Pré-visualização gratuita Prólogo
Prólogo
Meu nome é Jaylene, e ainda tenho dezesseis anos. Faltam poucos meses para eu completar dezessete, mas às vezes sinto como se tivesse vivido muito mais do que minha idade permite. Sou filha de agricultores, gente simples, de mãos calejadas e coração entregue a Deus. Meu pai e minha mãe são católicos fervorosos, daqueles que nunca deixam um domingo sem missa e que acreditam firmemente que cada provação é vontade divina. Cresci nesse ambiente de fé, disciplina e trabalho, onde a palavra dos mais velhos sempre foi lei.
Minha avó materna, porém, sempre foi diferente. Benzedeira conhecida em toda a região de Igarapé, Minas Gerais, ela carrega uma sabedoria que parece atravessar o tempo. Desde pequena eu a via acender velas, preparar chás, rezar com suas mãos sobre as pessoas aflitas.
Alguns a olham com desconfiança, outros a procuram em segredo quando a dor é grande demais. Eu a admiro em silêncio, embora saiba que meus pais preferem não falar muito sobre suas rezas antigas.
A vida até então corria calma, quase previsível, entre a escola, a roça e as noites de terço rezado em família. Mas tudo mudou no dia em que a grande fazenda, aquela que sempre nos intrigou com seus portões altos e a casa fechada, voltou a ter movimento. A mansão imponente, de janelas sempre cerradas, parecia mais um fantasma no meio do verde. O povoado inteiro comentava que, afinal, os donos haviam retornado. Uma família rica, distante, gente que nunca se misturava com os de baixo, mas que carregava um poder silencioso.
De início, nada parecia estranho. Vi carros entrarem pelo portão de ferro, empregados limpando o terreiro, luzes acesas nas janelas à noite. A rotina deles era invisível, mas todos sabiam que algo se mexia por detrás daquelas paredes. Eu, curiosa como sempre, me peguei muitas vezes parando na beira da estrada só para olhar de longe a imponência daquela casa.
Foi então que uma visita inesperada bateu à nossa porta. Os pais de um jovem chamado Cadu — herdeiro daquela fazenda — vieram até nossa casa. Nunca esquecerei o peso daquela tarde: minha mãe arrumando a mesa às pressas, meu pai tentando esconder o nervosismo, e eu, sem entender o motivo de tanta formalidade. Eles se apresentaram com vozes firmes, roupas elegantes, como gente acostumada a mandar. Não demorou para revelarem o interesse que traziam consigo: estavam dispostos a me oferecer em casamento ao filho deles.
Eu, que até então só conhecia a inocência dos dias comuns, senti meu mundo estremecer. Casamento? Eu, que m*l acabava de deixar de ser menina? O silêncio na sala foi sufocante, e ainda hoje ecoa em meus ouvidos. A partir daquele instante, tudo o que eu pensava ser seguro e imutável começou a se desfazer. A fazenda, os olhares daquela família, o nome de Cadu — tudo isso se entrelaçou ao meu destino de uma forma que eu jamais poderia imaginar.
Foi ali que minha vida deixou de ser só minha.