Revelações e Dilemas

1097 Palavras
O sol já estava se escondendo quando terminei de organizar a loja e desliguei as luzes, mas algo dentro de mim não me deixava sossegar. O sorriso que eu carregava durante o dia tinha desaparecido, substituído por uma tensão que apertava meu peito. Minha vó. A voz dela no telefone, mesmo tentando ser leve, tinha uma sombra de tristeza que não me deixou em paz. Eu conhecia minha família — conhecia cada nuance, cada risada, cada suspiro. E aquele suspiro dela… algo estava errado. Passei o caminho de volta para casa devagar, tentando pensar em uma solução, mas a mente só girava em torno da minha vó. Cheguei ao meu apartamento, joguei a mochila no sofá e me joguei na poltrona. Olhei para o teto, os olhos fixos em nada, a respiração pesada. Ela sempre foi fanfarrona, desbocada e engraçada, mas comigo… comigo sempre foi diferente. E quando ela tentava esconder alguma coisa, eu sentia. Peguei o celular de novo. Não podia mais esperar. Respirei fundo e disquei o número da minha tia mais próxima — aquela que sempre ajudava a cuidar da minha vó quando eu não podia estar presente. Minha intenção era só confirmar minhas suspeitas, mas o que ouvi me fez engolir seco. — Alô, tia? — falei, tentando soar calmo. — É o Beto… você sabe… sobre a vó… — Beto… — a voz dela soou mais pesada do que o normal. — Eu estava esperando você ligar. Não queria te preocupar, mas… sua vó… ela não está bem. Um frio percorreu minha espinha. Segurei o celular com mais força, sentindo o coração acelerar. — O que você quer dizer com “não está bem”? — perguntei, tentando controlar a voz que tremia. — É sério, Beto… — ela suspirou. — A sua vó tem um problema de saúde grave. Precisa de remédios que são muito caros. Ninguém consegue comprar agora. Nós tentamos de todas as formas, mas… está complicado. O mundo pareceu girar mais rápido e eu fiquei parado, sem acreditar. Meu coração batia acelerado, minhas mãos suavam. Os pensamentos começaram a correr sem parar: minha vó… os remédios… minha vó precisando de algo que eu não podia comprar. — Mas… — comecei, engolindo em seco — e quanto custa? Talvez eu consiga… eu posso… — Beto, não é tão simples — disse minha tia, com a voz carregada de culpa. — Os remédios são caros, muito caros. E você sabe… você tem suas contas, seu carro, o apartamento… é difícil pra todo mundo. Eu me joguei no sofá, a cabeça entre as mãos, tentando processar tudo. Meu carro novo — parceirinho fiel que eu tinha comprado com tanto esforço — custava caro, as parcelas vinham todo mês e eu ainda tinha o apartamento. Tudo que eu conquistei com tanto esforço, mas mesmo assim… nada disso me dava o suficiente para comprar os remédios que minha vó precisava. Fiquei ali, em silêncio, sentindo aquela mistura de frustração, medo e impotência. Cada segundo parecia pesar, como se eu estivesse preso em um nó apertado. Minha vó, que sempre foi fanfarrona e debochada com todo mundo, agora estava do outro lado do país, precisando de ajuda que eu não podia oferecer. — Beto… — a tia continuou, como se percebesse minha tensão. — Eu sei que você quer ajudar, mas a situação é difícil. Não tem como ninguém conseguir esses remédios agora… — Mas eu… eu preciso fazer alguma coisa! — falei, a voz mais alta do que queria. — Ela não pode ficar assim! Ela não pode sofrer sozinha! A tia suspirou, e eu pude ouvir o fundo da voz dela, cansada, desesperada. — Eu sei, Beto… eu sei. Mas a gente tá tentando. A gente vai conseguir, eu prometo. Desliguei o telefone e fiquei parado, olhando para o chão do meu apartamento, tentando pensar. Minha cabeça girava com mil ideias e nenhuma delas parecia funcionar. Eu podia vender alguma coisa que tivesse, talvez… mas não seria suficiente. Eu podia tentar pedir ajuda… mas quem tinha dinheiro suficiente pra comprar remédios tão caros? Eu nem sabia por onde começar. Olhando para meu carro novo na garagem, para o apartamento que eu tinha lutado tanto para conseguir, senti um misto de raiva e frustração. Tudo que eu tinha conquistado parecia inútil diante da necessidade de minha vó. Cada detalhe do meu luxo, cada pequeno conforto, de nada servia quando alguém que eu amava estava precisando de mim e eu não podia ajudar. — Merda… — murmurei, passando a mão pelos cabelos loiros, respirando fundo. — O que eu faço agora? O pensamento continuava a girar, e eu percebi que precisava pensar rápido. Minha vó não podia esperar, e mesmo com todas as contas atrasadas que eu tinha pra pagar, eu precisava encontrar uma saída. O coração apertado, sentei à mesa da sala, os olhos fixos no chão, imaginando estratégias, calculando possibilidades. Cada centavo que eu tinha, cada plano que eu fazia, parecia insuficiente. — Não… não pode ser assim — falei sozinho, levantando e andando de um lado para o outro. — Ela nunca ia querer me incomodar, mas eu vou fazer alguma coisa. Eu juro. A tensão me tomou, mas junto dela veio uma determinação silenciosa. Eu precisava encontrar um jeito, mesmo que fosse improvável, mesmo que parecesse impossível. Minha vó não podia ficar desamparada, e eu não ia permitir. Olhei novamente para meu carro, depois para o celular, pensando em ligações, soluções, qualquer saída. O relógio marcava tarde da noite, e ainda assim eu não conseguia dormir. A sensação de impotência me consumia, mas também despertava algo que eu não tinha percebido antes: uma necessidade de lutar, de encontrar uma saída, de garantir que minha vó tivesse o que precisava. Enquanto me sentava de novo no sofá, sentindo o peso do mundo nos ombros, pensei: talvez essa seja a hora de fazer algo que eu nunca tinha considerado. Algo arriscado, mas que poderia resolver tudo. Algo que colocasse em jogo tudo que eu tinha — minhas finanças, meu tempo, minha rotina — mas que garantiria que minha vó não sofresse sozinha. E naquele momento, com os olhos fixos na tela do celular, uma mistura de medo, preocupação e determinação tomou conta de mim. Eu não sabia como ainda, mas sabia que não ia descansar enquanto não encontrasse uma forma de salvar a situação. Minha vó sempre fora minha prioridade, e agora, mais do que nunca, era hora de provar que Beto não era só charme, risadas e galanteios — era alguém que lutava de verdade por quem amava.
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