Saio correndo para dentro da oca onde na tarde anterior conversei com Raziel, meu coração estava acelerado, meu corpo trêmulo, eu sentia saudades do meu amigo, o único que ficou ao meu lado naquele dia e tentou interceder por mim.
Não sabia exatamente o que sentir, mas com certeza felicidade era algo existente em mim no momento. Quando entro no lugar, vejo Yasmin abraçada a um índio, a morena chorava, havia uma emoção diferente nela, nos dois, porém quando meu olhar cruza com ele, eu soube a verdade, era ele. Os dois se separaram e o homem fica na minha frente, ainda me encarando fixamente.
– Criança.
Sem esperar mais nada me jogo contra o corpo do homem mais alto e forte, em forma física de um índio, mas eu conheço aquela energia, aquela aura, aquele olhar e principalmente aquele abraço. Meus olhos se encheram de lágrimas, de amor, de saudade, de alegria.
– Eu senti tanto a sua falta. _ O homem afaga o meu cabelo vermelho, fazendo-me sentir todo o seu carinho, o mesmo que sempre me entregou.
– Eu sei, eu sei. Como você está? _ Afasto-me e encara o olhar que tanto amo, ainda sereno e inteligente como sempre.
– Na medida do possível tentando ficar viva, e você? Com veio parar aqui? _ Limpo minhas lágrimas. – O que veio fazer aqui? _ Então Samandriel olha para Yasmin, essa que olha para mim.
– Primeiro me conta o que está acontecendo.
Seria uma longa manhã. Nos acomodamos nos assentos de madeira e relatamos tudo para Samandriel, esse que escutava com atenção sem dizer nada, mesmo nesse momento eu desconfiando de todos e tudo, algo dentro de mim sempre dizia que eu poderia confiar em meu amigo de olhos fechados.
– Então... Vocês acham que é Ele? _ Ele se mostrava relutante com essa ideia, o que era compreensível.
– Não podemos afirmar, mas a energia não é de um anjo comum, eu só posso pensar Nele, e os arcanjos, Lúcifer está na “jaula”, Gabriel segue todas as ordens de Miguel, então de todos eles, acredito que seja Ele sim, ainda mais por Raziel, o guardião dos segredos de Deus, é a ligação com humanidade, seria ilógico se o líder dos querubins não fosse usado.
Samandriel suspirou quando Yasmin terminou de falar, ainda que fossem palavras difíceis de acreditar, eu tenho certeza de que ele também entendia que tinha algo errado.
– Isso tudo é tão confuso, mas também algumas coisas começam a fazer sentido para mim. _ Fico ereta e encaro o homem na minha frente.
– O que quer dizer com isso? _ Fiz a pergunta mais óbvia.
– Vocês sabem quem me enviou aqui? _ Eu encaro Yasmin rapidamente, ela estava mais confusa do que eu.
– Não, na verdade nem tínhamos ideia de que você poderia estar aqui. _ Falo e vejo Samandriel suspirar, assim como Yasmin, pelo jeito as coisas eram mais complicadas do que eu poderia entender. – O que você sabe?
O anjo me encara com seu olhar preocupado e paterno. Na verdade, Samandriel sempre exerceu esse poder sobre mim, sempre desenvolveu esse papel. Bondoso, atencioso, fiel e dedicado, apesar de cumprir as ordens, sempre procurava um jeito de o fazer sem precisar desencadear um conflito interno, o que até então vinha fazendo muito bem.
– Há cinco semanas fui chamado por Gabriel. _ Apenas esse nome faz qualquer um estremecer, afinal, era um arcanjo. – Ele queria informações sobre você. Porém eu não sei nada, eu nem sabia o que estava acontecendo aqui.
– O que ele fez? _ Minha voz saiu preocupada.
– Nada, mas acho que ele passou a me observar, porém as coisas no “céu” estão difíceis, está acontecendo alguma coisa, muitos demônios na Terra em busca de algo, até então eu não sabia o que era, até ser chamado de novo por Gabriel e ele me confessar que era por você toda essa situação. Mas ele não me disse mais nada, o que me deixou preocupado.
– O que ele quer exatamente? _ Yasmin perguntou.
– Ele te quer a qualquer custo, Juliette, porém eu tenho uma dúvida. Gabriel apesar de ser um arcanjo, sempre obedeceu às ordens de Miguel, a questão é, ele está atrás de você por interesse próprio, ou sob ordem do irmão? _ Encaro Yasmin que também demonstrava toda a preocupação.
– Porque ele te mandou? Ou melhor, como ele te mandou? Afinal, ele poderia vir e seria mais fácil. _ Samandriel se endireita no assento e me encara.
– Ele não pode. Gabriel encontrou uma bruxa que poderia fazer um feitiço de localização infalível, porém era preciso uma pessoa ligada emocionalmente.
– Você. _ A palavra saiu baixa e fraca.
– Sim, apenas eu poderia fazer, o que me trouxe diretamente para cá. Mas Raziel já me esperava, ele já sabia que eu vinha, um corpo já estava à minha espera.
– Esse miserável está nos usando. _ Grito as palavras e me levanto.
– Isso é um fato, Juliette, porém se ele estivesse trabalhando para Gabriel, seria mais fácil apenas dizer onde estava.
– Faz sentido. _ Yasmin diz. – Isso está uma confusão maior ainda.
Sei bem qual está sendo a sensação da morena, minha cabeça rodava com todas as informações, assim como com a presença de Samandriel.
– Eu só tenho duas horas.
– Como assim duas horas? _ Pergunto sem entender.
– O feitiço dura duas horas, depois disso eu volto de onde saí.
– Ou seja, de onde Gabriel está. _ Yasmin fala, esclarecendo tudo.
Samandriel se aproxima de mim e me puxa para um abraço forte, ficando assim por alguns minutos, aquilo era estranho, mas ainda assim bom. Depois meu amigo se afasta e me encara.
– Não confie em ninguém além de Yasmin. E por favor, não a odeie por isso.
Não entendi o que ele estava falando, mas não pude raciocinar, apenas vi a espada prateada atravessar seu corpo, seus olhos, nariz e ouvido brilharam, mostrando que sua graça estava sendo tirada. O anjo Samandriel estava morto.
– Não!
Corro e seguro seu corpo já sem vida, minhas lágrimas estavam sôfregas e dolorosas, meu corpo estava doendo, assim como o meu coração estava acelerado.
– O que você fez? m***a, o que você fez?
Yasmin estava parada na minha frente com lágrimas nos olhos, encarando a cena, porém em suas mãos estava a espada suja de sangue, foi ela, foi Yasmin que matou a pessoa que eu mais confiei na vida.
– Juliette...
– O que você fez? Você o matou! Você o matou!
Os olhos de Yasmin diziam que havia uma explicação para aquilo, que havia uma explicação para aquele momento, mas como esquecer?
– Você o matou...
Então levando e olho uma última vez para o corpo, que na verdade não significava nada para mim, porém ainda era a prova do que acabou de acontecer.
– Juliette. _ Yasmin tenta se aproximar.
– Fique longe. _ Aproximo-me da porta de saída, mas Yasmin continua a se aproximar. – Não!
E sem dizer mais nada saio correndo mais uma vez dali, agora para o lado oposto do que fui antes. A floresta era acolhedora, mas também assustadora, mas eu m*l podia pensar, m*l podia sentir, só chorar, dor, angústia, medo, tudo era c***l, será que eu perderia todos que eu amava? Será que todos iriam morrer em meus braços? Os pensamentos tomavam conta de mim quando eu percebi que estava em um lugar onde tinha uma correnteza de água cristalina, meus olhos deslumbravam a beleza, mas ainda assim não podia tirar a dor de mim, tudo era absolutamente c***l.
– Juliette. _ Não precisei virar para saber quem estava ali, eu sabia que ela viria.
– Por quê? Porque você fez isso? Por quê?
– Eu...
Yasmin não termina a frase, então viro o corpo e encaro seus olhos avermelhados, era difícil vê-la assim, mas eu não a culpava, no fundo eu sabia o porquê, mas ainda era difícil acreditar que eu perdi mais uma pessoa.
– Foi tão difícil. _ Falo junto das lágrimas caindo.
– Eu sei, eu sei.
Suas palavras mostravam toda a sua dor, assim como o seu medo com a minha reação. Dou uma última olhada em seus olhos e tiro minha camiseta, assim como a minha calça jeans. Sabia que os olhos da morena estavam em mim, então em um mergulho perfeito, reapareço no meio da água. Não olho mais para trás. Respiro fundo e deixo meu corpo relaxar com a sensação da água tocando a minha pele.
Doía, doía muito, acho que nunca pararia de doer, acabei de perder um “pai”, o sentimento paterno que cresceu mais quando vivi tanto tempo no mundo dos humanos, todos os sentimentos eram mais fortes na vida terrestre. Mergulho mais uma vez e emerjo ainda de costas para Yasmin, mas logo escuto o som da água batendo, sei bem o que aconteceu.
– Por favor, me perdoa, por favor...
Eu tinha certeza de que foi difícil para a morena, ela fez o que tinha que ser feito, mas como esquecer se a todo momento as palavras “Ela o matou”, não saíam da minha cabeça? Como esquecer a sensação de ver meu “pai” perdendo a vida na minha frente? Impossível não pensar em Laura, impossível não pensar na mulher que morreu por minha causa, Samandriel também, meu melhor amigo morreu para me proteger.
Quem mais iria morrer por minha causa? Quem mais teria que sofrer por mim, lutar por mim, interceder por mim? Eu não sei nenhuma dessas respostas, mas eu tinha uma certeza, Yasmin não seria a próxima vítima do cupido da morte.
– Perdão, perdão...
Quando viro o corpo, encaro os olhos da morena que tinham lágrimas ardentes em seu rosto, tão dolorosas quanto as minhas.
– Shiii. _ Aproximo-me e coloco minhas mãos em sua cintura. – Dói tanto.
– Desculpa. _ Yasmin se aproxima mais e encosta nossas testas.
– Faz parar, por favor, faz parar.
Minha voz era sôfrega e dolorosa, meu coração estava em pedaços, assim como minha alma estava angustiada.
– Eu vou fazer, eu vou. _ Foram as últimas palavras que escutei antes de sentir os lábios de Yasmin contra os meus.