Juju:
O Arthur me levou até a sorveteria, que ficava a poucos passos do carro.
Eu estou nervosa, não costumo vir muito e as pessoas parecem me olhar curiosas.
Eu me esforço para enxergar o máximo de detalhes, mas minha pouca visão está se nublando por causa da clareza do dia.
Eu esqueci dos óculos de sol. Ele pediu um sorvete de baunilha.
-Arthur: A baunilha, tu gosta, lembra?
Ele falou, me levando para me sentar numa mesa do lado de fora. Tinha gente nos olhando e eu comecei a ficar nervosa. Ele percebeu.
-Arthur: Vida, respira, eu tô aqui. Olha, é lindo o sorvete.
Só aí eu percebi que tinha prendido o ar. Mãos trêmulas, eu tentei olhar para o sorvete, mas só via um manchão.
Tutui, eu não estou vendo, esqueci dos óculos e tá muito claro.
-Arthur: É mesmo, nem me lembrei. Toma meu boné, a aba vai tapar um pouco a clareza.
Sorri, colocando o boné vermelho...
-Arthur: Quer que eu te dê na boca o sorvete ou tu consegue?
Acho que eu consigo, falo estendendo minha mão para o potinho. Era gelado, a colherzinha de cor verde forte ressaltava entre o pote transparente e o sorvete amarelinho.
Eu suspirei e peguei uma pequena quantia na colher.
-Arthur: Vamos, manda! Não pensa, só come.
Ele fala e eu boto pra dentro da boca.
A primeira sensação não foi tão r**m gelado, sabor suave, e eu toleraria essa textura.
-Arthur: Gosto, né?
Aham, sim, falei, botando mais uma colher na boca.
-Arthur: Fico feliz, ele fala, pegando um guardanapo de papel e limpando o cantinho da minha boca. Eu fiquei toda sem jeito.
XX: Olá, Arthur! Como vai?
A voz de uma mulher ecoou no meu ouvido. Eu escutei forte porque é o ouvido que uso meu aparelho.
Ele, sem desviar o olhar de mim, respondeu.
-Arthur: Oi.
Seco, rude, fecho a cara e fico encarando a mulher.
-XX: A Lívia, onde está?
-Arthur: No salão, na outra rua.
-XX: Ah, tá bom. Vai no baile hoje?, vai ser só sucesso.
-Arthur: Não, não curto bailes. Pode ir, a Lívia está lá.
A mulher ficou sem graça pelo pouco tato dele e saiu sem mais delongas. Ele voltou a me olhar. Eu tentei não transparecer meu desconforto, mas ele sempre sabia se eu estava m*l; algo mudava em mim.
-Arthur: Essa é só uma amiga da Lívia.
Ele me falou como já sabendo as perguntas que eu queria fazer, mas não me animava.
Olhei pra ele e coloquei minha mão na bochecha dele. Ele fechou os olhos e eu acariciei era uma maneira silenciosa que eu tinha desde pequena de falar que tudo estava bem.
. Ele abriu os olhos de pouco em pouco e voltou a me olhar.
-Arthur: Vamos come, está derretendo, ele falou se ajeitando na cadeira e ajeitando sua Glock.
As mulheres do morro são tão lindas, falou olhando para duas sentadas na nossa frente, suspirando, pensando que eu nunca vou ser assim.
-Arthur: A mais linda é você, minha Juju, minha vida.
E mais um dia tu vai cansar de ter que me cuidar, se até minha mãe cansou.
-Arthur: Não fala isso, eu sempre vou estar do teu lado. Agora, come quero te leva a uma loja que eu sei que tu vai gostar.
Eu sorri e comecei a comer, mas rápido. Comi um pouco mais da metade e não consegui terminar.
Não consigo, mais falo, colocando o patinho em cima da mesa.
-Arthur:Está bem, tu comeu mais do que eu esperava.Fala-me, limpando com um guardanapo de papel, pega minha mão e me puxa para me levantar da cadeira.
Não me solta. Ainda vejo pouco, falo, e ele me aperta um pouco, mais a mão me passando segurança.
Vamos caminhando, vejo uma vitrine: um colar colorido de pedrinhas. Eu me aproximei. O Arthur sorriu.
-Arthur:Eu vi ele ontem, achei que era pra você.
Eu olhei pra ele e assenti, sorrindo. Entramos e ele comprou o colar pra mim. Ele colocou no meu pescoço e falou que estava perfeito. Eu sorri e saímos da loja de mãos dadas.
Eu estava vendo o movimento, as crianças correndo, leves bultos passando rápido, quando senti o Arthur alertar, mas firme, sua mão ficando rígida. Não entendi na hora, só quando escutei a voz do terror eu compreendi.
-Terror: Cadê a Lívia? Tu não está na cola dela?
-Arthur: Está no salão, que está a duas lojas daqui. Estou cuidando dela todo tempo.
-Terror: Acho que tu tá de babá e tá descuidando tua função. Não te pago pra fazer caridade para nenhunas carenciadas, Arthur.
Depois disso, eles discutiram, mas eu fiquei tão nervosa que meu cérebro foi pra longe. Uma coisa que eu fazia desde criança era me proteger, imaginando que estava longe da situação em que eu me sentia m*l.
Eu estava num jardim de flores rosas, lilás e brancas, caminhava entre elas, era feliz e nada chegava em mim...
-Arthur: Vida, acorda, Juju! Fala comigo...
Sinto as mãos do Arthur apertando meus braços, me chamando pra eu voltar. Saio do transe, meia assustada.
Oi, estou aqui. O que foi?
-Arthur: Juju, que susto! Ele fala, me abraçando. Eu fiquei.
Rígida imóvel no lugar, ele me apertou e foi soltando devagar.
-Arthur: Tu escutou o que ele falou?
Só a primeira parte, depois eu fiquei com medo e bloqueei todos.
-Arthur: É bom fazer isso, minha vida. Vamos pra perto do salão, eu estou trabalhando.
Eu assenti, agora pegando ele pelo braço, entrelaçando o meu, e ele guiando. Eu ia cantarolando uma música.
-Arthur: Vamos esperar aqui. Ele fala, se recostando no carro.
Eu fiquei parada junto a ele, tocando com a ponta dos dedos meu colar.
Passaram-se duas horas e as meninas saíram do salão.
A Débora fez que ia cair só para o Arthur pegar ela. Eu só fingi que não sabia. O Arthur xingou baixinho e eu sorri cúmplice. Eu sabia que ele não gosta de contatos com pessoas que não fossem eu ou a vó. Ele levou elas a uma lanchonete e eu e ele ficamos no carro.
-Arthur: Não vai querer comer nada?
Não, não estou com fome. Mas você, por que não come?
-Arthur: Não gosto de comer com as patricinhas essas..