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Hadassa
Eu já estou ficando de saco cheio dos homens da boca da minha rua. Trabalho o dia inteiro e, de madrugada, não tenho paz. E, para piorar toda essa situação, eu tenho uma criança de 3 anos que não dorme porque eles ficam fazendo barulho a noite inteira. Eu acordo cansada e tenho que trabalhar na pensão no dia de sábado, e eu não posso perder o meu emprego porque eu tenho uma criança de 3 anos para sustentar. Eu sou mãe solteira. Meus pais morreram quando eu tinha 15 anos e, na época, achei que seria divertido me envolver com um dono de morro. No começo, foi. Ele dava tudo que eu queria, fazia todas as minhas vontades, até eu dar um mole e engravidar aos 17 anos. Eu lembro como se fosse hoje quando eu dei a notícia para o Farelo.
**Flashback**
Farelo: Você não pode estar falando sério! Isso não pode ser verdade.
Hadassa: Você acha mesmo que eu perderia tempo inventando que estou grávida?
Farelo: E quem foi que te disse que eu quero ser pai? Você quer estragar minha vida botando uma criança nela? Eu quero que você faça um aborto! Tá querendo me dar o golpe da barriga.
Hadassa: Quem dá golpe em fudido, pelo amor de Deus? Esse morro está falido há meses.
Farelo: Não se esqueça que o fudido aqui é quem te dá tudo que você tem, porque você é só uma p**a que não tem onde cair morta. Arruma as suas coisas e some daqui, Hadassa.
Hadassa: Se você me colocar para fora grávida, eu dou queixa de você na boca. Você está comigo há anos e agora quer simplesmente me descartar?
Farelo: Tu tá ameaçando o dono do morro? Acha mesmo que alguém vai se importar com você?
Hadassa: Eu quero que você seja sujeito homem e assuma esse B.O., até porque eu não fiz filho com o dedo.
Farelo: Quem garante que esse filho é meu? Quem garante que tu não sentou em outro?
Hadassa: Você não está falando isso! Eu só tive você de homem e agora você está me tratando como se eu fosse uma qualquer.
Farelo: Isso é o que qualquer p.uta diz quando quer dar o golpe na barriga.
Hadassa: Seu desgraçado! - falei, indo para cima dele com tudo.
Farelo: Tá querendo me peitar, Hadassa? Tá pensando que eu vou dar para trás? - ele falou, dando um tapa na minha cara, o que me fez cair no chão.
Hadassa: Eu te odeio, seu merda, seu covarde!
Farelo: Eu quero você fora do meu morro. Toma aqui esse dinheiro, tu vai tirar essa criança e depois tu vira p**a se quiser. E se tu falar pra alguém, eu te mato.
Arrumei minhas coisas e saí sem rumo daquele lugar. Eu só tinha o dinheiro do aborto e tinha que escolher um lugar onde ele não me encontrasse, onde eu pudesse criar o meu filho em paz.
**Flashback off**
Foi assim que eu vim parar em Santo Amaro. No começo, foi difícil. Eu não consegui arrumar emprego, então tive que sobreviver com o dinheiro do aborto. Aluguei uma casinha de R$ 700 e fui sobrevivendo com o mínimo possível até meu filho nascer. Até conhecer o senhor Jerônimo, ele é o dono da pensão aqui no morro. Ele me deu emprego mesmo com um bebê pequeno e deixou eu levar o Rafael para o trabalho. Aos poucos, eu fui ajeitando a minha casinha e fui sendo feliz da minha maneira. Ralo muito, mas tudo que eu tenho foi conseguido com o suor do meu trabalho, e o meu único arrependimento da vida é ter me envolvido com um moleque que nem o Fábio.
Minha vida estava praticamente perfeita até começar a ter um esquenta para o baile na minha rua. O meu filho não dormiu a noite toda. Aí eu fui trabalhar como na m.erda. Acordei super irritada e com vontade de matar alguém, sem falar na sujeira que fica na minha porta. Vagabundo é tão safado que nem para mijar atrás de um poste serve. Trabalhei cheia de ódio no coração e, quando eu saí do trabalho, deixei o Rafael com a filha do Senhor Jerônimo durante alguns minutos, porque ela olha ele. Já eram 19 horas da noite quando eu fui na direção da boca. Eu precisava falar com o dono do morro para ver se essa bagunça na minha porta acabava. Tá ficando impossível de viver aqui dessa maneira e eu não vou me mudar por causa deles. Eu já passei a visão para ele, mas b.andido novo é a desgraça do mundo, né? Eles acham que mandam em todo mundo e acham que podem dar um tiro na tua cara. Já que eles não resolvem a minha situação, eu vou falar diretamente com o Thor para mostrar para eles que as coisas não funcionam da maneira que eles querem.
Vamos dizer que o Thor não é uma pessoa acessível. Eu esbarrei com ele algumas vezes, mas fiquei de longe, praticamente me respondendo, porque eu fico apavorada. Falam que ele é bonzinho, mas eu sempre achei ele muito psicopata, e as pessoas que eu conheço também acham. Então eu evito cruzar com um homem desse para manter a minha sanidade mental. Os outros moradores também estão incomodados, mas ficam com medo de reclamar e ele fazer alguma coisa. Pelo visto, hoje eu encontro com ele, vai ser necessário.
Cheguei na boca e os vapores ficaram me encarando como se eu fosse o cardápio do dia. Tá ligado naquela lá, sexta-feira, que é feijoada? Aquela feijoada que todo mundo quer comer? Então, eu estava me sentindo assim, e isso me dá nojo. Até parece que eu vou me emprestar o papel de me envolver com um traficante de novo. Já tomei na cara, amor, não vou tomar de novo. Deus que me perdoe, eu tenho um filho para criar e bagagem nas costas para dizer que esses homens não prestam. A vida já me bateu para eu aprender que isso não é vida.
Paçoca: E aí, morena, tá fazendo o que aqui? Drogas só na outra rua.
Hadassa: Não vim comprar drogas, vim falar com o dono do morro.
Paçoca: Qual foi? Passa a visão aí. Hoje o chefe não tá querendo mulher, não.
Hadassa: Não estou aqui para sentar nele. Eu sou moradora e preciso falar com ele. É possível?
Paçoca: Eu não sei se ele vai te receber. Morador é problema, ainda mais essa hora. Volta amanhã.
Hadassa: Mano, é o seguinte, eu não subi até aqui à toa. Pelo menos avisa a ele que eu estou aqui e deixa ele decidir - falei, cruzando os braços.
Paçoca: Suave, mas não garanto nada.
Ele foi em direção a uma das casas e eu fiquei esperando o maior tempão, papo de meia hora, e nada dele sair. Eu já estava desistindo quando ele apareceu.
Paçoca: O chefe vai te receber.
Hadassa: Pensei que vocês tinham esquecido de mim aqui fora. Já estava ficando preocupada.
Paçoca: Impossível te esquecer, morena. Pode entrar.
Entrei devagar porque só agora me dando conta do que eu estou fazendo. Me pareceu uma péssima ideia ter vindo aqui essa hora reclamar do barulho com o dono do morro e reclamar da venda de drogas da favela dele. Ele com certeza está cheio de problemas para resolver e com certeza vai me tratar m*l, mas agora que eu já estou aqui, eu não posso simplesmente falar que desisti. Eu tenho que ir até o fim..