Capítulo 2

1022 Palavras
Dia seguinte na boate.. Elisa saiu do palco sentindo a pele úmida de suor e os aplausos ainda ecoando nos ouvidos. Mas o que mais permanecia era o olhar. O olhar dele. O mesmo olhar que a acompanhava há semanas, sempre do fundo da sala, sempre em silêncio. Intenso. Frio. E, ainda assim, inegavelmente presente. Domic. Ele estava ali de novo naquela noite, sentado como um rei em seu trono escuro, copo de uísque na mão, os olhos cravados nela como se pudesse desvendá-la por inteiro. Elisa tentou ignorá-lo, como fazia todas as noites, mas quando cruzou o corredor dos bastidores, deu de cara com ele encostado na parede, como se estivesse à sua espera. Ela parou de imediato. Seu corpo se enrijeceu, mas ele não disse nada. Apenas a olhou com a mesma intensidade de sempre. E então, quebrou o silêncio. — Você dança como quem está presa numa gaiola de ouro. Elisa franziu o cenho, surpresa com a frase. — E isso é um elogio ou uma crítica? — Uma constatação — ele respondeu, encostando a cabeça contra a parede. — Você domina o palco, mas seus olhos estão em outro lugar. Como se quisesse fugir. — Talvez eu queira mesmo — disse ela, cruzando os braços. — Mas fugir custa caro. — E você precisa pagar contas. Ela assentiu. Quase sorriu. — É. Preciso. — E seu sorriso? — ele perguntou de repente. — Custa quanto? Elisa sentiu o peito apertar. Ninguém fazia esse tipo de pergunta. Ninguém via o que existia por trás da maquiagem, das roupas curtas e dos movimentos ensaiados. Mas ele via. Isso a deixava desconfortável. E curiosa. — Não sei — disse, tentando manter a postura. — Mas com certeza é mais caro do que a entrada nesse clube. Domic inclinou levemente a cabeça, quase divertido. Quase. — Imagino que sim. Ela fez menção de seguir caminho, mas ele deu um passo à frente. — Elisa. Ela virou o rosto devagar. Ele nunca havia dito seu nome assim. Tinha peso. Tinha cuidado. — Você merece mais do que o que te cerca. Aquela frase ficou cravada dentro dela como um espinho doce. Mas antes que pudesse responder, ele recuou. — Boa noite. Ela ficou ali, parada, vendo-o desaparecer pelos bastidores, como se nunca tivesse estado ali. ** Minutos depois, já fora do palco e com roupas comuns, Elisa caminhava até o bar para pegar uma garrafa de água. E então tudo parou. — Elisa? A voz foi como um soco no estômago. Antiga. Ameaçadora. Uma lembrança que deveria ter ficado enterrada. Ela se virou devagar, o coração acelerado. Jonas. O pai do seu filho. O homem que prometeu amor e deixou apenas mágoa. Estava ali, no clube, os olhos carregados de raiva, o corpo tenso, como se prestes a explodir. — O que você tá fazendo aqui? — ela perguntou, engolindo em seco. — Eu que devia perguntar isso. Trabalhando aqui? — Ele olhou ao redor com desprezo. — Que exemplo você tá dando pro nosso filho? Elisa sentiu a vergonha ameaçar invadir, mas segurou firme. — Eu trabalho. Sustento o Gael. Você não tem moral pra falar nada. — Isso aqui é trabalho? — ele riu, cínico. — Eu vou pedir a guarda. Vou mostrar ao juiz quem você virou. Uma mulher que se exibe num clube. Uma mãe que não presta. As palavras cortaram fundo. Ela deu um passo à frente, o rosto vermelho de raiva. — Eu faço o que for necessário por ele! E você? Você sumiu! — E ainda assim, olha onde veio parar. Isso aqui... não é vida pra ninguém. Ela o empurrou, o peito arfando. — Vai embora daqui, Jonas. Agora. Ele agarrou seu braço com força. — Você é uma vergonha! Uma vergonha como mãe! O soco veio antes que ela pudesse reagir. Um estalo seco. Seu rosto virou com a força do golpe. Ela caiu de joelhos, o gosto metálico do sangue na boca. O bar ficou em silêncio. E então, Domic surgiu. Como uma sombra viva, ele atravessou o salão. Agarrando Jonas pela gola, o jogou contra a parede com uma brutalidade que silenciou todos ao redor. — Se tocar nela de novo, você não sai andando daqui — rosnou. — Não me importa quem você é. Sai daqui. E nunca mais chega perto dela. Jonas tentou reagir, mas os seguranças já estavam ali, puxando-o para fora. Domic permaneceu imóvel por um instante, os olhos queimando. Só então se virou para Elisa. Ela ainda estava no chão, os olhos arregalados, a mão sobre o rosto inchado. Ele se ajoelhou ao lado dela, com uma calma que contrastava com a fúria de segundos atrás. — Você está bem? Ela assentiu, embora não estivesse. Ele a ajudou a levantar com uma delicadeza inesperada. — Eu levo você pra casa — disse ele. E dessa vez, ela não recusou. Caminharam em silêncio pelos bastidores até a saída dos fundos. Elisa sentia o rosto latejar, o peito apertado, o orgulho ferido. Já do lado de fora, prestes a entrar no carro, ela parou. — Por que você fez aquilo? — sussurrou. — Você podia só mandar os seguranças. Mas... não fez. Domic olhou para ela por longos segundos. — Porque eu me importo — respondeu, simples. Ela tentou entender o que havia por trás daquele olhar contido. Tentou encontrar rachaduras no gelo. — Você sabe demais sobre mim — disse, quase com medo. Ele respirou fundo, passou uma mão pelo cabelo escuro e soltou: — Eu sei que você tem um filho. Sei que o nome dele é Gael. O coração de Elisa quase parou. — Como você sabe disso? — Porque eu observo — disse, firme. — Antes de você me notar, eu já te via. E... porque Gael importa pra você. E você importa pra mim. Ela sentiu um nó na garganta. Quis perguntar mais, mas não conseguiu. Ele abriu a porta do carro. — Entra. Vamos cuidar desse rosto antes que o Gael acorde e perceba o quanto o mundo ainda é c***l com a mãe dele. Ela hesitou só por um segundo. Então entrou.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR