Capítulo 10

1629 Palavras
Ane Subi as escadas com passos rápidos, o peito ainda arfando de raiva contida. Cada palavra dita por Sebastian parecia pulsar nos meus ouvidos. Aquele homem me tirava do eixo com uma facilidade irritante. Abri a porta do quarto, ansiosa por um pouco de silêncio, mas assim que entrei… parei. Algo estava diferente. Minha cama — a que havia sido colocada ali desde que cheguei — não estava mais no quarto. O espaço onde ela ficava agora exibia apenas o vazio. Virei o rosto em direção à cama de Sebastian… ou melhor, à única cama que agora restava no cômodo. — Não… — murmurei, incrédula. Girei nos calcanhares para sair e procurar respostas — ou, mais especificamente, ele. Mas assim que me virei, bati contra um peito firme, largo… quente. Um suspiro escapou da minha boca no susto, e eu me desequilibrei, quase caindo para trás, mas mãos grandes seguraram meus braços com firmeza. Quando ergui o olhar, lá estava ele. Sebastian. Muito perto. Tão perto que eu podia sentir o cheiro do perfume dele — amadeirado, sofisticado, marcante. Era quase injusto alguém como ele exalar esse tipo de presença. E naquele momento, no silêncio cortante entre nós, meus olhos foram para a boca dele por puro reflexo. Uma parte de mim, involuntária e absolutamente traidora, pensou que ele fosse me beijar. Mas ele não o fez. Sebastian apenas sorriu. Lento. Quase cínico. Como se soubesse exatamente o que eu estava esperando… e gostasse de brincar com isso. — Está procurando algo, Ane? — perguntou com a voz baixa, rouca. Respirei fundo, afastando meus ombros o máximo que pude, ainda dentro do alcance dele. — Onde está minha cama? — Removida — respondeu com a mesma tranquilidade de quem comenta sobre o tempo. — Você vai dormir comigo agora. Senti o sangue subir ao rosto, o coração bater mais forte. — Você não pode simplesmente... — Posso. E fiz. — Ele me interrompeu. — Já estamos noivos, Ane. E essa divisão de espaço… era só uma formalidade temporária. — Não estamos noivos. Apenas sou sua prisioneira — rebati, firme. Ele arqueou uma sobrancelha, com um meio sorriso. — Não seja por isso. A festa de noivado acontece dentro de uma semana. Fale com Vittoria, ela sempre organiza os eventos da família. Travei a mandíbula. — Isso não tem nada a ver com noivado. — O encarei. — Tem a ver com controle. Com esse seu jogo de me dobrar aos poucos. Ele se aproximou mais, inclinando-se ligeiramente até nossos rostos quase se tocarem. — Você está enganada. — A voz dele saiu baixa, carregada de algo entre ameaça e provocação. — Eu não preciso jogar. Você já está no tabuleiro, lembra? Soltei um riso curto, sem humor, enquanto afastava o rosto. — Você se acha irresistível, não é? — Eu não acho nada — respondeu, dando um passo para trás, enfim. — Mas é divertido ver o quanto você tenta resistir. E então se virou, caminhando até o closet com a mesma calma de sempre. Como se tivesse vencido mais uma rodada. Fiquei ali, parada, tentando controlar a respiração e o calor nas bochechas. A cama única ainda estava diante de mim, como um lembrete silencioso da minha nova realidade. Engoli em seco. Sebastian Mancini podia ser perigoso, controlador e c***l… Mas o pior de tudo era que ele também sabia ser sedutor, com um tipo de poder que confundia, envolvia e fazia o chão desaparecer sob os pés. E eu precisava, urgentemente, lembrar quem eu era antes de tudo isso começar. *** Demorei mais tempo do que o necessário para terminar meu banho. Cada gota d’água que caía era uma tentativa desesperada de lavar de mim a sensação sufocante que Sebastian deixava. E, ainda assim, quando saí do banheiro, ela estava ali. Como um perfume que insiste em ficar. Coloquei o pijama mais discreto que tinha. Uma calça de algodão e uma camiseta de manga longa. Nada que pudesse, em hipótese alguma, alimentar a ideia absurda que ele parecia ter de mim. Quando abri a porta do closet, Sebastian já estava deitado. Só com uma calça de moletom escura, sem camisa. Um livro aberto em mãos — por pura encenação, eu sabia. Ele queria parecer casual. No controle. No comando. — Tem lugar sobrando na cama, se for isso que está avaliando — disse ele sem me encarar, virando a página com fingida concentração. — Tem sofá também. — Cruzei os braços. Ele ergueu os olhos do livro, me olhando de cima a baixo com calma, como quem avalia um quadro novo. — Você pode escolher onde dormir, Ane. Desde que seja nesse quarto. — Pausou, a voz agora mais baixa. — Mas não me ofenda achando que preciso forçar alguma coisa. Trinquei os dentes. Não era o que ele dizia, era o jeito. Ele jogava com palavras e olhares como se estivesse habituado a ganhar sempre. E, de algum modo, parte de mim sentia que ele não estava mentindo. Pensei por alguns segundos e caminhei até o sofá perto da janela. Peguei uma das mantas dobradas no encosto e me enrolei como se fosse uma armadura. Um escudo entre mim e tudo o que aquela noite simbolizava. Silêncio. Um silêncio longo, denso, quase incômodo. Até que ele falou, com aquela voz rouca, como se arrancasse as palavras devagar. — Você acha que sou um monstro? Demorei a responder. — Acho que você é tudo aquilo que me ensinaram a evitar. Ele soltou um riso baixo, curto. Sem humor. — Talvez eu seja mesmo. Fechei os olhos, não queria mais falar com ele. Não queria me permitir pensar no homem que dominava tudo ao redor e, ainda assim, parecia guardar mais sombras dentro de si do que eu podia compreender. Minutos depois, ouvi o som do abajur sendo apagado. A cama rangeu quando ele se mexeu. Mas eu continuei no sofá, imóvel, de olhos fechados. A noite foi longa. O sono, superficial. Cada suspiro dele ecoava no quarto como um lembrete de que minha vida nunca mais voltaria a ser simples. Nem livre. Mas, antes que o sono me levasse de vez, uma única pergunta me atravessou como uma flecha: Por que eu? E eu sabia que, cedo ou tarde, descobriria a resposta. *** A manhã começou com um cheiro leve de pão assando e café fresco se espalhando pela mansão. Era cedo, mas Vittoria já estava acordada — estranhamente desperta, arrumada e animada, como se esperasse por algo muito especial. — Anda, levanta — disse assim que bateu na porta do meu quarto e entrou sem cerimônia. — Ela está chegando. — Quem? — A Nana, ué — respondeu como se fosse óbvio. Seus olhos brilhavam, os cabelos estavam presos num coque desajeitado e o pijama de seda deixava claro que ela só havia se levantado por esse motivo. Desci as escadas ainda sonolenta, enquanto Vittoria puxava minha mão com mais entusiasmo do que seria necessário para alguém que, poucas horas antes, reclamava de ter estudado demais na semana. — Você vai amar a Nana — disse. — Ela é tipo... o coração da casa. A SUV preta estacionou no pátio alguns minutos depois. Vittoria correu para abrir a porta como uma criança vendo uma avó chegar do interior. E quando a mulher desceu, entendi o porquê. Nana não era alta, nem imponente. Mas havia nela uma presença. Um tipo de energia que envolvia tudo ao redor. Os cabelos grisalhos estavam presos num coque firme, e os olhos castanhos, marcados pelo tempo, carregavam uma gentileza tão verdadeira que me desarmou de imediato. Assim que me viu, caminhou com passos tranquilos em minha direção, avaliando-me dos pés à cabeça como se já me conhecesse de outras vidas. — Então essa é a nossa menina? — disse com um sorriso acolhedor antes de me puxar para um abraço apertado. Senti seu perfume leve, de sabonete antigo com lavanda, e uma emoção estranha me apertou o peito. Fiquei ali, imóvel, enquanto o calor daquele gesto me envolvia. E pela primeira vez em dias... me senti segura. — Nossa menina? — perguntei, um pouco desconcertada. Nana se afastou só o suficiente para me olhar nos olhos. Havia um carinho imediato ali, algo genuíno. — Qualquer pessoa que entra nesta casa como parte da família Mancini, também é parte minha. Sempre foi assim. E você, minha querida, tem olhos de quem está carregando mais do que devia. Aquilo me desmontou por dentro. Trinquei os dentes para conter a vontade súbita de chorar. Ela não insistiu. Apenas tocou meu rosto com a palma da mão, num gesto leve e cheio de ternura. Em seguida, nos guiou para dentro, como se tudo estivesse bem. Na cozinha, ela assumiu o comando sem esforço. Ordenou que Vittoria subisse e colocasse algo mais quente — "esse ar está úmido e você conhece seu histórico com sinusite", disse — e depois virou-se para mim. — Sente-se. Já volto com frutas e chá. E depois vou preparar algo de verdade. Você está muito pálida. Me sentei obedientemente. Alguns minutos depois, ela trouxe um prato colorido com pedaços de manga, uvas e morangos cortados com perfeição. — Precisa comer algo fresco. Seu corpo está pedindo vitaminas. Sorri, sem saber o que responder. Era tudo tão... novo. Familiar de um jeito que doía. Como se alguém me lembrasse o que era ser cuidada. — Obrigada — murmurei. — Você é muito bem-vinda aqui, Ane. E naquele instante, pela primeira vez desde que Sebastian disse que eu era "dele", senti que alguém me enxergava como mais do que uma aposta. Nana não me tratava como uma peça num jogo. Mas como alguém que, mesmo sem querer, agora fazia parte de uma família real — cheia de rachaduras, mas ainda assim... uma família.
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