Dentre milhares de mulheres naquela cidade pacata, Charlotte não compreendia os motivos que levaram Peter a persegui-la. Caminhou a passos largos um pouco à frente dele, era um longo caminho até sua casa na aldeia. A cada dia, a vida parecia mais complicada, era como se o chão sobre o qual ela caminha desaparecesse debaixo dos pés.
― Charlotte, espera! ― Ele a alcançou, segurou-a pelo braço com delicadeza. ― Eu preciso de um favor!
― Se você pensa que vou me deitar com você só para pagar algum favor, você está muito enganado.
Ela o fitou com uma fisionomia de cansaço, se afastou dele e fungou.
― Eu não sou como essas garotas que você costuma seduzir por aí. Tua fama te precede Dom Juan!
― Então a fera gosta de ler!
― ME DEIXA EM PAZ!
― Charlotte, pare de gritar! Todo mundo está olhando.
― Esquece que eu existo! Vai embora!
― Isso é tudo o que quero! ― Ele a seguiu. ― Preciso sair desse lugar.
― Se é por falta de adeus, então, goodbye!
― Nossa, mas ela fala inglês também!
― Qual é o seu problema? ― Franziu o cenho ao balançar as mãos. ― Por que você sempre está por perto?
O temperamento forte de Charlotte tinha uma dose de pimenta, carregado de sal e outros sabores
― Eu já disse, preciso de um favor. ― Contorceu o lábio superior com um “V” marcado. ― Você é impulsiva e tira conclusões precipitadas, fica difícil de falar o que preciso.
Algumas gotas finas caíram do céu sobre a pele dourada dos braços cruzados, logo a estrada estaria cheia de lama e seria difícil chegar em casa. Charlotte pensou antes de reagir de forma impulsiva, parou na frente dele e ergueu os olhos para encarar o homem que era alguns centímetros mais alto.
― Tem 1 minuto, comece a falar!
― Eu preciso de você para irritar os meus pais, você é a garota perfeita!
― i****a! ― Deu as costas
― Charlotte, você quer casar comigo!
― Você é louco? Eu não tenho tempo para brincadeiras estúpidas, preciso arrumar outro emprego, não posso perder a minha casa.
― Posso te dar uma casa melhor do que aquele barraco cheio de rachaduras em que você vive.
― Não quero a sua ajuda ― fulminou Peter com o olhar. ― Eu sou muito grata por tudo que tenho.
Mesmo que a casa humilde tivesse uma construção antiga, Charlotte tinha boas lembranças na infância ao lado do pai que a ensinou a ser independente e a dar o melhor de si para alcançar os seus sonhos.
― Eu sempre trabalhei, nunca pedi ajuda a homem nenhum. Não preciso de você!
― Eu sei, baby!
― Chega! Não sou baby de ninguém.
― Charlotte é só por um mês, tenho certeza que meus pais vão desistir de me prender nessa cidade. Será um casamento de mentira.
Houve um silêncio, logo em seguida a voz rouca e determinada prosseguiu.
― Não vamos manter relações sexuais, se é isso que te preocupa. Só quero ir embora desse lugar.
― Eu não quero fazer nada com você ― retrucou
― O sentimento é recíproco ― disse de repente com uma expressão sombria nos olhos escuros. ― Pensa bem, você está sem trabalho e aquela plantação não vai pagar as prestações da sua casa.
― Culpa sua!
― Mais um motivo para você pensar na minha proposta! Eles vão odiar o fato de eu estar casado com uma…
― Camponesa? ― Os olhos se apertaram como fendas ao interromper Peter. ― m*l-educada? Pobre?
― Uma garota com um gênio tão forte como o seu.
― Escolhe outra garota, tem muitas moças de família que adorariam se casar com o filho de um fazendeiro tão poderoso.
― Eu sei! ― Esboçou um sorriso brilhante. ― E é por isso que eu escolhi você.
― Você é louco ou quê? ― Ela o fitou aturdida. ― Eu disse não!
Peter enxergava o desprezo e o gênio forte através dos olhos luminosos de Charlotte. Tinha alguma coisa diferente na mulher com um caráter frio, no entanto, aquele era um mistério que ele não pretendia desvendar.
― Você é a única que me despreza e não dá a mínima para o que eu quero.
― E daí?
― Não corro o perigo de você cair de amores por mim.
― Você é muito presunçoso! ― Ela alargou os passos à frente dele. ― Para de me seguir ― bufou.
A forma como Charlotte enfrentava Peter, o instigava. Continuou a acompanhá-la mesmo contra a sua vontade.
― Eu tenho namorada, ela mora em Los Angeles.
― Que bom! Pede para ela casar com você.
― Heather não quer morar aqui.
― Isso não me interessa!
Uma sensação diferente energizou todas as moléculas do corpo quando Peter segurou-lhe uma das mãos. Não sabia que feitiço era aquele que a deixou imóvel. Apreciou o delicioso toque quente na textura dos lábios contra o dorso de sua mão e apertou as pernas para amenizar um calor diferente que subia por entre as coxas.
― Por favor ― sussurrou a voz rouca e cálida de Peter. ― será apenas por alguns dias.
Ele tentava ser assertivo, precisava usar aquele comportamento hostil em seu favor. É claro que pessoas com humor azedo são difíceis de lidar, todavia, ele era capaz de tudo para conseguir o que almejava.
― Se você pensa que vou cair nesse seu joguinho de sedução, está muito enganado! Se eu concordar com essa idiotice, não quero que você se apaixone por mim, entendeu!
― É você que deve tomar cuidado pra não cair de amores por mim, logo eu vou embora.
― i****a! ― tomou distância a passos ligeiros.
Embora o temperamento difícil contribuísse para que Charlotte se mantivesse firme em seus propósitos, ela criava uma barreira e dificultava o relacionamento com homens que tentavam se aproximar.
― Está começando a chover. ― Charlotte esticou a mão direita e permitiu que uma gota caísse na palma da mão. ― Eu preciso ir para casa.
― Você vai andando?
Peter fez uma pausa por alguns segundos, os olhos de ônix vasculharam os traços delicados, mas Charlotte desviou o olhar. Os dedos pequenos deslizavam pelo nariz fino e arrebitado idêntico ao da mãe, ela odiava o fato de ser tão parecida com a progenitora.
O vestido rosa desbotado estava na altura dos joelhos, os s***s firmes e arredondados que avolumavam o tecido de malha não escapou do olhar ávido de Peter. Ele balançou a cabeça para afastar o pensamento quando o corpo reagiu. Puxou a camisa preta para disfarçar o volume.
― Vamos, eu te levo até a sua casa. ― A voz grave e determinada quebrou o silêncio.
― Não! Os vizinhos estão comentando, ― recordou da primeira semana após o enterro de seu pai. Em meio aos olhares condenatórios, Charlotte chegava em casa com um aperto no peito. Não havia nenhuma ajuda, apenas desprezo nos olhares que a julgavam.― dizem que por culpa minha, meu pai morreu! Se eu estivesse lá…― Abaixou o olhar.
― Não diga isso! As pessoas falam demais. ― A voz aveludada tentou acalmá-la. Os pingos de chuva aumentavam a força e molhavam os fios lisos que caiam ao lado da testa de Peter. ― Vem logo!
Ao entrar na caminhonete preta, ela puxou o vestido até a rótula do joelho. Olhou de soslaio para Peter que estendeu uma pequena toalha branca em sua direção.
― Se enxugue!
Charlotte secou os braços e o pescoço enquanto Peter ligava o carro. Sentiu uma estranha sensação ao lado daquele homem com porte intimidador, os olhos se espremeram ao mirar nos músculos das coxas no Jeans preto até a cintura esbelta . Os dois primeiros botões da camisa aberta, revelava o peitoral que ondulava o tecido de linho e se ampliava por entre os ombros largos.
― Como o seu irmão está? ― Ele a encarou com uma doçura estranha no olhar. ― Você não falou nada sobre ele.
― Anthony está com a minha vizinha, ele não quer ir para escola desde que… ― A voz embargou.
― Compreendo! ― Peter fez uma curva à sua direita quando avistou um fabuloso carvalho e depois entrou em uma rua sem asfalto. ― Ele precisa de você.
Não demorou muito até que o carro estacionou em frente a casa com uma tintura bege lascada. Duas rachaduras iam do teto até o meio da parede de alvenaria, o forro de estuque era atacado pela umidade e cupins. Charlotte olhou para o lado e tentou abrir a porta do carro meio sem jeito, inalou a fragrância amadeirada quando Peter se inclinou para o lado dela e abriu.
― Espera! ― Tocou o ombro de Charlotte e a impediu de sair.
Peter saiu do automóvel, correu até o outro lado e estendeu-lhe a mão.
― Vem!
― Eu posso fazer isso sozinha ― rejeitou a ajuda.
Os ombros largos a seguraram quando os pés pequenos de Charlotte tocaram o chão e derraparam pela lama.
― Me solta! ― escapou dos braços dele.
― Você é arisca. ― Ele a acompanhou até a porta de casa. ― Aposto que não tem namorado ― falou com um ar sarcástico.
― Claro que eu tive, eu ia me casar com ele.
― Com essa doçura toda… ― Peter ironizou quando pararam próximo da porta. ― Aposto que ele não aguentou e te deixou.
― Charlotte, seja educada. ― A senhora de estatura mediana apareceu na porta. Theresa levantou o rosto ao olhar para Peter. ― Entre! Fiz alguns biscoitos ― Theresa mostrou um sorriso acolhedor.
― Onde está Anthony? ― Charlotte passou pela porta.
― Anthony está brincando com meu neto. ― Theresa colocou a forma de ferro com alguns biscoitos amanteigados na mesa. ― Daqui a pouco eu vou buscar ele.
Apesar de não gostar da presença dele, Charlotte não contestou a decisão de Theresa. Foi direto para um cômodo estreito com apenas uma cama de madeira e fechou a cortina.
― O senhor quer um chá ou um café?
― Eu aceito um café.
― Eu vou preparar um café bem quente. ― Theresa levantou da mesa. ― Já volto!
A cortina verde floral exibiu a silhueta da mulher que se despia. Do outro lado, Charlotte jogou o vestido molhado na cadeira e deslizou o tecido de algodão da toalha amarela pelo corpo. Colocou os cabelos para o lado e secou as longas madeixas.
O peito de Peter estufou enquanto assistia à cena, respirou fundo, os pensamentos lascivos que vinham à mente o deixavam duro. Fechou os olhos e obrigou a focar no seu verdadeiro propósito, ela não era o tipo de mulher que ele apreciava, no entanto, o corpo dele a desejava.
― Aqui está! ― Theresa voltou à sala e serviu-lhe o café.
Charlotte abriu a cortina logo que ele levou a xícara até a boca, ela usava uma camiseta preta com uma bermuda caqui um pouco acima dos joelhos. As coxas firmes e delineadas eram o resultado das longas e exaustivas caminhadas que fazia até o trabalho.
― Vou à plantação. ― Charlotte colocou as galochas pretas na altura do tornozelo. ― Eu tenho que colher alguns vegetais para vender na feira.
― Está escuro! Você sabe que lá atrás vira um brejo quando chove muito. ― Theresa sentou-se na cadeira e levou a xícara branca até os lábios enrugados. As mãos com manchas senis seguraram o braço de Charlotte. ― Sente-se aqui e faça companhia ao rapaz, eu vou buscar o Anthony.― ficou em pé e saiu.
Charlotte estreitou o olhar na direção dele assim que se acomodou na cadeira. Fechou a cara ao notar um sorriso nos cantos dos lábios de Peter.
― Eu aceito! ― A voz de Charlotte saiu abafada.
― O quê?
― Eu aceito sua proposta! ― Olhou para o lado. As goteiras enchiam o balde de metal enferrujado.
― Ótimo! ― Peter sorriu vitorioso. ― Vamos nos casar depois de amanhã.
― Posso levar o meu irmão?
― Claro! ― Colocou o biscoito amanteigado na boca.
Tudo transcorria como esperado, ele tinha certeza que seus pais nunca aceitariam o seu casamento. Logo ele voltaria para a sua vida no exterior e para os braços de sua amada Heather.