CAPÍTULO 01

1397 Palavras
| SETH DONSON | - PASSADO - Na época em que Seth tinha nove anos, por mais que já fizesse algum tempo, ele se lembrava como se fosse ontem da conversa que teve com a sua mãe. Sobre ele precisar fazer amigos, ou seria alguém solitário. Seth sabia pouca coisa sobre a palavra “solitário”, mas sabia ter algo a ver com o seu vizinho, o senhor Halkins. Ele morava sozinho, era um senhor de cabelos grisalhos e óculos pretos redondos que ficavam pendurados por uma cordinha no pescoço. O senhor Halkins passava o dia inteiro em casa e Seth, espiando pela janela de seu quarto, conseguia vê-lo. Seth não era muito diferente, também passava o dia inteiro em casa. E isso para ele era um indício de que estava se tornando igual ao senhor Halkins, solitário. Ninguém sabia sobre a família do senhor dos cabelos grisalhos. Na verdade, só o que Seth descobriu era que o senhor Halkins tinha uma filha e uma neta, que moravam no Kansas. Foi o que a mãe de Seth disse quando o senhor Halkins teve um AVC e ela o atendeu no hospital. Ele morreu. Na verdade, era uma história bem triste da qual Seth não se lembrava, a não ser quando via Corline, a moradora que ocupou a casa depois que a filha do senhor Halkins a vendeu. Mas Corline era outra história mais complexa, que Seth teria que lidar alguns anos mais tarde. Com o que Seth precisava lidar naquele momento, era que precisava fazer amigos. Nesse dia em questão, ele saiu para o colégio numa segunda-feira nublada, se sentou na última carteira, pegou seu material e esperou o professor, ouvindo as conversas aleatórias dos grupinhos formados na sala. Desenhando na última folha de seu caderno, Seth se interrompeu quando uma pequena figura parou diante dele. Ele ergueu a cabeça se deparando com uma menina de olhos azuis que enxergavam com a ajuda de um óculos vermelho. Seus cabelos castanhos estavam presos num r**o de cavalo e uma franjinha cobria a testa dela. — Tem alguém sentado aqui? — ela perguntou, apontando para o lugar em frente ao dele. Seth negou e ela deu de ombros jogando a mochila lilás na cadeira, se sentando logo em seguida. — Eu sou a Breeze Wills, mas você pode me chamar de Bree — ela se apresentou e sorriu. Seth voltou a fazer seus rabiscos e mais uma vez, ela puxou assunto. — E você? Não vai se apresentar? — Seth deu de ombros e ela num movimento rápido, virou o caderno dele para ver o que ele estava desenhando. — Isso é o Goku? — Seth assentiu. — Eu gosto de Dragon Ball, já assisti umas três vezes — ela comentou e ele apenas levantou as sobrancelhas. Era uma garota bem falante e Seth sabia que se não cortasse o assunto, a tal “Bree”, não iria parar de falar tão cedo. Na cabeça de Seth, garotas só eram falantes com assuntos dos quais dominavam, então se ele puxasse um assunto do qual ela não entendesse absolutamente nada, ela se calaria. A questão era que ele não tinha assunto para puxar e era a primeira vez que alguém se sentava naquele lugar em frente ao dele e conversava com ele sobre Dragon Ball. Seth sabia também que se não falasse nada, ela iria se tocar e por ser aluna nova e falante, logo entraria num daqueles tantos grupinhos espalhados pela sala, mas ele tinha prometido para sua mãe que faria nem que fosse um amigo, porque não queria ser solitário igual ao senhor Halkins. Breeze não era do tipo que seria amiga dele por muito tempo, ela só estava ali querendo se enturmar até os outros alunos notarem ela. Outro ponto, é que seu perfume era frutado e enjoava Seth. Ele duvidava muito que um enxame não entraria pela porta e atacaria o pescoço dela. Aliás, o pescoço dela brilhava. O perfume da tal “Bree” tinha brilho, e o glitter flocado cor-de-rosa estava impregnado no pescoço dela. — Am... Qual aula é essa? — Breeze perguntou sem jeito, flagrando o olhar de Seth sobre o pescoço dela. E agora, como retribuição, ela estava o analisando também. Seth abaixou a cabeça e abriu o caderno na matéria de matemática. — Estão vendo física quântica? — Ela começou a folhear o caderno. — Max Planck — respondeu ele. — Estamos aprendendo sobre Max Planck. — Prefiro o Albert Einstein — Ela deu de ombros. — Se não fosse pelo Max, Einstein nunca teria inventado a Teoria da Relatividade — Seth rebateu. — Pelo visto você é o nerd da sala — Breeze observou. — Com certeza é. A primeira coisa que ouvi você falar foi o nome de um físico. — É porque eu queria dispensar você — Ela arqueou a sobrancelha para o comentário que Seth acabara de fazer. — Garotas são falantes, mas só quando dominam o assunto. Eu só não sabia que você era fã de um físico. Ela riu. — E por acaso, garotas não podem gostar de matemática? — Breeze levou as mãos até a cintura e Seth balançou a cabeça no mesmo instante. — Não, eu... não foi isso que quis dizer. Meninas podem gostar do que quiserem, mas nunca conheci uma menina fã do Einstein. — Eu sei, relaxa, foi só uma pergunta — Ela tocou a mão de Seth o tranquilizando. — Eu nunca penso no futuro. Ele não tarda a chegar — e citou uma das frases de Einstein que Seth conhecia bem. — Deveria. — Deveria o quê? — Pensar no futuro. — Por quê? — Porque sim — disse o garoto como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — O futuro chega toda hora — Breeze comentou. — Não chega não. — Chega sim! O futuro já é no minuto seguinte. Aliás, acabou de passar um minuto, um segundo, dois, três, quatro, já é o futuro amanhã. E se você morrer antes do amanhã chegar? — ela retrucou. — E se você não morrer, o que vai fazer? — Ela deu de ombros e revirou os olhos, tirando os óculos para limpar com a barra da camiseta do Simple Plan. — Curte Simple Plan? — perguntou Seth. — I do anything — ela cantarolou. — Logo a que toca no Scooby Doo? — debochou. — Qual a sua preferida? — Breeze perguntou apoiando os cotovelos na mesa. — Welcome to My Life — Seth respondeu e ela fez a mão de microfone para ele. — Para, não vou cantar — Seth balançou a cabeça. — No you don't know what it's like, When nothing feels alright, You don't know what it's like , To be like me! Seth levou a mão à testa não acreditando no que aquela garota estava fazendo e ela levantou o queixo dele. — Refrão: — ela fez a virada da bateria usando o lápis com borracha na ponta e fez um gesto com a cabeça o incentivando. — To be hurt, to feel lost. To be left out in the dark , To be kicked when you're down, To feel like you've been pushed around, To be on the edge of breaking down, And no one there to save you, No you don't know what it's like, Welcome to my life! Seth cantou com ela que balançava a cabeça para frente e para trás. Por um momento ele havia esquecido de que estava na sala de aula e corou olhando ao redor. Os outros alunos nem haviam reparado no show deles. O inspetor apareceu na porta e chamou os alunos para irem para o pátio. O professor havia faltado. E foi assim que eles se conheceram, cantando Welcome to My Life na sala de aula, conversando sobre física quântica, Dragon Ball, futuro, Einstein e Scooby Doo. Nem Seth sabia como coisas tão distintas pudessem render assunto ou como haviam mudado de Einstein para show do Simple Plan. Nesse dia, Seth viu como Breeze era diferente. Naquela mesma hora, em poucos minutos de conversa, ele soube que ela era boa em enxergar pessoas. Breeze conseguia entrar na sua vida, de modo que você ficasse confortável em deixá-la ficar. O que ela não disse para Seth é que, com a mesma facilidade que ela entrava, também era boa em sair.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR