— Não sabia que você dirigia, Daphnée.
Foi a primeira coisa que disse assim que adentrei o veículo, observando o interior do mesmo distraidamente enquanto ajustava o cinto.
— Eu sou uma caixinha de surpresas, meu bem.
Ela possui um sorriso sutil nos lábios pintado com um gloss cor-de-rosa, nos olhando pelo retrovisor.
— Você é uma doida, isso sim. – Yves retrucou quase que no mesmo instante, franzindo um pouco o cenho e um tanto assustado se virou pra mim. Ele estava no banco do passageiro. — Se eu fosse você colocaria o cinto de segurança, essa maluca aqui – indicou a garota, que olhando pelo retrovisor mais uma vez, notei que revirou os olhos. – corre mais que o papa-léguas.
Acabei por rir um pouco, negando por um momento.
— Ah, qual é, não importa o quanto ela corra, se não vai nos m***r. – sorri de forma sutil, cruzando os braços abaixo dos s***s. — Além do mais, falando com alguém que tem experiência em viajar de carro com meu pai, posso afirmar que nenhum tipo de velocidade me assusta, nenhuma mesmo.
— Isso é um pouco perturbador… – o rapaz comentou, o vinco ainda presente entre as sobrancelhas escuras. Mas em seguida relaxou, rindo baixo. — Veremos se você terá a mesma opinião quando chegarmos no shopping.
— Alôôô. Será que dá pra vocês pararem de falar de mim como se eu não estivesse aqui?
A expressão indignada da garota de fios platinados nos arrancou um riso, e ainda um dar de ombros por parte do garoto, o que fez com que ela dirigisse o caminho inteiro completamente emburrada.
Chegamos em pouco menos de quinze minutos, dado que o lugar não era tão longe assim, e assim que saímos do carro, começamos a caminhar na direção da grande e moderna construção, só notando que Daphnée havia permanecido ali parada, ao lado do veículo, depois de algumas passada.
Eu e Yves trocamos um olhar significativo, e quase sentia que ele lia a minha mente, tanto quanto eu lia a dele, antes de suspirarmos e darmos meia volta até onde a mais alta estava.
— Não vem? – abri um sorriso discreto, enquanto perguntava, cautelosa.
— Será que devo? Vai que eu mato um de vocês no meio do caminho... – acabou resmungando em resposta, evidentemente usando de um pouco de drama.
— Deixe de frescura, menina, vamos logo. Vem. – Yves chamou, enquanto pegava ela pela mão, na tentativa de conduzi-la.
Sem sucesso.
— Não é frescura, eu sou perigo pra humanidade. Vão sem mim e se divirtam. – falou com uma voz chorosa enquanto olhava pro chão.
E tenho que admitir, se isso era uma encenação ela era boa. Eu estava realmente comovida e me sentindo absurdamente culpada. Rapidamente, então, sem mais nem menos, abracei ela, com os olhos lacrimejando.
— Não fique assim, prometo que não te chamo mais de doida. Sério.
— Tudo bem, não precisa chorar. – disse ela me abraçando de volta, ainda fungando.
E enquanto isso "mais novo" dos gêmeos St. Germain só observava a cena dramática, digna de uma telenovela.
— Já acabaram com a novela mexicana, aí? – indagou, com os braços cruzados, uma sobrancelha erguida e um bico discreto, mas perceptível, nos lábios.
E foi a vez da platinada e eu nos entreolharmos, trocando um sorriso cúmplice.
— Aw, que fofinho, ele ta com ciúmes porque não recebeu atenção. – ri baixo, falando mais por provocação, enquanto aproximava-me, só para então apertar uma das bochechas dele.
— Não fique assim, Yves. Sabe que tem Dapnée para todo mundo. – a mais alta disse em seguida, num claro tom divertido.
E logo em seguida estava jogando os braços ao redor dele, com uma i********e natural.
— Arrg, céus, todo esse grude e amor está me sufocando, acho que vou morrer sem ar. – ele disse em meio a uma careta, embora fosse evidente que era uma brincadeira.
— Bobo.
Ri baixo enquanto dava um soquinho de leve em seu braço.
— Tudo bem, tudo bem. Agora que já estou me sentindo amada de novo, podemos voltar ao plano inicial. – a garota disse enquanto batia palminhas, agora notoriamente tendo recuperado a animação.
Bipolaridade que chama?
— Vamos lá então.
E logo Yves já havia nos pegado pelo pulso e saído a nos puxar shopping adentro enquanto conversávamos animados.
Mas ainda era irritante o fato de que todas as pessoas que passavam por nós pareciam não ter coisa mais interessante pra fazer, do que nos seguir com o olhar, enquanto encaravam com uma estranheza evidente.
Aquilo já estava enchendo o saco.
Era a terceira vez que eu olhava pra minha roupa só pra ter certeza de que não tinha pasta de dente seca, alguma mancha de café ou luzinhas de natal como da última vez... mas isso é outra história.
Porém como nenhum dos outros dois parecia realmente incomodado, acabou só suspirando e tentando deixar pra lá, enquanto ainda caminhavam pelo espaço amplo e com um bom fluxo de pessoas.
Mas de repente Daphnée parou, ficou estática enquanto olhava para frente, um pouco mais pálida que o normal.
— Ei, você está bem? – a pergunta veio antes que eu pudesse conter, enquanto olhando com certa confusão e preocupação.
— A-ah, estou, claro... – gaguejou, sua voz estava baixa.
Encarei Alexy e ele me olhou de volta, aparentemente também preocupado, o que me deixou um pouco tensa, afinal se aquilo não era algo comum então decididamente merecia atenção.
— Tem cert-
— Hey, meninas… E Yves. Que coincidência encontrarmos vocês por aqui. – disse uma voz um tanto surpresa atrás de nós, antes que o azulado sequer pudesse completar sua frase.
Virei-me rapidamente e dei de cara com o Louis, o ruivo de farmácia e um carinha de cabelos pretos e um pouco compridos que eu nunca tinha visto antes.
E ainda que surpresa, sorri pra Louis, acenando para ele e para o carinha moreno desconhecido, ao passo que ignorava completamente a existência do ruivo.
Ok, talvez fosse completamente infantil da minha parte e não era algo de que eu me orgulhava, mas detalhes.
— Oi, coinicidência mesmo. – Yves responde por todos ali, em meio a um sorriso mínimo.
Ao mesmo tempo, voltei o olhar a Daphnée que olhava o garoto de cabelos negros timidamente até que notasse que havia percebido, então desviando o olhar para o chão, com o rosto um pouco vermelho… Ah, acho que já sei o que tá pegando aqui.
Contive o sorriso, enquanto grudava um lábio no outro, focando logo nos meninos.
— Er… e quem é esse seu amigo mesmo? Não lembro de ter visto ele na escola. – acabei indagando, como quem não queria nada, sorrindo de lado.
Discrição passou longe, Alicia.
— Ah, esse… é meu irmão mais velho, o Henri. – o castanho explicou, calmo como sempre como aparentava ser, antes de olhar o mais alto. — Henri, essa é a Alicia, uma nova colega. Você lembra do Yves e da Daphnée, né?
Porém a pergunta não teve resposta imediata, já que o rapaz parecia estar perdido no próprio mundinho enquanto olhava para a garota ao meu lado e… Oh, entendi, interessante.
— Henri. – o irmão chamou-o mais uma vez, estranhando a reação do outro moreno que continuava imóvel. — Henri! – desta vez Louis o sacudiu de leve, ainda dando um tapinha em seu ombro que me fez o mais alto ali ter um pequeno sobressalto.
E assim que se tocou do que rolava quando despertou do transe, uma vermelhidão se instalou no seu rosto, tanto quanto no de Daphnée, ao perceber que foi pego no flagra.
— Você pelo menos poderia ser mais discreto, né? – o ruivo murmurou, embora houvesse sido o bastante para que fosse audível a todos ali.
Que bastardo, constrangendo os dois, foi a primeira coisa que se passou em minha mente enquanto eu negava.
Dei uma cotovelada discreta nele, ou nem tanto, já que Yves prendeu o riso e Louis nos olhou com estranheza. Os únicos que pareciam alheios a isso, eram os dois pombinhos que encaram o chão, vermelhinhos.
— Então… – acabei me pronunciando em meio aquele silêncio, ganhando a atenção dos demais. — E se nós fossemos ao cinema, tipo, todos juntos?
— Assistir um filme?
A pergunta veio por parte de Aidan e me fez questionar seriamente se ele estava dando o engraçadinho ou se gostava bem de fazer perguntas óbvias. Mas no fim, acabei só negando, contendo a vontade de revirar os olhos.
— Não, tomar banho. – a resposta me escapou ácida, antes que eu sequer pudesse controlar, talvez por força do hábito. — É claro que é pra assistir a um filme, o que mais se faz num cinema?
— Odeio cortar seu barato, petit, mas conheço muita gente que vai pro cinema fazer coisa bem mais interessante do que assistir a um filme. – Yves acabou respondendo pelo ruivo, com um sorriso ladino no rosto delicado e bonito, enquanto passava um braço sobre meus ombros.
— O-oh… – pisquei algumas vezes, levando alguns segundos pra entender a que ele se referia, logo fazendo uma careta. — Yves, não queremos saber das suas experiências carnais dentro de um cinema.
Dei um tapinha de leve em sua mão, mais por brincadeira, arrancando um riso por parte dele, e acabando por deixar um Louis muito desconcertado com a minha fala.
— Experiências carnais? Pode dizer logo pegação mesmo. Beijo na boca. Amassos. Afins. – disse, todo sugestivo, rindo ainda. Embora eu tivesse certeza de que fazia aquilo só para nos deixar sem jeito.
Bom, funcionou com pelo menos três de nós.
— Ah, díos, Yves. – eu rindo baixo, tendo a plena noção de que ele não tinha um pingo de vergonha.
Acabei negando, o empurrando de leve e sentindo ele fazer o mesmo comigo, embora agora sem apoio e com uma falta de equilíbrio natural, quase fui ao chão, não fosse as duas mãos que me seguraram pelos ombros.
— Obrigada… – murmurei, enquanto retomava o equilíbrio.
E assim que olhei por cima do ombro, pude ver que quem havia me apoiado era justamente a pessoa de quem eu queria mais distância.
— Você é um desastre. – negou, arqueando uma sobrancelha. — E podemos dizer que agora você me deve uma, nanica? – a pergunta saiu sussurrada quando ele pouco se abaixou próximo ao meu ouvido.
Franzi o cenho, me afastando dele rapidamente quando senti um breve arrepio inconveniente subindo pela espinha.
— Nanica é a senhora sua avó.
— m*l agradecida, da próxima te deixo cair e quebrar isso que chama de cara.
— Deixa de ser dramático, cabeça de tomate.
— Irritante.
— Grosso.
— Meio metro. Vai morder a minha canela é? – retrucou, abrindo um sorrisinho cínico.
Tive que conter o grunhido que quis subir pela garganta, somente cerrando os punhos.
— Faça o favor de pegar esse sorrisinho e enfiar bem no meio d-
— Alicia. – Louis me interrompeu assim que comecei a minha fala irritada, aparentemente muito abismado e me olhando como se perguntasse “você ia mesmo dizer isso?”.
Dava pra ver de longe que o garoto era do tipo que sequer falava palavrão e tinha uma postura romântica demais para aquilo.
— O casalzinho aí já acabou com a DR? Não podemos passar o resto da noite aqui. – Yves interrompeu antes que eu pudesse diEr algo.
E não deu outra além de mim e do ruivo olhando o garoto com estranheza, antes de trocarmos um olhar também, fazendo uma careta quase que no automático.
— Acho que isso foi um sim. Pois bem, vamos lá. – continuou, com um sorriso, sem incomodar se estávamos ofendidos ou não, antes de seguir a frente do grupo.
Ainda que negando, acabei por suspirar, acompanhando ele, assim como os demais.
Os dois irmãos iam um pouco à frente, seguidos por mim, Yves e Daphnée, que estava muito mais quieta que o seu habitual, o que me lembrava que depois iria ter uma conversinha com ela para tirar as minhas dúvidas… Continuando. Por último e menos importante – e que minha infantilidade seja perdoada, mas não consigo só conter –, vinha Aidan com aquela expressão de quem chupou limão e não gostou, que por mais que houvéssemos tido pouco tempo de convívio, eu notei que era o seu habitual.
Não demorou muito, então, logo chegamos ao local, que ficava num andar superior. Compramos os ingressos e seguimos ainda em grupo e numa formação não muito diferente até a sala e logo estávamos nos acomodando numa fileira só e na seguinte ordem: Yves, Louis, Henri, Daphnée, eu e a girafa ruiva na ponta.
— Será que alguém quer trocar de lugar comigo?
— O que foi? Tem medo de perder o controle e me atacar no meio do filme? – o ruivo irônico diante da minha pergunta, sorrindo sem muito humor.
— Ah, claro, claro. Quem conseguiria resistir à um i****a, ruivo de farmácia, preponte e egocêntrico, afinal?
— Será que dá para os dois ficarem sem se amar pelo menos por um minuto? Eu quero assistir o filme. – o garoto de mechas coloridas comentou, com um biquinho nos lábios.
— Pô, Yves.
O meu tom foi ofendido mesmo, enquanto negava. Dá pra acreditar? Como se um dia eu fosse amar essa coisa ruiva.
Como se qualquer pessoa no mundo um dias fosse conseguir esse feito, aliás.
O filme começou dentro de alguns poucos, após poucos trailers, e então eu me pus a prestar atenção. Estava muito concentrada no enredo e provavelmente teria continuado assim, não fosse meu celular vibrando e fazendo com eu tomasse um susto a princípio.
E de fato estranhei, afinal não eram muitas as pessoas que tinham o seu número de celular. Inclusive duas delas estavam ali, bem na sala, tão concentrada no filme quanto ela estava até então. E exceto eles, só tinha…
— La p**a madre. – resmungou baixinho um palavrão assim que olhou a tela e confirmou suas suspeitas, vendo o nome do meu pai brilhar no topo da tela
Carajo, tinha esquecido legal de avisar pra ele que ia sair e certamente agora ele deveria estar muito preocupado.
Mas qual era a d***a do meu problema?
Levantei rapidamente, sem mais nem menos, ainda escutando algumas pessoas reclamarem, mas m*l consegui prestar atenção, antes de seguir, quase que correndo, da sala.
Desajeitada e apressadamente atendi a ligação.
— Al... – comecei, embora antes que pudesse terminar a frase, tivesse sido interrompida.
— Alicia Gonzáles. – um suspiro e então a voz séria proferiu meu nome, num tom tão sério que me fez fechar os olhos com força. — ¿Dónde estás, quieres darme un infarto? – continuou, rapidamente, aumentando o tom e notoriamente preocupado, ao mesmo tempo irritado.
O rompante fez com que eu afastasse um pouco e quase que automaticamente o celular de perto da orelha, deixando ele esbravejar até que se acalmasse.
Suspirei, fazendo uma careta e somente alguns segundos depois, voltei a posicionar o aparelho perto do ouvido.
— Calmase papá, estoy bien. Lo siento, me olvidé de advertirte... – disse após um segundo, cautelosa.
E de fato culpada, me sentia absurdamente culpada naquele momento, especialmente quando o ouvi respirar fundo.
— Nunca mais me dê um susto desses Alicia, está me ouvindo? Só Deus sabe as besteiras que se passaram pela minha cabeça e o que eu faria se algo de r**m te acontecesse. – disse ele, num tom mais calmo do que há alguns instantes atrás, embora ainda desse para notar um pouco da irritação e preocupação residuais.
— Eu sei, eu sei. Me desculpe. – pedi novamente, e mais uma vez suspirei, dando uma olhada ao redor e logo focando em meus próprios pés cobertos, tendo há pouco parado de caminhar . — Prometo que nunca mais faço isso, uh?
— Tudo bem… mas onde você está? Com quem? Fazendo o quê?
— Ah… Bom, eu estou no cinema. Com uns colegas. Relaxa, está tudo bem mesmo, tô inteira.
— Okay, fico mais tranquilo. – outro suspiro, agora por parte dele. Quase podia visualizar os nós de tensão sumindo dos ombros dele. — E… colegas, é?
— É, colegas… – confirmei, a princípio sem entender bem, até que me tocasse, soltando um riso soprado, sem acreditar. — Maldade, não zoa.
— Não to dizendo nada. – riu baixo, espontâneo. — Mas a vida é bela, não é? E o mundo da voltas. Houve quem disse que “eu não quero ficar num mesmo lugar que jovens esbanjando testosterona e patricinhas mimadas". – a voz soou mais fina que o normal, numa tentativa de me imitar.
E eu ainda revirei os olhos, embora sorrisse.
— Er... okay, eu estava errada. É isso que queria ouvir?
— Claro, eu adoro quando você está errada. – riu baixo.
E então eu resmunguei baixo. Ora, cadê toda aquela preocupação de alguns minutos atrás?
— Brincadeiras à parte. Quero você cedo em casa, entendeu mocinha?
— Afirmativo, capitão. – sorri um pouco. — Agora tenho que desligar, tudo bem? Hasta luego papá.
— Hasta, cariño.
Finalizei a chamada com um suspiro mais relaxado e só então guardei o celular, ao mesmo tempo que virei, na intenção de voltar para a sala.
E levantando em conta que era eu, sequer me surpreendi quando novamente naquele mesmo dia esbarrei em alguém, embora dessa vez tenha consigo me estabilizar se cair, derrubar nada ou ter de ser segurada. E sinceramente? Aquilo era uma vitória.
Mas o que não era uma vitória, era justamente a pessoa em quem eu novamente havia esbarrado. E talvez eu não devesse me surpreender, mas o fiz, mais 1% inclinada a acreditar em carma do que no início daquele dia.
— Você por acaso tá me seguindo é?
— Olha, até onde se, o shopping é um lugar público, portanto eu posso circular brevemente por onde eu bem entender.
— E tem que ser bem aqui? Atrás de mim?
— Na verdade, não, mas confessor que te ver irritada é gratificante. – sorriu por fim, de forma provocativa.
Grunhi baixo diante da resposta dele.
Pelo visto não era só eu a pessoa infantil ali.
— Faz um favor pra mim e vai se ferrar, ok – não costumava ser grossa com ninguém, mas aquela criatura ruiva me tira do sério. — Aliás, o que está fazendo aqui mesmo?
Em resposta ele colocou as mãos nos bolsos, a postura mais relaxada enquanto virava o rosto para o lado.
— Você saiu correndo do nada, o pessoal ficou preocupado. E ao que parece tenho cara de babá agora
— Não sou criança. – murmurei, antes de suspirar, cruzando os braços. — E não que seja da sua conta, mas eu saí correndo porque tive que atender uma ligação importante.
— Pra sair correndo daquele jeito, tinha que ser mesmo. Aposto que era seu namorado. Me pergunto quem é maluco o suficiente pra te querer. – soltou um riso em meio a um sopro.
— Mas é um cretino mesmo. Qual o seu problema, ein? Repete, vai.
— Ué, e não ouviu? Além de nanica é s***a também? – provocou.
E esse foi o suficiente para que eu perdesse completamente a paciência que tinha mantido até então, começando a socá-lo o mais forte que podia, embora não parecesse ter exatamente o efeito que eu gostaria.
Um grunhido frustrado escapou pela minha garganta ao mesmo tempo em que ele tentar me segurar.
— E-ei, ta maluca? – indagou, parecendo surpreso, ainda que um riso irônico tivesse lhe escapado quando ele finalmente agarrou ambos os meus pulsos. — Vai ter que fazer melhor que isso, ein?
E nisso o encarei, irritada, frustrada e com o rosto um pouco avermelhado, sem perder tempo o puxando para baixo e mais perto, deixando o rosto quase rente ao seu.
Não sei ao certo o que se passou na mente dele – embora ok, talvez eu imaginasse –, mas pareceu surpreso no início e logo depois abriu um sorriso cheio de malícia.
Homens.
Sorri de volta, aproveitando a distração dele, acertando os seus "países baixos" sem mais nem menos. E ele, por sua vez, automaticamente me soltou, curvando um pouco o corpo, segurando o local com as duas mãos e expressando uma careta de dor impagável, enquanto eu tinha que conter o riso ao cobrir o rosto com uma mão.
— S-sua... maluca...!
Sua voz soou com certa dificuldade, enquanto me lançava um olhar do tipo "você me paga!" com os olhos pouco marejados.
— Olha, você disse que eu precisava fazer melhor, e eu fiz. – ri baixo.
— E-eu nunca mais poderei ter filhos… – murmurou enquanto me ignorava.
Eu apenas ria, agora sentada num banco próximo a ele, porque aquilo parecia ser bem mais interessante do que qualquer outro filme.
— Mas o que diabos está acontecendo aqui?
A pergunta soou, aturdida, e assim que virei o rosto vi um Louis chocado, um Yves e uma Daphnée contendo um riso e um Henri sem entender mais nada.
— Oh… o filme já terminou? – indaguei um tanto quanto confusa.
— Não, nem deve estar perto. – respondeu-me o de fios coloridos, depois de conseguir conservar.
— Então o que estão fazendo aqui?
— O… Aidan estava demorando e você tinha saído daquele jeito, nós ficamos preocupados. – Louis explicou, embora ainda parecesse processar.
— E isso nos leva a perguntar sobre o elefante aqui: Por que você saiu correndo e, especialmente, por que o Castiel está no chão e gemendo de dor? – a única outra garota ali além de mim indagou.
— Bom… Eu tive que atender uma ligação. E quanto ao ruivo…
— Eu fui agredido.
Um suspiro pesaroso e ele aos poucos ajeitava a postura.
— Hum, ligação é? – Yves se pronunciou antes de todo mundo.
Nisso Aidan o olhou indignado, tendo sido completamente ignorado.
— Não pense coisas erradas, era meu pai – rindo baixo com a cena. — Eu meio que esqueci de avisar pra ele que ia sair, e como não tenho o costume de sair e quando ele chegou em casa mas não me encontrou...
— Espero que não fique encrencada por nossa culpa. – a de fios platinados comentou.
— Meu pai é tranquilo, já me resolvi com ele. – sorri de leve, vendo ela o fazer também. — Desculpem o alvoroço.
— Está tudo bem, acho que devo dizer que tudo isso tem sido bem mais agitado do que imaginei. – pela primeira vez o mais velho ali se pronunciou, com um sorriso discreto no rosto
E acho que acabou sendo um consenso entre os demais. Ainda assim, optamos por não voltar para ver o filme, já que no meio de toda aquela confusão acabamos por perder boa parte dele.
Então somente decidimos dar uma volta pelo lugar e quem sabe comer algo, o que foi deveras tranquilo e super bem recebido.
Eu discretamente observava as pequenas interações quando não estava fazendo também. Só conseguindo pensar em como aquele único dia, que deveria ter sido tão comum, havia sido tão agitado. Mais do que muitos outros do que já havia tido.
E sinceramente, apesar dos pesares, não havia sido de todo r**m.
…
— Aaa, eu nem gosto de lembrar que amanhã tem aula. – a voz de Yves cortou o silêncio enquanto seguíamos até o estacionamento, completamente desolado.
Eu acabei rindo baixo, assim como Louis.
— Não fale como se fosse a pior coisa do mundo. – o moreno respondeu.
Nos dividimos da mesma forma que viemos, eu com a Daphnée e o azulado; o Louis e o irmão no carro do maia velho e por último Aidan, em sua moto, que aliás, tenho de admitir, era muito linda. Tipo, muito mesmo.
Na boa, eu casaria com aquela moto.
Mas detalhes.
Nos despedimos dos meninos e não muito depois já estávamos dentro do veículo, seguindo pra casa e conversando algumas banalidades.
— Então… aquele irmão do Louis é bonito né? – comentei, como não queria nada, bem de repente, só para ver sua reação da garota.
E Yves, com quem troquei um olhar pelo retrovisor, pareceu entender minhas intenções no mesmo momento, entrou na brincadeira.
— Ah, nem me fale, aquela expressão séria dele é tão sexy.
— A-ah, vocês acham?Nem reparei...
Era perceptível o esforço que ela fazia para parecer desinteressada, sendo que foi quase possível ver as orelhinhas dela levantarem quando o dito cujo foi citado, arrancando um riso nosso.
— Ah, qual é. Abre o jogo, nós vimos a troca de olhares entre vocês e jeitinho que ficou. – neguei, sorrindo de lado.
— N-nada a ver gente. – tentou desconversar, corando levemente. — Além do mais ele nunca iria reparar em mim com um monte de garota bonita na cola dele.
— Está falando sério? Gata, o garoto ficou o tempo todo te secando com o olhar, sem jeito, sempre que a gente flagrava ele. Se ele não gosta de você então eu não sei o que é. – foi a vez do outro menino comentar.
— O Yves tem razão, deixa de besteira porque nós já percebemos que você gosta dele.
A mais alta ali, suspirou, o olhar ainda focado no caminho.
— … Ok. Venceram. Eu tenho uma quedinha por ele. – admitiu, ainda um tanto tímida. — Quem estou querendo enganar? Eu tenho é um precipício por aquele homem. Mas ele não gosta de mim de assim, é fato e eu já me conformei. – suspirou mais uma vez.
— Se você prefere acreditar nisso...
— Sim, eu prefiro. É melhor do que criar esperanças e depois quebrar a cara... – ele confirmou num tom cansado e eu resolvi não tocar mais no assunto.
Mas eu não iria deixar aquilo acabar daquele jeito. E talvez eu não devesse me meter daquela forma num assunto que sequer era meu, mas tinha certeza de que os dois se gostam e só precisam de um empurrãozinho.
Passamos o resto do caminho sem falar nada, apenas focando na música nacional que tocava no rádio e não demorou até que chegássemos à minha casa. Me livre do cinto de segurança e me virei pra eles.
— Obrigada pela carona gente. – sorriso de forma mínima, abrindo a porta do veículo.
— Que é isso, petit, não tem de agradecer. – o garoto sorriu de lado. — Precisamos repetir esse programa, da próxima vez lembre de avisar o seu pai. – riu baixo.
— Certo, certo. – acompanhei ele, rindo também. — Tenho que ir agora, tchau povo lindo.
— Tchau. – disseram em uníssono.
E logo estava atravessando a rua, caminhando até a entrada da casa e só então observei o carro partir até sumir da minha vista. Sorri de leve.
Uma brisa gélida passou por mim e senti um arrepio percorrer por minha espinha de repente, mas não era pelo frio, eu estava com a sensação de estar sendo observada.
A sensação inquietante me fez abandonar qualquer devaneio e entrar em casa, encontrando meu pai deitado no sofá, dormindo profundamente para minha surpresa.
Sorri com a cena, logo rindo baixinho, antes de seguir o andar de cima, pegando um cobertor, antes de descer novamente e então o cobrir.
Dei um beijo em sua testa, conferindo se ele estava confortável, antes de novamente subir ao primeiro andar. E completamente no automático fui tomar um banho e me trocar, em minutos estando em minha cama, pronta para dormir.
— Faz tempo que você chegou?
Escutei uma voz sonolenta perguntar, e assim que ergui a cabeça e vi meu pai, enrolado no cobertor e com uma cara muito engraçada de sono, parado na porta do quarto.
— Pouco tempo, mas cheguei na hora. – sorri. — Por que estava dormindo quando cheguei? Não é tão tarde assim...
—,Eu sei, mas estou cansado. O dia no trabalho foi exaustivo, uma monte de papéis pra assinar e uma pilha de casos não solucionados pra resolver. – suspirou.
— Nada que o chefe do departamento de perícia criminalística, detetive Miguel González, não possa resolver, sim? – respondi ainda com um sorriso pequeno, tentando encorajá-lo.
O que talvez tenha funcionado um pouco, já que ele riu baixinho.
— Acho que tem razão, não posso desanimar. — sorriu de leve. — Mas e aí, como foi lá com os seus amigos?
Evidentemente deu ênfase na palavra "amigos", enquanto sorria sugestivo.
— Foi bom, eles são legais e parecem do bem, sinto que posso confiar… – encarei um ponto fixo na porta, antes de olhá-lo mais uma vez.
— Qualquer dia desses eu quero conhecê-los, viu?
— Certo, certo.
— Agora vai dormir, está tarde. – disse, já se preparando para sair do quarto, mas se impedindo num último momento. — E Alicia...
— Hum?
— O resto das coisas chegam amanhã, recebi uma ligação hoje.
— Sério?
— Sim, eles vêm por volta das três da tarde. – riu baixo diante da minha animação. — Agora, boa noite.
— Boa noite! – sorri e vi ele sair do quarto, encostando a porta.
Me aconcheguei na cama com um sorriso brincando no rosto ainda.
Mal posso acreditar, finalmente.
Suspirei e fechei os olhos esperando o sono chegar, o que não demorou muito.