esquecer. Entro na casa levando a toalha — essa é minha. Estou subindo a escada bem no momento em que escuto a voz dele; volto, caminho lentamente seguindo o som até me deparar com a entrada da cozinha. — Hoje, sim. Levem os três para o depósito. Faz tempo que não tenho diversão; preparem as minhas facas. Um arrepio sobe pela minha coluna. — Ele vai torturar alguém! — deixo meu esconderijo e subo devagar a escada. Entro no meu quarto, ciente de que quando estou sozinha com Dante esqueço completamente o quanto ele é perigoso.
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