A dor no rosto foi a primeira coisa que Elisa sentiu ao acordar. Não era só física — era um peso que esmagava o peito, queimava atrás dos olhos. Ela tentou se sentar, mas o inchaço do lado esquerdo da face latejava com tanta força que a obrigou a morder os lábios para não gritar. O quarto ainda estava escuro, e o silêncio da casa dava a sensação de que o mundo tinha parado.
Elisa tateou o caminho até o banheiro. Quando se olhou no espelho, m*l se reconheceu. A bochecha estava roxa, os olhos inchados de tanto chorar e a alma... destruída.
Ela encostou a testa no espelho frio, tentando conter a avalanche de emoções que ameaçava transbordar. Foi só então que fez o que sempre fazia quando não sabia o que fazer: chamou por Júlia.
— Ju... — a voz saiu fraca. — Júlia...
Foi o suficiente para a amiga aparecer no corredor, sonolenta, os pés arrastando no chão de madeira. Ao ver o estado de Elisa, seus olhos se arregalaram.
— Elisa? Meu Deus, o que aconteceu com você?
Elisa não conseguiu responder de imediato. Simplesmente caiu nos braços de Júlia, chorando como uma criança. Júlia a levou para o quarto e a ajudou a sentar na cama com cuidado.
— Fui... o Jonas — disse Elisa, entre soluços. — Ele apareceu na boate ontem. Disse que queria levar o Gael... disse que eu não prestava... e... e me deu um soco.
Júlia ficou em silêncio por alguns segundos. O choque misturado à raiva deixava seu rosto pálido.
— Mas... eu não estava lá ontem. Tirei a noite de folga, achei que você estaria bem...
— Eu sei, Ju... não é sua culpa. Só que... ele sabia onde eu trabalhava. E eu achei que ele fosse me tirar o Gael...
Júlia apertou as mãos, contendo a raiva.
— E ninguém fez nada? Ninguém te ajudou?
Elisa hesitou por um instante, depois olhou nos olhos da amiga.
— Teve alguém. Aquele homem... o que eu te falei uma vez, que me olhou no shopping como se me conhecesse.
Júlia piscou, confusa.
— O cara do terno escuro?
Elisa assentiu.
— Ele estava lá. E... ele é o nosso chefe, Júlia. O dono da boate. O nome dele é Dominic.
Júlia arregalou os olhos.
— O quê?! Espera aí... aquele homem estranho que te observava no shopping é o dono da boate? Ele é o Domic?
— Dominic, sim. Eu não sabia até aquela noite em que ele me chamou no camarim. E ontem, ele apareceu do nada. Quando o Jonas me bateu, ele interveio. Expulsou o Jonas de lá, ficou do meu lado. Ele até me levou pra fora, cuidou de mim...
Júlia se sentou devagar, absorvendo tudo.
— E você confia nele?
— Não sei — Elisa respondeu, sincera. — Ele é frio, Ju. Quase não fala, mas... quando me protegeu, foi diferente. Ele sabia o nome do Gael. Sabia mais sobre mim do que deveria. Isso me assusta.
— Isso é muito estranho — disse Júlia. — Mas ele fez o que ninguém mais fez, né?
— Sim. E é isso que me confunde. Ele poderia não ter feito nada. Mas... ele me olhou como se realmente se importasse.
Júlia respirou fundo e pegou a mão de Elisa.
— Tá. Vamos respirar. Primeiro, vamos cuidar desse rosto. Depois... a gente pensa no que fazer com esse Dominic. Mas você tem que tomar cuidado. Pode ser que ele só esteja interessado... ou pode ser algo maior. E se ele for perigoso?
Elisa olhou para baixo.
— Eu sei. Mas, naquele momento, ele foi o único que ficou do meu lado.
Antes que pudessem continuar, passos pequenos vinham do corredor. Gael surgiu com os olhinhos ainda sonolentos, coçando a cabeça. Ao ver Elisa, parou de repente.
— Mamãe... o que aconteceu com o seu rosto?
Elisa tentou sorrir, mas a dor impediu.
— Ah, meu amor... a mamãe caiu ontem. Foi um acidente, só isso. Tá tudo bem.
— Tá doendo? — ele se aproximou, preocupado.
— Um pouquinho só — ela mentiu. — Mas já estou melhor.
Gael a abraçou com força, e ela segurou o choro. Não podia deixá-lo com medo.
— Promete que vai tomar cuidado, mamãe?
— Prometo, Gael. Sempre.
Júlia levou Gael para a cozinha, deixando Elisa com alguns minutos de silêncio. Minutos depois, as duas se reencontraram na sala, enquanto o menino assistia desenhos no sofá.
— Você não pode mais esconder essas coisas de mim, Eli — disse Júlia, num tom mais firme. — Estamos juntas nessa desde que o Gael nasceu. Eu preciso saber dessas coisas, pra poder te proteger também.
— Eu sei — Elisa respondeu, com um sorriso fraco. — Ontem foi tão confuso... eu ainda estou tentando entender o que aconteceu. E o Dominic... ele me deixa nervosa. Ele olha como se enxergasse tudo que eu tento esconder.
— Então a gente vai manter os olhos abertos. — Júlia se levantou. — Você precisa de tempo pra curar isso no rosto e na alma. Mas também precisa estar atenta. Homens assim... não aparecem por acaso.
Elisa ficou em silêncio, olhando pela janela. A cidade ainda acordava, enquanto dentro dela tudo parecia um caos. O rosto doía, o coração doía mais ainda. Mas havia uma nova presença em sua vida agora. Uma sombra silenciosa chamada Dominic.
E por mais que ela tentasse negar... parte dela queria saber por que ele estava tão perto.