Na manhã seguinte acordei com os raios de sol batendo contra meu rosto, o que fez soltar um murmúrio descontente, me repreendendo mentalmente por ter esquecido justamente as cortinas abertas na noite anterior.
E após um dilema enorme entre mentir pra mim mesma dizendo que me daria mais só cinco minutos e acabar adormecendo mais uma vez ou levantar e botar em prática o que havia planejado para o dia, levantei, ainda um pouco sonolenta, pronta para para início a minha rotina. Essa que foi completamente por água abaixo, porém, quando acabei enroscando os pés nos lençóis e caindo de b***a no chão.
Melhor maneira de se começar o dia. Nota mental: prestar mais atenção nas coisas ao meu redor.
Nota essa feita completamente em vão, diga-se de passagem, sendo a pessoa completamebte desastrada que sou, já sofri mais quedas do que posso contar nos dedos, mesmo tomando todo cuidado possível.
— Mas que m***a.
O resmungo m*l humorado e choroso escapou sem meu consentimento, ao mesmo tempo me levantava com certa dificuldade e seguia ao banheiro.
Com algum hematoma a mais, mas com a higiene em dia, já era alguma coisa.
E tão logo retornei, agora um pouco mais desperta, peguei a primeira roupa que vi no armário – uma blusa branca de mangas curtas com uma estampa preta aleatória, e um short jeans claro e meio desfiado na barra, além, claro, de um all star vermelho e já um pouco surrado – e me troquei sem tanta pressa, por fim amarrando o cabelo escuro num r**o-de-cavalo, só então descendo as escadas acompanhada por Axl, que depois daquele reboliço todo já estava acordado há tanto tempo quanto eu.
Como meu pai ainda estava dormindo, pelo que conferir, preparei o café-da-manhã pra nós dois e equanto Axl comia a ração dele eu também comi. E assim que terminamos eu subi e escovei os dentes rapidamente antes de tornar ao andar de baixo, ajeitando a queda jeans que ainda havia pego e escrevendo um bilhete pro meu pai, avisando que iria dar uma volta pelo bairro, caso ele acordasse antes que eu voltasse.
Coloquei a guia no ser canino, fazendo um ceeto carinhos no pelo ruivo, antes de sair de casa. E adivinhem com quem eu dei de cara?
Talvez não fosse tão difícil imaginar que se tratava da mesma senhora m*l encarada do outro dia.
E como se esperar, me encarava com a mesma cara azeda, talvez fosse o seu natural. O surpreendente mesmo foi quando ela desviou o olhar para o Axl e fez uma careta desgostosa antes deu nos dar as costas e continuar a regar seu jardim.
Mas que tipo de ser humano com um coração pulsante não gostava de cachorros?
Axl parece notar a atitude alheia e acabou rosnando baixinho, o que me fez rir um pouco. Ele sabia diferenciar uma boa pessoa de uma má.
— Calma, garoto... – disse baixinho a ele ao tomar sua atenção, retribuindo com carinho quanto ele o fez.
Resolvendo apenas ignorar então, segui caminhando pela vizinhança, que parecia um tanto diferente agora que não era vista através de uma janela de carro, e não demorou nem cinco minutos até que encontrasse um parque assim que virei a esquina.
Era enorme, bem arborizado e simplesmente lindo. Automaticamente me sento confortável ali, não evitando sorrir levemente com a constatação.
Caminhei mais um pouco, até estar do outra lado. E tudo teria continuado às mil maravilhas, não fosse o Axl ter se assustado com algo que sequer consegui identificar e em seguida sair correndo descontrolada e rapidamente.
Minha reação não foi outra, claro, a não ser correr atrás dele, e quase pude soltar um suspiro de alívio quando enfim consegui pegar sua guia novamente, porém o fato dele ter saído me puxando pelo parque impediu que isso acontecesse.
Tentei pará-lo mas foi em vão. Meu cachorro era grande, quase do meu tamanho – ou talvez eu quem fosse um pouco baixa demais para a média mesmo – e parar ele de repente parecia uma tarefa quase impossível.
Mas de repente um assobio e ele parou, pura e simplesmente.
Eu m*l tive tempo de checar ao certo de onde exatamente viera aquele som milagroso que aquietado o Axl, já que meu olhar estava cravado no mesmo. Na verdade, m*l tivera tempo de processar qualquer um dos eventos, inclusive o da súbita parada. E o resultado disso não poderia ser mais catastrófico ou vergonhoso.
Tanto é que custei a acreditar que realmente havia atropelado alguém. Que estava caída por cima de alguém bem naquele momento. Mas o tecido vermelho xadrez da camisa de flanela do indivíduo que era a única coisa que eu consegui enxergar assim que ergui um pouco a cabeça antes enterrada contra o tecido e abri os olhos, era como um t**a de realidade.
Céus, comos queria um buraco para enterrar a si mesma junto da sua vergonha!
A escola nunca havia a ensinado como sair de fininho de uma situação com aquela. Não estava preparada.
Mas de duas coisas tinha certeza: a) ficar ali pelo resto do dia provavelmente não ajudaria em nada, aliás, sequer era uma opção, por mais confortável que parecesse ser e b) talvez, só talvez, nem fosse tão r**m assim, afinal acidentes acontecem não é?
Foi aquele pensamento que me motivou a tomar coragem de enfrentar aquela situação e sair rapidamente de cima da pessoa com quem havia colidido, e mais rápido ainda levantando, enquanto encarava a pessoa jogada no chão.
Era um garoto, pra ser exata. Possuía cabelos tingidos num vermelho vivo e mesmo que não estivesse de pé, dava para notar que era muito, muito, alto. Ele sentou-se após um momento e em meio a um grunhido começou a massagear o local dolorido atrás da cabeça.
Enquanto isso eu olhava ao redor, vendo as pessoas curiosas que haviam parado para bisbilhotar já havia retomado ao seus afazares como se nada tivesse acontecido, da mesma forma que eu gostaria de fazer. Porém ao disso, estava pensando em mil e a formas diferentes de me desculpar e talvez não ser tão xingada, mas assim que me voltei a ele e me deparei com um par de olhos azuis cor gelo, quase cinza, me fitando furiosamente, simplesmente travei.
— O-olha, eu... lo siento, señor. Foi sem querer, eu nã-... – comecei, meio travada, antes de simplesmente soltar tudo rapidamente, e tenho certeza de que ainda havia soltado um termo ou outro em espanhol pelo nervoso, mas sequer me incomodei.
Na verdade, teria até conseguido completar, se não tivesse sido cortada tão bruscamente.
— Se não sabe controlar o seu cachorro, não saia pra passear com ele! Que saco. – bradou, em um tom um pouco mais alto que o usual, o que me fez piscar algumas vezes.
Ora, mas...?
— Ei, não grite comigo, a culpa não foi minha. Seu... seu m*l agradecido! – retruquei rapidamente e ele pareceu ainda mais irritado, embora ao mesmo tempo surpreso e até confuso.
Certamente até eu estava, afinal havia falado num impulso. Mas não daria a ele o gostinho de me ver perder a pose.
— Ah, quer dizer que você me derruba, me faz de amortecedor de queda e a culpa agora é minha? – indagou, a vlz carregada de indignação e descrença. — Me desculpe então, da próxima vez eu agradeço.
— Eu pedi desculpas! Você quem não quis ouvir e ainda veio me gritar. Foi um acidente. Seu... grosso!
Rebati, mas aquilo só fez com que ele revirasse os olhos, soltando o ar por entre os lábios totalmente desacreditado, enquanto simplesmente levantava e a batia a poeira do jeans escuro que usava, negando.
— Ah, quer saber? Não vou ficar aqui perdendo meu tempo com uma pirralha de meio metro e ainda por cima mimada. – rezmungou, embora parecesse mais ter sido para si mesmo do que para mim, e logo em seguida me deu as costas.
E eu poderia até ter deixado aquilo passar e seguido com minha vida como uma pessoa madura que eu tinha certeza de que podia. Poderia. Mas dentre todas as coisas que ele poderia dizer, havia escolhido justamente a que mais mexia no meu calo e incomodava.
Meio metro? Okay.
Então em resposta, como a pessoa madura que sou, peguei a primeira coisa que vi no chão, uma pedra relativamente grande, embora nem tão pesada quanto eu gostaria, e simpesmente joguei na direção da cabeça dele.
Soaria um pouco m*****o dizer que o poc que foi ouvido assim que o objeto acertou a cabeça alheia foi muito satisfatório? Provavelmente.
Porém antes mesmo que conseguisse rir adequadamente ou comemorar, ele se virou em minha direção lentamente igual a menina do exorcista. Sua experessão dizia claramente "Eu.vou.te.matar".
E aquilo foi o suficiente para que alerta vermelho de alerta: perigo soasse em minha mente. Como não sou b***a nem nada do tipo, peguei na guia do Axl e saí correndo em disparada, para o mais longe possível que consegui.
Só notei para onde minhas haviam me levado quando enfim cheguei em frente a minha casa, sentindo um misto de alívio de segurançando me inundando enquanto me jogava no assento em forma de balanço que tinha no pequeno alpendre, ofegante ainda.
E como dissera a Dorothy em O mágico de Oz, não há lugar como nosso lar.
Nunca corri tanto na minha vida, mas valeu a pena ver a cara de i****a daquele ruivo de farmácia.
Ri comigo mesma diante da simples lembrança e passado alguns poucos minutos, logo estava de pé adentrando a casa e sendo acompanhada por Axl, que até então somente observava.
Assim que cheguei na cozinha, muito decidida a beber água, encontrei meu pai comendo calmamente a refeição que havia deixado pronta. Ele me olhou com o cenho franzido assim que voltando a atenção a mim, ficando quieto por unz bons segundos, antes de enfim se pronunciar:
— O que aconteceu com você? Parece que estava fugindo da polícia.
— O que quer dizer com isso? Deveria ter acontecido algo comigo? – respondi com a outra pergunta, rapidamente, e dei uma risadinha nervosa por fim. — Q-quer dizer, nada a ver isso que falou.
Limpei a garganta, tentando me apoiar no balcão da forma mais natural e relaxada o possível, embora tivesse a certeza de que parecia tudo, menos aquilo.
Uma pequena informação sobre minha pessoa: Eu não sei mentir. Sou ótima em guardar segredos, mas como mentirosa eu deixo muito a desejar.
— Devo me preocupar? – arqueou uma sobrancelha, me olhando, claramente desconfiado.
— Eu... Não, pode relaxar, ta tudo certo.
Abri um sorriso amarelo, lentamente soltando o quando ele afirmava, só então desviando o olhar.
Não era como se gostasse de esconder nada do pai, mas não havia sido nada demais e certamente sequer voltaria a encontrar aquele garoto no melhor dos casos, então não valia a pena mencionar o fato e acabar preocupando o mais velho.
— Você começa amanhã na nova escola, aliás. Lembra né?
— Ah, claro. – murmurei, enquanto me arrastava até a mesa, fazendo uma careta. — Estou super animada. Uhh!
Ele riu quando fingi animação.
— Qual é, não seja tão negativa. Vai ser super legal. – disse, com um sorriso ladino totalmente encorajador, típico dos pais.
— Claro... É o Ensino Médio, pai. Super legal ficar no mesmo local que garotos esbanjando testosterona a flor da pele e patricinhas mimadas que se acham o centro do universo.
— Você não deveria sair julgando os outros assim. Nem todo mundo é igual sabia?
— Não estou julgando ninguém, só relatando os fatos, mesmo que hajam poucas exceções. – murmurei, enquanto refletia sobre.
— Oh, me desculpe senhora "eu sou a dona da sabedoria" . – arqueou uma sobrancelha.
— Ha ha muito engraçado. – ri, sem o menor humor evidente embora em seguida o houvesse feito pra valer. — Ok então, vamos fazer assim. Se eu encontrar pessoas legais e diferentes dos esteriótipos que eu acabei de falar, admito que você estava certo.
— Só isso? – perguntou, o olhar muito interessado enquanto ouvia minha fala e então o encarei sem entender, até que ele completasse: — Ah, não. Se é pra jogar, tem que ser do jeito certo.
— Tudo bem, e o que propõe então?
— Se você estiver errada irá fazer o café, almoço e jantar todos os dias durante um mês, além de limpar toda a casa. – disse, após pensar por um momento, abrindo um sorriso já vitorioso.
— c***l. – retorci os lábios num bico pensativo. — E se eu estiver certa?
— Então pode pedir qualquer coisa. – respondeu dando de ombros e eu parei pra pensar no que iria pedir.
De repente uma ideia me acertou em cheio e eu sorri de forma maldosa.
— Bem, se é assim... se eu ganhar, você terá que fazer todas essas coisas... vestido com uma roupinha de empregada.
O olhar incrédulo que ele deixou transparecer por um momento foi impagável, o que acabou me fazendo rir um pouco.
— Você é um pequeno demônio mesmo. – negou, estalando a língua no céu da boca, pensativo. — Ok, eu aceito, porque sabe que não recuso uma boa aposta. Se prepare pra perder.
— Prepare sua roupa de empregada. – retruquei, trocando um aperto de mão com ele que selava aquela aposta boba de forma definitiva.
Éramos competitivos, fato.
E logo após aquilo, subi para o meu quarto, um pouco aérea e pensativa, tanto sobre a nova escola, quanto tudo que refletia aquilo. Assim que passei pela porta, segui direto a cama e ali me joguei, encarando o teto por um breve momento.
De repente a imagem do carinha ruivo me veio à mente, não sei exatamente o porquê, mas foi impossível não rir ao recordar da feição irritada quando o acertei. Ainda assim, tratei de espantar esses pensamentos sem fundamento e peguei um livro para que pudesse me distrair, afinal Razão e Sensibilidade não terminaria de ser lido pela quinta vez sozinho.
Espero nunca mais ver aquele ser de novo na minha vida.