capitulo 6 playboy

1722 Palavras
REUNIÃO DE REIS (E UM REI QUE NÃO SORRI) Alexandre “Playboy” Vieira O QG estava no meu silêncio favorito. Silêncio de cemitério. Silêncio de sala de cirurgia. Silêncio de gente que sabe que, se tossir errado, eu corto a respiração inteira. Eu cheguei antes de todo mundo. Sempre chego antes. Piso limpo, teto reforçado, cheiro de desinfetante caro. Ar gelado. Paredes sem rachadura. Mapas enormes nas telas digitais. A Soberania não parece morro. Parece empresa multinacional. Mas isso aqui não vende cartão de crédito; isso aqui vende poder. Sentei na minha cadeira couro preto, alta, firme. Daqui de cima, eu vejo tudo: o pátio lá fora, os corredores, cada guarda, cada passo. Controle absoluto. Do jeito que tem que ser. As portas se abriram e três dos meus homens entraram: Sombra, Caveira e Pingo. Eles sempre entram juntos. Parece cena ensaiada. Eu não mandei ensaiar nada mas quando a disciplina é tão forte que vira coreografia, você sabe que domina de verdade. Eles pararam à minha frente. O ar pesou. Não porque eu quisesse mas porque estar na minha frente é estar diante de um rei cuja coroa é feita de medo. Eu levantei os olhos devagar. — Fala. Sombra ajeitou a postura, como se minha voz tivesse puxado uma corda invisível no pescoço dele. — Chefe… o morro tá limpo. Sem caô, sem visita inesperada, sem movimento estranho nas entradas. A rapaziada perguntou se a reunião do Conselho vai ser aqui mesmo… quer manter? Eu encostei na cadeira. O couro estalou no silêncio gelado. — Vai ser aqui. Pingo desviou os olhos. Caveira piscou devagar. — Mas… — Sombra engoliu seco — os caras vão ficar acuados, Chefe. — É isso que eu quero. A frase caiu como pedra. Não aumentei o tom. Não levantei a sobrancelha. Eu não preciso. Eles entenderam. Eu descruzei as mãos e apoiei os cotovelos sobre a mesa. — Eles vão subir até mim. No meu QG. No meu chão. No meu território. Aqui, eles não têm vantagem. Aqui, quem manda sou eu. Caveira respirou fundo, quase respectivo. — Certo. Eu levantei, caminhei até a tela grande e toquei no mapa digital. As rotas se iluminaram com linhas vermelhas, azuis e amarelas, como veias de um corpo enorme. — Vamos falar do que importa. A Barra. A palavra saiu da minha boca como se fosse sentença de guerra. Os três ficaram rígidos. — Pingo. Ele levantou o tablet com as duas mãos. — Chefe… o esquema tá pronto. A Barra tá sem chefe fixo desde que o Rocão caiu. Os caras tão se dividindo, brigando entre eles. Conseguimos três informantes internos. Tem caminho aberto na parte alta, e o porto improvisado deles tá m*l guardado. A polícia tá num ciclo de troca — janela perfeita. — E a milícia? Caveira tomou a frente. — Tão frouxos. Sem comando. O filho do major preso fez eles recuar. Tão tentando segurar território, mas sem força pra invadir nada. Assenti uma vez. — Bom. Desativei o mapa com um toque e virei de frente pra eles. — Eu quero a Barra. Sombra piscou como se alguém tivesse batido no peito dele. — A… Barra toda, Chefe? — Toda. — Minha voz saiu baixa, firme. — A praia, o morro, a rota marítima. Quero logística passando por mim. Quero controle da entrada e da saída. Quero fechar o cerco antes do Conselho. Caveira cruzou os braços, postura de soldado que já entendeu que vai haver sangue. — E como o senhor quer fazer? Eu voltei pra minha cadeira. Sentei devagar. Cruzei as pernas. Cruzei as mãos. Fitei os três. — Silencioso. — Rápido. — Cirúrgico. Sombra coçou a mandíbula. — E quantos homens a gente vai levar? Eu dei uma risada curta. Não foi humor — foi aviso. — Homem demais faz barulho. Eu quero vocês três. Só isso. Pingo arregalou os olhos. — Só… nós? — Quantidade não domina território — pensamento domina. — Quanto mais gente, mais falha. Quanto mais falha, mais caô. Eu não trabalho com caô. Caveira inclinou a cabeça. — E os vapores de lá, Chefe? — Morto antes de perguntar meu nome. Simples assim. Os três assentiram ao mesmo tempo — reflexo condicionado de quem aprendeu a obedecer sem respirar fundo. Eu caminhei até a janela do QG. Lá fora, o morro seguia vivo. Criança correndo. Gente vendendo coisa. Soldado em ponto. Som de moto. Tudo dentro da ordem que eu construí. Apontei com o queixo pra vista. — Sabe por que isso aqui funciona? — Porque ninguém aqui tem escolha além de obedecer. — Porque eu controlo a hora que o morro acorda e a hora que o morro dorme. — Porque quando eu falo, ninguém pergunta por quê. Me virei devagar. — E agora eu quero que a Barra funcione do mesmo jeito. Pingo respirou fundo. — Chefe… e o Conselho? Eles vão aceitar fazer reunião aqui em cima? — Eu já disse que eles vão ter que aceitar o que eu disser. Se não aceitarem, não descem vivos. Silêncio. Aqueles três homens já viram muita coisa, mas nunca se acostumam com a parte que separa líder de soberano: a frieza. — A reunião vai ser aqui — continuei. — Eles sobem até a minha mesa. E vão sentir cada passo como se estivessem pisando no próprio caixão. Caveira arregalou um sorriso discreto. Um sorriso que eu permito porque eu sei o que significa: obediência. Eu finalizei: — Hoje à noite, vocês mapeiam a Barra. — Amanhã, a Barra é minha. — E na reunião do Conselho… eu entro como rei. Não como homem. Eles nem respiraram antes de responder: — Sim, Chefe. Eu fiz um gesto com a mão. — Podem ir. Eles saíram. A porta se fechou. E o QG voltou ao meu silêncio preferido. Silêncio de quem manda. Silêncio de quem sabe que o próximo território já tem dono e o dono sou eu. Eu ainda estava de pé, observando a Soberania pela janela, quando ouvi três batidas secas na porta. TOC. TOC. TOC. Não era batida de soldado. Soldado não bate anuncia. Não era batida de Sombra, Caveira ou Pingo. Eles entram direto. Aquilo era… ousadia. Imprudência. Ou burrice. Virei o rosto devagar. — Entra. A porta abriu só um pouco, como se tivesse medo de mim o que seria inteligente — mas não tinha medo. Infelizmente. Era Brigitte. Não era o nome dela, claro. Era vulgo. As mulheres do morro sempre têm vulgo. Brigitte, a loira artificial, corpo turbinado, sorriso treinado. Ela achava que era irresistível. Eu achava que ela era substituível. Ela empinou o quadril na porta e deu um sorrisinho que eu reconheço de longe: o sorriso de quem acha que tem direito sobre mim. — Oi, Chefe… — ela puxou o “i” como se isso fosse me comover — fiquei sabendo que o senhor chegou cedo. Pensei que… talvez… quisesse companhia. Eu encarei a cara dela por dois segundos. Dois segundos foram o suficiente pra matar a ousadia. — Quem te mandou subir? Ela piscou, surpresa. Não gostava do tom, mas fingiu charme. — Ninguém, Chefe… eu só vim porque… achei que o senhor podia querer me ver. Cruzei os braços. Meu rosto continuou duro como concreto. — Eu pedi pra você vir? Ela hesitou. — Não, Chefe… mas— — Então por que tá aqui? Ela engoliu o seco. A postura murchou. Mesmo assim, tentou manter a pose, passando a mão no cabelo, empinando o peito. — Ah, Chefe… é que faz tempo que o senhor não me chama. Pensei que… talvez tivesse sentido minha falta. A audácia dessa mulher sempre foi maior que o cérebro. Eu caminhei até ela, lento, pesado, cada passo um aviso. Ela sorriu achando que eu tava indo na direção que ela imaginava. Coitada. Parei de frente. Olhos nos olhos. Minha voz saiu baixa, tão baixa que cortou mais fundo. — Vou te falar uma coisa. E escuta devagar pra não errar de novo. Ela arregalou os olhos. Eu continuei: — Eu não gosto que me procurem. — Eu não gosto que subam aqui sem ordem. — Eu não gosto de mulher batendo na minha porta achando que eu tenho dívida com t***o de ninguém. Ela mordeu o lábio, meio ofendida, meio assustada. — Mas, Chefe… eu só vim porque— — Porque achou que eu queria te comer? — interrompi, com a frieza de quem pergunta a hora. Ela ficou branca. Literalmente. A maquiagem quase rachou. Dei meio passo pra frente, só pra deixar claro o tamanho da verdade: — Se eu quiser comer alguém… eu chamo. — Eu escolho. — Eu decido. — Não é você que aparece. — Sou eu que mando. Brigitte respirou fundo, a voz trêmula: — Eu não quis faltar com respeito… — Mas faltou. — cortei. A sala ficou pesada. Tão pesada que parecia dar pra pegar no ar. Ela tentou se recompor, ajeitou o vestido, abriu o sorriso de novo. — Se o senhor quiser, eu volto mais tarde… eu deixo tudo mais leve pra você, Chefe… Eu ergui uma sobrancelha. Uma. — Quer deixar leve como? — Que eu te peça desculpa? — Que eu sorria? — Que eu finja que gostei da visita? Ela baixou os olhos. — Não, Chefe… — Você sabe o que eu quero que fique leve? — O corredor. — Some. Ela levantou o rosto, surpresa. — Tá me expulsando? — Tô te mandando descer antes que eu resolva que você não sobe mais nunca. A mulher empalideceu de vez. — E outra coisa — finalizei, antes que ela desse o primeiro passo. — Se você for bater na porta errada de novo, vai descer pelo lado de fora da escada. — De cabeça pra baixo. Ela entendeu. Até demais. — S-Sim, Chefe… desculpa… Saiu rápido, tropeçando no próprio salto. A porta bateu atrás dela. Silêncio voltou. Meu silêncio. Eu respirei fundo, ajeitei o terno, como se nada tivesse acontecido. — Odeio perda de tempo. Caminhei de volta pra mesa, sentei, toquei na tela do computador e abri os mapas da Barra de novo. Eu não tinha tempo pra capricho de ninguém. O morro não esperava. O Conselho não esperava. A tomada da Barra não esperava. E mulher que acha que tem permissão pra me procurar? Essa sempre cai primeiro.
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