Capítulo 1

2510 Palavras
Aquele lobo correu por muito tempo. Era noite, eu usava a droga do meu pijama e provavelmente a ilha estava adentrando os dias frios. Eu tenho certeza de que estava para sofrer um derrame facial, ou que perderia os sentidos dos músculos do rosto de tanto frio, porque o vento que batia na minha face era doloroso. Procurei me manter forte, mesmo com muito frio, olhava para a escuridão toda vez que olhava para trás, mas não via e nem ouvia nada. Devagar, o lobo começou a parar de correr, diminuiu as patadas grossas no chão e se abaixou, indicando que eu deveria descer. Eu sentia tanto frio que foi doloroso me mexer, mas o fiz. A luz estava um ralo fraco e luminoso, eu só enxergava mata fechada à frente e o lobo tornou-se homem. Era um processo doloroso, o rapaz não teve vergonha da nudez e eu evitei olhar… Só um pouco, teoricamente falando estou solteira e sendo rejeitada, olhar não cega ninguém. O rapaz de cabelos curtos se enfiou no meio das árvores, abaixou-se sob um ponto específico e pegou o que seria uma dobra de trapos. Eram suas roupas, logo ele fechava suas saias, vestia um manto e nem sequer me ofereceu um pedacinho do pano quente. Mão de vaca! — Estou morrendo de frio! — reclamei, fechando meus braços e soprando baforadas contra o frio. — És uma deusa, crie fogo! — respondeu, como se aquela merda fosse óbvia e possível! O jovem não se importou com a minha cara, onde eu visivelmente demonstrei minha indignação. Ele olhou para frente, levou as duas mãos até a boca e soprou, fazendo um barulho muito semelhante a algum pássaro. Antes mesmo de eu conseguir entender o que ele fazia, a vegetação criou uma espécie de movimento, moveu suas folhas, as árvores pareceram criaturas com vida e uma passagem estreita fora aberta. O homem olhou para mim, me mandou adentrar a passagem com cuidado e permaneceu olhando ao redor, buscando saber se estávamos sendo vigiados. Eu obedeci, atravessei o espaço apertado e o rapaz veio logo atrás. Como um banho de alívio eu via uma luz distante, onde caminhei firme até o clarão e pude ver a imagem da ilha um pouco mais harmoniosa. Havia crianças, três pontos de fogueira, muitas tendas levantadas, mulheres e homens, e a típica paisagem feliz da ilha, mas tudo estava em número menor. As pessoas que estavam ali não deviam ser nem mesmo um terço da população da ilha. E quando me notaram, um silêncio absurdo se colocou no lugar, duas crianças pequenas correram para as minhas pernas e a mulher arregalou os olhos, como se tivesse pela aproximação dos filhos. Eles puxaram meu pijama, eu me abaixei e deixei que tocassem em meu cabelo. Ninguém dizia nada e eu apenas tentei sorrir pros dois pequenos que eram alheios e inocentes a situação, quando sem aviso nenhum foram puxados de perto. Malekith pegou os dois pelos braços, que rapidamente voltaram sua atenção para o Alpha e os entregou à mãe. Ninguém dizia nada, ele estava sujo, com marcas de sangue pelo corpo e quando voltou para trás, vi o restante de seus homens cobrir a saída, como se eu fosse fugir. Sem aviso, o Alpha desembainhou a espada, colocou o filete prateado na beirada do meu pescoço, dando apoio ao meu queixo, me fazendo olhar pra cima e ver suas face de raiva, dor e algo mais. — Vamos, divindade! — soltou entre os dentes — Eu ordeno que liberte o meu povo e minha graça de suas mãos! — Eu não prendi o seu povo. — respondi com cuidado. — Destruiu o Alpha! — gritou uma voz — Feitiço dos Deuses!— Gritou a outra. — Por favor, nos liberte! — Parem! — gritou uma voz, uma conhecida voz e quando olhei pra direção do ocorrido, vi o rosto de Tesla, ainda careca, como uma xamã espiritual surgir num milagre. — Seremos eternamente amaldiçoados ao tirar a vida de uma Deusa, o Alpha não foi feito para odiar nossos criadores! Tesla vestia um manto n***o, mantinha-se protegida do frio e tentava ser minha advogada. — Não dê ao Alpha, ordens! — respondeu Taurum, desembainhando sua lança, soando ameaçador para a mulher, mas ela não se calou. — Não estou lhe dando ordens, bravo guerreiro. Estou alertando a todos! — Ela olhou ao redor, e recorreu ao povo. — Como acham que nossos criadores cairão sobre nós quando presenciar a morte de um dos seus? — O Alpha é nossa graça superior! — retrucou um homem. — Por intermédio dos Deuses! — retrucou ela — Sem eles não haverá Alpha, sem Alpha não haverá ilha e sem ilha, não haverá nós! — ela olhou para Malekith, e mirou seus olhos, ajoelhou-se e se curvou. — Meu senhor, já ofendeu os Deuses o suficiente ao levantar sua espada, abaixe-a enquanto ainda pode ser perdoado. O metal frio saiu da ponta do meu pescoço, Malekith conteve a espada e suspirou. Ele olhou ao redor e antes mesmo que eu pudesse pensar, fui levantada pelos braços por dois de seus homens, onde ele fez um sinal para me levar pra algum lugar. Eu nem sei se estava morrendo de frio, ou de raiva. Só sei que quando passei por Tesla, gesticulei um “obrigada” com os lábios, pois sem esta advogada eu acho que teria desvinculado todo meu amor ao cachorro sem vacina, imediatamente. Ao topo do caminho havia inúmeros casebres minúsculos e cabanas formadas, pessoas me assistindo ser carregada e curiosos cochichando, até que cheguei ao que parecia ser uma tenda grande, me enfiaram pela cortina e simplesmente me tacaram no chão. Bati com o rosto e a palma da mão em cheio contra a terra vermelha, mas pude notar que ao menos aqui havia panos e uma esteira grossa pra eu me livrar do frio. Quando olhei para trás, o rapaz que me carregou nas costas ainda estava lá dentro e eu tentei limpar meu rosto sob seu cuidadoso olhar. — É mesmo uma divindade? — perguntou curioso. — Não, é um pouco complicado. — Saia da minha tenda, jovem filhote. — ordenou a voz rude de Malekith adentrando o lugar com todo o seu tamanho e interrompendo qualquer coisa que o rapaz fosse falar. O rapaz obedeceu de imediato, Malekith passou por mim como se não tivesse me notado no chão e foi até o apio ao lado de uma bacia de água. Havia um adorno em forma de pedestal à beira de um baú e outros utensílios, por cima de uma bacia côncava onde havia água dentro. Ele usou a água para lavar o rosto, lavou as mãos e molhou os braços. Ao redor da tenda havia quatro velas de cheiro, o que me agraciou na iluminação amarelada e me permitia enxergar, de um jeito fraco, mas permitia. Eu me levantei devagar, bati a poeira da roupa, fui até a grossa esteira macia e puxei os vários mantos para me cobrir, pensando em qual seria o primeiro assunto a se abordar ou se eu já devia apelar pro sexo. Não sei, ele não parece disposto à sexo… — Saia de cima de meu ninho, o calor de meus mantos é um privilégio que a divindade não possui. — Eu o olhei indignada e pisquei, tentando engolir o raio da ordem. — Mas eu estou com frio! Minha pele não é quente como a de um lobo, não enxergo no escuro e se eu morrer de frio, benção canina, você morre também! — ele rosnou, eu puxei as cobertas, ignorei o rosnado e mostrei a língua. Se f**a, já estou na merda mesmo. — Daqui não saio! — Não ouse me desafiar! — ele estava mesmo com raiva, bravo e estourando. Ele tinha ódio por sentir algo por mim, era visível e dolorido ao mesmo tempo. Eu não sei se o Malekith ao qual me casei pensou nas consequências quando fez a linha temporal dele mais jovem me marcar, mas ele sofria com raiva e eu sofria por ver algo tão bonito entre nós lhe causar dor. Enfim, eu ia guardar minhas lágrimas pra depois. — Meu bumbum divino está gelado, só saio depois de aquecida! — bufei, lhe dei as costas e deitei, tranquila e plena. Eu ia latir pra ele amanhã. As cobertas foram puxadas de mim com tamanha força que nem deu tempo de segurar, eu me assustei, Malekith subiu em cima, grudou a mão em meu pescoço e rosnou, mostrando os caninos em minha face. Ele não fechou a mão, mas tentou me assustar. Foi aí que meti a mão na fuça, ceguinha de raiva. Ele estremeceu com o ódio, rosnou extremamente grosso e eu vi até mesmo as veias e sua testa vibrar em nervosismo. Opa… Olhei pra sua cara, segurei em sua mão e senti um calafrio perigoso na espinha, ele queria e ele ia fechar a mão. — Tire a mão de mim e eu saio da sua cama. — soprei baixo, com uma dor terrível no peito por ver tamanha raiva contra mim. Ele me soltou, foi para o lado e eu saí da cama, fiquei de pé, olhei uma última vez para trás vendo ele respirar estranhamente profundo e só então notei a frente do volume da saia de couro. Ele teve uma maldita ereção e estava se odiando por me desejar. Eu não falei nada, só saí da tenda, me deparei com o frio e o escuro, me abracei, e saí caminhando. Eu não fazia ideia de onde eu ia, nem o que eu ia fazer. Só caminhei. — Não vais fazer nenhum ritual contra nós, vai? — eu parei de andar, nem mesmo fui tão longe e olhei para trás. O jovem lobo de olhar castanho, cabelos curtos e corpo grande parecia me vigiar com cuidado. — Estou no primeiro turno da vigia, este lado é minha responsabilidade. Desculpe se a assustei, mas parece perdida. Eu m*l o enxergava… — Não vou ficar na mesma tenda que seu líder. — estremeci, me abracei e lhe dei as costas — E eu não posso me aquecer, não possuo a pele quente de um lobo, não enxergo no escuro e vou morrer de frio se eu continuar sentindo essa merda gelada no meu peito. E não, não vou fazer nenhum ritual contra ninguém, mesmo que aquela praga do seu Alpha queira me matar de frio… — Ele a recusou em seu ninho? — questionou curioso, e eu apenas concordei, tentando pensar. — A fêmea deseja um ninho para se aquecer? Eu não respondi, desejava tanta coisa que não fazia ideia de onde começar a pedir, mas tentava pensar. Quando menos esperei, o rapaz colocou em volta de meus ombros um manto grosso e bem pesado, eu olhei para trás e vi seu rosto de perto, e acabei sorrindo com a gentileza. — Não acho certo incentivar o ódio dos Deuses, mas não pretendo ir contra meu senhor. — contou, enquanto eu ajustava o pano — É para meu uso próprio, mas hoje em específico estou suportando os dias frios muito mais do que qualquer outro. Pode usar. Achei que sendo uma divindade, podia se aquecer. — Obrigada. — Aceitei achando aquilo estranho, porque até onde sei os lobos podiam se auto aquecer. — Nunca carreguei uma fêmea em minhas costas, seu cheiro é bom. — Eu pisquei, tentando entender o assunto aleatório. — Obrigada. — agradeci de novo, pois não fazia ideia do que retrucar. — Césiu.— contou — Fui batizado por Césiu. — Stella, — respondi educada e já um pouco mais quente — Eu me chamo Stella. — Flertar com a Deusa pode lhe custar a vida, Césiu. — uma voz autoritária surgiu entre meio a escuridão, era Taurum me olhando com desconfiança. — Ele não está flertando, está me ajudando. Há uma grande diferença. — justifiquei a situação. — Volte para a Tenda, meretriz divina. Meu senhor deseja dormir vigiando sua vida. — ordenou Taurum. — Pois não volto, prefiro o frio e a companhia de César. E não dá pra vigiar enquanto dorme, é impossível. — Césiu! — corrigiu o lobo jovem. — Caio, isso mesmo! — respondi com raiva, focada em Taurum, menos no Jonas ali. — Pois diga ao seu líder macho dark escroto que essa versão dele é irritante. Bonitinha, mas irritante. Ele latia menos grosso… — Ele não lhe deu opção. — comunicou Tarum, impaciente. — Estou honrado que prefira minha presença, divindade. — contou Césiu sorrindo — É a primeira vez que alguém n**a o ninho de meu senhor, e ainda prefere a mim. O lobo dentro de mim, saúda a fêmea com tamanha lisonja. Eu pisquei, não entendi p***a nenhuma e arrisquei de novo. — Obrigada, Timóteo. — Eu estava tirando o manto sobre meus ombros, mas ele esticou as mãos, voltou a vesti-lo sobre mim e abriu um largo sorriso. — Eu desejo que o tenha, aceite como um presente. Césiu. — tentou me fazer decorar seu nome, mas eu sei lá, o clima ficou estranho… — Ah, valeu. — respondi apenas, virei as costas e comecei a caminhar com cuidado. Segui Taurum, olhei para cima, achei a lua fraca demais e logo me vi adentrando a tenda novamente. Malekith estava de costas, de pé e vestia uma saia de cor preta que ia até suas canelas, não usava botas e tinha um manto cobrindo o dorso em formato de “V”. Ele se virou o suficiente para me dirigir seu olhar mortal e fazer uma careta com a face, encolhendo o nariz. — Livre-se do cheiro do macho sobre si, ou serei obrigado a matá-lo contra minha vontade! — soltou entre os dentes. — Se não tem vontade de matar, é só não matar. Se não sou sua fêmea, não mija em mim. Se quer que eu me livre da manta do Ricardo — eu apontei interesseira pra cama —, eu durmo ali, com duas mantas grossas! — fiz o número dois com as mãos como quem cantava um rap maneiro, só pra deixar claro que eu queria dormir super quente. — Não barganhe comigo! — retrucou grosso. — Certo, eu fico com a manta… — Livre-se desta praga e deite-se, divindade irritante! — gritou, vociferando grosso e novamente dobrado em raiva. Eu sorri, linda e plena, taquei a coberta no chão, corri pra cama e me enfiei debaixo de três, duas não, mas três mantas. — Somente uma Deusa teria tamanha coragem de me desafiar de tal modo! — concluiu. — Uma Deusa, claro… — concordei sonolenta — Cê vai ficar aí, latindo? — Eu me recuso a ceder aos seus encantos! — retrucou, forte e decidido. — Uhum… Problema seu, vou dormir que o capítulo acabou. — Mas antes de dormir, eu abri bem os olhos, não olhei para trás e ditei em alto e bom som. — Eu te amo, Malekith. Ele não respondeu, mas eu ouvi seu silêncio até sair da tenda.
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