Mudança de Palco

1770 Palavras
O helicóptero de Julian Kaine pairou sobre a cobertura de Seraphina às 7h30 da manhã, um gesto desnecessário e deliberadamente ostensivo que fazia o sangue dela ferver. Era para chamar a atenção, e Seraphina odiava o espetáculo. No entanto, ela estava agora sob contrato. Quando a porta do elevador privativo se abriu, revelando Julian Kaine de terno cinza-claro, impecável, com os braços cruzados, Seraphina sentiu o primeiro arrepio de dúvida. Ela estava entregando o controle de sua vida. — Bom dia, esposa — disse Julian, a palavra soando formal e ligeiramente zombeteira em seus lábios. — Não comece, Julian. O contrato ainda não foi publicamente formalizado. E você está atrasado. — Atrasado? Eu estou aqui pessoalmente para supervisionar sua mudança, Seraphina. Isso é um privilégio que nenhum dos meus parceiros já teve. Seraphina observou os dois homens uniformizados da Kaine Holdings encaixotarem suas poucas caixas com arte e eficiência militar. Ela não tinha muitos bens móveis; sua vida era digital e cerebral. — Não há muito para mover. Minha vida estava nas mãos de Marcus, não nesta cobertura. — Exatamente o que eu disse. Você estava se escondendo. Mas a Noiva de Ouro não se esconde. Ela brilha. Ele a conduziu para a sala de estar, onde uma estilista de Paris, visivelmente nervosa, e um maquiador de Milão esperavam silenciosamente. — Eles são seus novos acessórios. Nossa encenação exige uma Seraphina renovada. O luto acabou. A vingança começou. — Não preciso de uma equipe de maquiagem para vingança, Julian. — Você precisa deles para as câmeras. E mais importante, para Marcus. — O tom dele se tornou grave. — Na festa desta noite, ele não pode ver a mulher que ele traiu. Ele tem que ver a mulher que ele perdeu. Alguém que é mais rica e inatingível do que ele jamais sonhou ser. Seraphina cedeu com um aceno brusco. A lógica era inegável. Era tudo sobre a mensagem visual. — Eu quero meus próprios seguranças integrados à sua equipe. E acesso total aos relatórios de inteligência sobre Marcus Thorne. — Seus dois melhores homens já estão no meu rol de seguranças, e os relatórios sobre Thorne estão em um tablet criptografado no seu novo closet. Eu disse que você podia confiar no contrato, Seraphina. A transparência de Kaine, por mais limitada que fosse, era perturbadora. Ela estava acostumada a lutar por cada pedaço de informação. — E onde fica meu novo lar? — ela perguntou, enquanto a estilista, Marie, se aproximava timidamente com um cabide de seda n***a. — O The Residences. O andar de cima. Você terá o lado leste, eu o oeste. São duas suítes-master ligadas apenas por uma galeria de arte. Você terá toda a privacidade exigida pelo nosso acordo. — Galeria de arte? — Sim. Caso você se perca no caminho da cozinha. Seraphina o fuzilou com o olhar, mas ele não recuou, apenas sorriu de lado. A faísca de diversão em seus olhos irritou-a. — Não brinque com a minha privacidade, Julian. — Não estou brincando. É uma condição. Você tem que me avisar a cada vez que sair do prédio, por questões de segurança. Eu farei o mesmo, mas minhas saídas serão raras. Eu trabalho em casa. — Você é um ermitão, então? — Eu sou um estrategista. O mistério é um ativo valioso, e eu o uso. Você, por outro lado, precisa de exposição controlada. A discussão terminou com a chegada do helicóptero de volta ao telhado. Em menos de uma hora, Seraphina estava sendo levada para a nova prisão de ouro. Ao chegar ao penthouse de Kaine, a primeira coisa que a atingiu não foi a opulência, mas o silêncio. O apartamento era vasto, minimalista, com vista de 360 graus para o horizonte de Nova York. A galeria que ligava as duas suítes era preenchida com esculturas modernas e escuras que pareciam ter vindo de um pesadelo elegante. Julian a levou diretamente para a suíte leste. — Seu novo centro de comando. Era um santuário. A paleta de cores era de brancos, cinzas e cremes. Havia uma mesa de trabalho ergonômica voltada para a cidade e, na cabeceira da cama, um quadro abstrato que, por alguma razão, a acalmava. — O armário está cheio de roupas que Marie selecionou para o seu novo papel. Eu sugiro que você comece a se preparar em duas horas. — E você? — Eu tenho que lidar com o resto do mundo. Estou convocando uma reunião urgente com os acionistas do Égide para amanhã. O choque do casamento será a melhor arma para garantir que a maioria apoie a investigação sobre Marcus. Julian parou no meio da suíte, seus olhos percorrendo Seraphina com uma avaliação pura e sem adornos. — Você está tensa, Seraphina. — Não me diga como me sinto. — É apenas uma observação. Não tenha medo de revidar hoje à noite. Seu rosto, seu sorriso, sua postura. Cada detalhe será analisado por Marcus e seus aliados. Não lhes dê o prazer de ver sua dor. Ele se aproximou lentamente. Dessa vez, não havia intenção de toque, mas a gravidade de sua presença era magnética. Seraphina teve que se esforçar para não recuar. — Marcus esperava que você se desintegrasse em uma depressão controlada. Ele esperava ter pena de você. Você não lhe dará essa satisfação. Você vai transformá-la em inveja. Julian estendeu a mão, mas em vez de tocá-la, ele ajustou sutilmente a gola de seu blazer, um toque rápido e profissional. — Eu confio em sua inteligência, Seraphina. Não me decepcione esta noite. Com isso, ele se virou e saiu, deixando-a sozinha no que agora era sua nova vida. Seraphina foi até a grande janela. A cidade, lá embaixo, parecia uma maquete que ela controlava. Ela tocou a gola ajustada por Julian. Sentiu um formigamento, uma mistura perigosa de raiva e excitação. — Eu não me desintegro, Julian — ela murmurou para a cidade. — Eu me reconstruo. Ela caminhou até o armário, abriu o tablet criptografado e viu o rosto de Marcus Thorne, o homem que ela amou, e que agora ela iria caçar. Sua reconstrução, começando com um anel no dedo e um bilionário ao seu lado, estava prestes a começar. Seraphina estava sozinha, mas não em paz. A presença de Julian Kaine pairava no ar da suíte, tão palpável quanto o cheiro de couro novo. Ela foi até a janela, observando o reflexo frio da metrópole. O gesto de Julian na gola de seu blazer, a proximidade não solicitada, era uma tática para desequilibrá-la. Ele a estava testando. — Não me desintegro, Julian — ela murmurou para a cidade. — Eu me reconstruo. Ela caminhou até o armário, ignorando por um momento a ostentação de roupas que Marie havia trazido. Abriu o tablet criptografado que Julian mencionara. A tela acendeu, revelando uma série de relatórios detalhados sobre as operações financeiras de Marcus Thorne. Era informação de que ela precisava desesperadamente, e estava ali, entregue de bandeja. Julian Kaine não era apenas rico; ele era um sistema de inteligência privado. Enquanto revisava as transações ilegais de offshore que Marcus usava para desviar fundos do Égide, a raiva fria que a movia se acendeu. O rosto de Marcus Thorne, o homem que ela amou, e que agora ela iria caçar, apareceu em uma foto de um artigo de revista. Na imagem, ele sorria com a confiança roubada. Seraphina fechou o tablet com um estalo e se concentrou na tarefa imediata: a transformação. Ela ligou para Marie, a estilista parisiense. — Marie, eu preciso de um resumo. Qual é o conceito de hoje à noite? Marie, falando um português com sotaque francês charmoso, respondeu com profissionalismo imediato. — Madame Vance, o conceito é 'A Fênix Silenciosa'. Não queremos brilho excessivo, queremos autoridade. Não usaremos a cor de ouro. Usaremos algo mais sutil, mas que grite 'Eu sou o prêmio'. — Qual cor? — Preto profundo. Um vestido Balmain, sob medida, com uma silhueta que sugere força, não fragilidade. E os acessórios? — O anel de noivado — disse Seraphina, a voz firme. — Não pode ser discreto. Tem que ser ofensivo. — Monsieur Kaine já cuidou disso. Está na sua caixa de joias, trancada. Seraphina sentiu um novo nível de desconforto. Julian havia planejado cada detalhe, cada mensagem subliminar que o "casal" enviaria. Ela foi até o closet, abriu o cofre e pegou a caixa. O anel não era apenas grande; era um diamante de lapidação esmeralda tão puro e maciço que parecia absorver a luz da sala, brilhando com uma frieza intimidadora. Era exatamente o tipo de ostentação calculada que a alta sociedade entendia: o amor pode ser falso, mas o diamante não. Enquanto se preparava, permitindo que a equipe de Julian a transformasse, Seraphina se lembrava da primeira regra de Kaine: “Nunca minta para mim.” E a primeira regra de Seraphina era: Nunca confie em um aliado com um segredo. Ela usaria o casamento, usaria o anel, usaria o poder dele. Mas ela usaria a Galeria de Arte de Kaine para outra coisa. Julian Kaine havia dito que a suíte dele era ligada à dela apenas por uma galeria de arte. Isso não era apenas design; era uma falha de segurança que ela exploraria. Quando o maquiador terminou, Seraphina se olhou no espelho. Não era mais a mulher devastada pela traição. Seus olhos cinzentos estavam duros, definidos por um delineador impecável. O vestido n***o envolvia seu corpo como uma armadura. Ela era a Rainha da Vingança, e o anel, a coroa. Julian Kaine voltou duas horas depois, vestindo um smoking que parecia ter sido esculpido em seu corpo. Ele parou na porta da suíte, e seu olhar avaliativo fez Seraphina se sentir como uma obra de arte prestes a ser vendida pelo preço máximo. — Perfeita — ele disse, a voz rouca, sem tom de lisonja, apenas constatação. — Você personifica o perigo, Seraphina. É exatamente o que precisamos. Ele se aproximou e estendeu o braço. — O helicóptero está nos esperando no telhado. Lembre-se, a partir de agora, você me pertence em público. Seraphina encaixou o braço no dele, a luva de seda preta deslizando suavemente contra a lã do terno de Julian. — Você está me subestimando, Julian. Em público, podemos ser um. Mas é você quem está preso ao meu plano. Julian Kaine sorriu, e dessa vez, seus olhos brilharam com algo que beirava a admiração. — Que comece o show, Sra. Kaine. Eles saíram da suíte, dois impérios forçados a se fundir pelo desejo de poder, e o helicóptero os levou para a festa que mudaria para sempre o jogo da alta sociedade.
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