PRÓLOGO

1559 Palavras
|BREEZE WILLS | “Chapada a vida toda para esquecer que estou sentindo a sua falta” essa é a letra da música que ecoa em meus ouvidos. Tento evitar que meus lábios se movam cantando o trecho da música que me faz lembrar o momento da minha vida em que tudo era uma grande festa, bebida e cigarro. Mas não posso dizer que tudo continua igual, quando essas três coisas destruíram a minha vida. Nunca me atentei ao certo à letra dessa música, porque nunca estava sóbria o suficiente para prestar atenção nas merdas que estava fazendo. Até porque, todas as escolhas que fiz durante grande parte da minha vida, sempre afetavam somente a mim e até então, eu só precisava me preocupar com o ritmo em que a minha vida andava. Meus olhos se fecham suavemente assim que me rendo a cada batida da música. Alguns corpos se chocam contra o meu, porém não me importo e levo a mão até a franja jogando para trás os pequenos fios castanhos que cobrem minha testa. Se soubesse que essa se tornaria a trilha sonora da minha vida, teria escolhido uma música que não me fizesse lembrá-lo. “Passo meus dias em uma névoa tentando te esquecer amor, eu caio de novo”. O que vou dizer para ele? O que preciso dizer para me tranquilizar sobre a grande merda que fiz treze anos atrás? Ninguém imagina um dia precisar lidar com a volta de um fantasma, porque quando você se despede pela última vez, você segue e esquece, não fica esperando por uma volta. Quando alguém morre, a gente enterra e não deixa o buraco aberto. Não é difícil de entender. Quando uma pessoa morre, ela precisa continuar morta. E é exatamente isso que eu me tornei para Seth Donson. Um fantasma. Pergunto-me se ele seguiu a vida como fiz ou se ainda imagina tudo o que poderíamos ter vivido se eu não tivesse estragado tudo e estivesse há treze anos agindo como se ele não existisse. Reviro os olhos violentamente. Sabia que seria assim. Que uma hora ou outra eu começaria a me lamentar. É por isso que tentei passar longe daquela garrafa que o garçom esvaziou no meu copo aos poucos. De volta à Willou Glen, é mais difícil ignorar o que deixei para trás. Estar aqui é uma confirmação daquilo que sempre especulei: Willou Glen é sugadora de vidas, uma vez nela, você nunca conseguirá sair e se sair, ela sempre arrumará um jeito de te sugar de volta. O resultado disso sou eu aqui, agora. Minha visão está turva e cada parte do meu corpo é álcool. Tenho que ir embora, antes que precise da ajuda de um desconhecido para me levar para casa. Prometi para Joseph que não me meteria em problemas e é o que vou fazer até meu pai voltar a fingir que não existo. Sou desperta desses pensamentos assim que sinto algo se chocar contra meu corpo, logo em seguida o tecido do meu vestido vermelho umedece, fazendo o líquido gelado chegar à minha pele. Viro-me para o responsável que derrubou seu copo de bebida em mim e me deparo com uma adolescente, que comparada aos meus 1,65 de altura, bate em meu ombro e o que minha visão turva consegue focar também, são as duas mechas azuis na parte frontal de seu cabelo castanho. — Me desculpe, sinto muito, sinto muito moça — a garota repete, mas minha mente alcoolizada, demora mais que o necessário para processar o que acabara de acontecer. Caminhando com minhas duas sandálias de salto na mão, ainda consigo sentir a presença da garota atrás de mim. Suspiro me virando para ela. — Me deixa adivinhar, você nunca veio para um lugar desse e está desesperada por alguém que te tire daqui? — deduzo. — Desculpa, mas não sou a pessoa certa para te ajudar. — Refiro-me ao meu estado atual, e antes que possa tomar meu rumo até a saída novamente, a música para e um grande alvoroço se forma com a chegada da polícia. Não é nenhuma novidade que a boate é cheia de menores de idade, porém agora, tenho trinta anos, então volto até o banquinho onde estava, e espero todo o alvoroço passar. — Por favor, eu preciso de ajuda. Tô fodida se me pegarem — a mesma garota implora, dessa vez com a voz embargada, sem ter a menor noção do que está acontecendo. Olho para ela por alguns minutos, na esperança de que minha vista turva me ajude a encará-la com mais nitidez, mas sei que isso não vai acontecer. — Vem comigo — bufo, indo com ela até a porta dos fundos, passando por uma porta que, treze anos depois, continua no mesmo lugar. Em menos de cinco minutos estamos na rua de trás, fora da boate. — O que foi aquilo? — a garota pergunta. — A boate é clandestina — respondo, chutando uma pedrinha na qual acabo de pisar descalça. — Como você sabia da passagem? — ela me pergunta mais uma vez e bufo, me perguntando por que ela ainda está me seguindo. — Como te colocaram lá dentro? — pergunto fazendo um coque em meus cabelos castanhos e ela, por sua vez, segura minhas sandálias. — Alguns amigos me chamaram. — E onde estão eles? — questiono. — Eu não sei. Me perdi deles — ela suspira e me entrega de volta as sandálias, dando as costas para mim. — Valeu por me ajudar. Solto um leve riso, porque após encher o cu de álcool, o momento faz com que eu me lembre da primeira vez em que estive aqui e acabei do mesmo jeito. — Escuta criança — chamo e ela revira os olhos para mim. — O pessoal que te chamou para vir para esse lugar, não são seus amigos — Ela ri da minha fala. — É sério, eu sei muita coisa sobre isso. — E você sabe o quê sobre mim? — Ela retira a blusa xadrez e amarra na cintura. — Nada, mas sei que em Willou Glen ninguém quebra regras, a não ser um grupinho que todo mundo quer fazer parte. O Grupinho dos Descolados e acredite, esse grupo não é para você. — Me desequilibro e ela me ajuda antes que eu atinja o chão e se faz de apoio para mim. — Quem usa a palavra “descolado” em pleno 2023, pelo amor de Deus? Onde você mora? Quer ajuda para ir para casa? Você não tá nada bem. — Eu acabei de te ajudar a fugir da polícia, quem vai te levar para casa, sou eu — retruco. — Tá legal, você me ajudou e obrigada por isso, mas você tá chapada e não consegue dar um passo sem tropeçar nos próprios pés. — Eu sou muito responsável, para o seu governo. — O que raios eu fiz para merecer essa noite? — ela resmunga, me guiando pela rua. — Engraçado que eu estava me perguntando a mesma coisa antes de entrar pelas portas daquela boate, ou quando passei pela placa de “Boas-vindas à Willou Glen” — Solto um leve riso. — Mas não vou ficar e ver o grande estrago que causei. Vou cair fora assim que puder. — Tá, já entendi. Seu ex-namorado mora aqui — a garota diz na tentativa de me calar, mas paro por um momento, segurando o rosto dela com as duas mãos. — Posso te dar um conselho? Saia de Willou Glen assim que puder e se não tiver um lugar para onde ir, eu tenho um quarto. — Vejo a garota arquear a sobrancelha e voltar a andar pela rua que prometi não passar pelo tempo em que estivesse aqui. — Você tá me assustando moça. Nós duas paramos de andar na mesma hora que vemos uma das casas com a porta aberta e duas viaturas da polícia estacionadas em frente. — c****e, meu pai chamou a polícia — a garota diz, correndo até onde seu pai está parado com um celular no ouvido. Ele direciona seu olhar para mim, pisca três vezes, deixa o celular cair de sua mão e aponta para dentro de casa. — Entra, agora — ele ordena curto e grosso para ela, que entra e bate a porta atrás de si. Depois disso, minha visão turva não consegue acompanhar a figura alta e forte que caminha rápido até mim, que cambaleio tonta, mas ao invés de cair no chão, ele me segura e me prensa contra o carro em que estava prestes a entrar para ir em busca da filha. Estou bêbada pra um c****e, mas isso não me impede de reconhecer os olhos azuis dele. Eu reconheceria a cor única que ele carrega em sua íris até no inferno, queimando como uma desgraçada. Estar bêbada também não vai me impedir de esquecer a frase que ele berra no segundo seguinte. A frase que me atinge como um tapa na cara. — Que p***a você está fazendo aqui?! Era pra você estar morta! Se o meu plano bêbada, era ir embora antes mesmo de encontrá-lo sóbria, agora terei de lidar com Seth Donson me caçando pela cidade, para me lembrar de que eu não deveria estar aqui, porque ele ainda se lembra de mim e me odeia.
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