Pré-visualização gratuita O Estranho da Noite
— Anda, Helena! Vai ser só uma horinha, no máximo duas. Você precisa sair dessa bolha.
Letícia, minha melhor amiga desde os tempos de ensino médio, me puxava pelo braço como se estivéssemos atrasadas para um voo. Ela usava um vestido justo preto, maquiagem impecável e aquele entusiasmo irritantemente contagiante. Eu, por outro lado, me sentia completamente deslocada com minha blusa de alças e calça jeans escura. Minha maquiagem era quase inexistente, e meu cabelo estava preso num coque frouxo, como se isso fosse me proteger da noite que me esperava.
— Eu realmente não sei se isso é uma boa ideia, Lê. — resmunguei, ajeitando a alça da bolsa no ombro.
— Você fala isso toda vez, e toda vez se diverte — rebateu ela, piscando. — Fora que hoje é numa cobertura. E dizem que o dono da casa é milionário e tem gosto por arte… e por garotas universitárias tímidas.
— Ótimo. Um predador cultural — murmurei, revirando os olhos.
Ela riu e me empurrou para dentro do carro de aplicativo que acabara de estacionar. No caminho, Letícia falava sobre a semana, os projetos da faculdade, um professor novo de filosofia que, segundo ela, parecia ter saído de um romance erótico francês. Eu apenas olhava pela janela, tentando controlar o aperto no peito. Festas não eram meu lugar. Conversas rasas, bebida demais, risos altos e, quase sempre, alguém que não sabe ouvir um “não”.
Mas eu fui. Contra todas as minhas vontades, eu fui.
A música pulsava como um segundo coração assim que entramos no prédio. O elevador subiu até o último andar, onde uma cobertura luxuosa se abria em dois níveis, com luzes coloridas, quadros modernos e uma multidão bonita demais para parecer real.
A sensação de não pertencimento foi instantânea.
— Me dá dez minutos e eu volto! — gritou Letícia, já se misturando entre corpos, como se estivesse em casa.
Fiquei parada perto do bar improvisado, observando as pessoas rirem, dançarem, se encostarem umas nas outras com uma i********e que me deixava desconfortável. Peguei uma taça de vinho tinto apenas para ter algo nas mãos, e me apoiei na mureta de vidro da varanda, olhando as luzes da cidade. Senti o vento bater no rosto e fechei os olhos. Talvez se eu ficasse ali quieta o suficiente, ninguém notaria minha presença.
— Você não parece gostar de multidões.
A voz veio firme, grave, mas calma. Abri os olhos lentamente e ele estava ali.
Alto. Cabelos escuros, barba por fazer, olhos intensos demais para aquela noite artificial. Vestia preto dos pés à cabeça, com uma camisa de botão levemente aberta no colarinho e um relógio de couro discreto. Não era jovem, não como os outros ali. Devia ter por volta de quarenta anos, talvez mais. Mas sua presença era tão absurda que fez meu corpo gelar.
— E você parece bom em observar — respondi, com um meio sorriso nervoso.
— Eu sou. — Ele não sorriu. Mas havia algo nos olhos dele, como se visse além do que eu mostrava.
Ficamos em silêncio por alguns segundos. Longos. Incomodamente intensos. Minha mão apertava a taça com força.
— Está esperando alguém? — ele perguntou.
— Talvez a mim mesma.
Ele arqueou levemente a sobrancelha. E então, de forma inesperada, tirou uma corrente fina de dentro da camisa. Nela, havia um pingente pequeno, ovalado, com detalhes em prata antiga. Um tipo de medalhão. Ele o segurou por alguns segundos, olhando para o objeto como se pesasse memórias demais.
— Você vai guardar isso por mim.
Estendi a mão sem pensar. Ele retirou o pingente da corrente, o colocou na minha palma e a fechou com seus dedos. Sua pele era quente. O toque, firme, mas respeitoso.
— Não tire isso. Eu vou te encontrar.
"Quando levantei os olhos, ele já havia desaparecido na multidão, como um sonho que nunca aconteceu."
Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa — o nome dele, o motivo daquilo, o que aquilo significava — ele se afastou.
Não com pressa. Com propósito. Como se tivesse cumprido o que veio fazer.
Olhei para minha mão, sentindo o metal gelado do pingente. Quando levantei os olhos, ele já havia desaparecido na multidão, como um sonho que nunca aconteceu.
Fiquei ali, parada, por minutos que pareceram eternos. Letícia só me encontrou bem depois, quando já estava pronta para ir embora.
— Você está pálida. Está tudo bem?
— Eu… conheci alguém.
Ela sorriu com malícia.
— Finalmente! E aí? Rolou beijo?
Balancei a cabeça devagar.
— Não. Ele só… me deu isso — estendi a mão e mostrei o pingente.
Ela o analisou, confusa.
— Parece antigo. Pesado. Que estranho. Ele ao menos disse o nome?
— Não.
— Então como vai te encontrar?
Olhei mais uma vez para o objeto e depois para a cidade que se estendia diante de mim.
— Eu não sei, Lê… Mas alguma coisa me diz que ele vai.
Fazia dois dias que a festa tinha acabado, mas eu ainda estava presa naquela noite, como se o tempo tivesse parado no exato momento em que ele colocou o pingente na minha mão. A corrente era simples, de prata, mas o pingente… O pingente era uma pedra azul-escura, quase preta, como o fundo do mar visto de longe. E o que mais me perturbava era o fato de ele ter desaparecido logo depois. Como se nunca tivesse existido. Como se eu tivesse inventado tudo.
Tentei contar para minha amiga Lari o que aconteceu, mas ela só riu e disse que eu devia ter bebido mais do que imaginei. A verdade é que eu não bebi quase nada naquela noite. Estava tão desconfortável, deslocada, tentando não parecer uma universitária insegura, que o máximo que fiz foi tomar dois goles de uma bebida doce com gosto de balinha de menta.
O rosto dele, no entanto, estava cravado em mim. Os olhos dele, castanhos escuros, sérios demais para aquele ambiente, me atravessaram. O jeito como ele falou, como se soubesse que nos veríamos outra vez, ecoava na minha cabeça com um peso absurdo. “Não tire isso. Eu vou te encontrar.” Era para soar romântico? Ou era uma ameaça? Eu nem sabia. Só sabia que ele tinha sumido, e eu estava aqui, deitada na cama, olhando o teto, repetindo