Flashback On – Início do verão 2017
Apesar da frustrante noite, o dia havia amanhecido ensolarado, então aproveitei para acordar mais cedo. Peguei a primeira camiseta que estava pendurada no braço da poltrona, cheirei para ver se ainda dava para usar e então a vesti. Resolvi deixar a moto na garagem e ir a pé até o café que ficava no final da outra rua. Já com meu pedido em mãos, fui voltando tranquilamente pela calçada, tomando meu mocaccino.
Meus pensamentos estavam dispersos, eu precisava achar um novo bico, as contas não podiam mais esperar e ao tentar atravessar a rua, o barulho de uma buzina me trouxe de volta. Um Hyundai prata freou bruscamente, praticamente em cima de mim. Vi meus 24 anos passarem diante dos meus olhos.
– Filho de uma p**a! – Gritei com o motorista e senti o quanto meu mocaccino estava quente logo que o derramei todo em minha camiseta. O reflexo do sol não me permitia ver direito quem estava atrás do volante. Estreitei os olhos para continuar xingando o motorista, mas logo notei que era uma mulher que estava dirigindo.
– Está cega, é? – Continuei esbravejando mesmo assim. Ela abriu o vidro e começou a se desculpar.
– Desculpa, eu estou com muita pressa… sinto muito. – Ela parecia nervosa. – Se quiser eu deixo o dinheiro e você compra outro café. – Ela abaixou-se, pegando sua carteira. – Eu só não posso me atrasar mais. Pegue, por favor. – Me estendeu algumas libras para fora da janela.
Quem essa mulher pensava que eu era?
– Não… – balancei a cabeça. – Quase me matou, sua louca. – Me aproximei da janela e apesar de ela quase ter me atropelado, não podia negar que era muito bonita.
– Louca? Olha o respeito. – Ela franziu a testa. – Eu já pedi desculpas. Escute, não tenho tempo de ficar discutindo. Você que deveria andar mais atento na rua. – Ela girou a chave na ignição e arrancou com o carro, me deixando plantado no meio da rua, banhado de mocaccino e com muita raiva.
Quem essa doida pensa que é? Tratar as pessoas dessa maneira? Realmente, meu dia não havia começado muito bem.
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Cheguei em casa e joguei minhas chaves em cima da mesa. Eu estava com muita raiva ainda, deveria ter aceitado o dinheiro daquela maluca, assim não sairia tanto no prejuízo. Arranquei minha camisa e atirei dentro da máquina de lavar e caminhei até o banheiro. Assim que desliguei o chuveiro meu celular tocou. m*l enrolei a toalha na cintura e corri para atender. Era meu amigo, Nathan, querendo saber se eu aceitava um trampo novo, na noite de hoje em outro pub.
Claro que não pude recusar, afinal, ele havia conseguido para que eu tocasse no Royal Oak, uma oportunidade imperdível.
Acho que meu dia estava começando a melhorar. Fui até a geladeira e peguei uma cerveja para comemorar.
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Com o pub completamente cheio, admito que estava um pouco nervoso. Peguei meu violão e tentei me imaginar no Kings e Queens, onde costumava tocar antes. Respirei profundamente, me apresentei e logo dei início a primeira canção. Conforme eu ia tocando o repertório, consegui notar que estava agradando o público e isso foi me tranquilizando, então aproveitei para tocar uma das músicas de minha autoria e a reação foi melhor do que eu esperava.
Terminei de tocar e então fui direto pedir informação ao barman, para saber onde estava o gerente ou alguém responsável, afinal eu precisava receber. Ele me avisou que logo a gerente do pub chegaria e me ofereceu uma cerveja, enquanto aguardava.
Entre um gole e outro, observava o local, as pessoas já estavam indo embora. Eu já estava ficando um pouco impaciente pela demora, olhei para o relógio e em seguida novamente para a entrada do pub.
– Não pode ser… – Balancei a cabeça negativamente. – Só pode ser brincadeira. – Proferi em voz alta, meus pensamentos.
– O quê? – O barman franziu a testa.
– Aquela ali… – indiquei com a cabeça. – Que mundo pequeno, aquela é uma doida que quase me atropelou hoje de manhã. – Contei meio em tom de deboche e larguei meu copo de cerveja na bancada do bar.
– Quem? A Pérola ? – O barman indagou.
– Como? – Arregalei os olhos, voltando minha atenção ao barman. – Você a conhece?
– Claro, ela é a sócia proprietária desse pub, meu caro amigo. – Respondeu com tom sarcástico e recolheu meu copo vazio da bancada.
– Não… não… – balancei a cabeça. Eu ainda não estava acreditando, não queria ter que ver essa mulher nunca mais na minha vida. Não é possível.
– Hey, Michael! – Ela debruçou-se sobre a bancada do bar. Naquela posição e com aquele vestido preto, que contornava seu corpo, foi inevitável me perder por alguns segundos, caramba! – Você sabe de quem é aquela moto branca que estava atrapalhando a minha vaga?
Moto branca, atrapalhando? Eu ouvi bem? Logo voltei a mim.
– Estava? – Dei um pulo do banco.
– É… – Ela olhou para o lado notando minha presença. – Eu meio que dei uma “esbarradinha” nela. – Encolheu os ombros. — É sua?
– Claro que é minha, sua… – cerrei os dentes, para não a ofender e então não pensei duas vezes e corri para fora do pub.
Primeiro de manhã e agora também? Meu sangue ferveu mais uma vez no dia de hoje, no instante em que vi minha preciosa moto caída perto da calçada. Rapidamente a levantei e engoli seco ao ver os arranhões pela lateral.
– Desculpa? – Ouvi novamente aquela voz familiar por trás de mim.
– Desculpa? – Minha respiração ficou descompassada. – O que mais você quer? – Gritei impaciente. Respirei profundamente e me virei de frente para ela. – Olha o que você fez. – Apontei para a moto, eu realmente havia atingido meu limite. – Primeiro quase me atropelou de manhã, agora a minha moto. – Gesticulei aos berros em plena calçada. A rua estava praticamente deserta àquela hora. – Qual é o seu problema?
– Ai meu Deus, é você! – Ela arregalou os olhos. – O cara distraído de hoje de manhã. – Completou.
– Eu? Distraído? – Essa mulher estava me tirando mais ainda do sério. Minha paciência estava por um fio.
– E-eu vou… – Levemente deu uma gaguejada. – E se eu te pagar o conserto. E… – Passou as mãos pelos cabelos.
– Chega… – a cortei e soltei o ar pesadamente, na tentativa de me acalmar. – E se? Sim, você vai pagar o conserto. É o mínimo que você pode fazer depois de ter me ferrado duas vezes em um só dia. – Desabafei de uma só vez.
– Calma, está bem? – Ela me encarou com uma expressão chocada pela minha reação.
– Olha, eu não fiz de propósito… – deu um passo para trás. – Só preciso ir buscar minha carteira, ok?
– E não esquece também o meu pagamento… – A lembrei antes que ela entrasse de volta no pub.
– Pagamento? – Virou o rosto para trás e franziu a testa, como se não tivesse nem ideia do que eu estava falando.
– É. O dinheiro que o músico que acabou de tocar no pub costuma receber no final? – Ironizei.
– Você é sempre assim tão i****a com as mulheres? – Respondeu ofendida. – Vem comigo até o escritório, então, Sr. Músico. – Ela só podia estar tentando me irritar mais uma vez, apenas bufei.
Permaneci calado e apenas a acompanhei de volta para dentro do pub. Como alguém conseguia ser tão insuportável, m*l a conhecia e já havia conseguido me tirar completamente do sério. Sem trocar mais nenhuma palavra a segui até o escritório no andar de cima.
– Olha… – ela pegou uma caneta. – Eu realmente sinto muito por tudo que aconteceu, mas infelizmente hoje não estou com cabeça para nada. – Falou com a voz calma. – Melhor eu preencher este cheque, logo. – Ela se abaixou próxima à escrivaninha para pegar sua bolsa e de lá tirou o talão de cheques. – Perdão? Qual seu nome mesmo, Michael me falou… É, Zack?
– É Zayn… – falei pausadamente por entre os dente. – M-A-L-I-K. – Soletrei meu sobrenome.
– Desculpa mesmo, Zayn. Hoje não está sendo um dia muito bom para mim. Eu admito que estava com a cabeça longe, aconteceram tantas coisas… – ela respirou fundo. – Bom, isso não vem ao caso. Só queria mesmo que soubesse que sinto muito. – Ela arrancou a folha de cheque e me entregou.
– Está bem, só não quero mais que os nossos caminhos se cruzem. – Guardei o cheque no bolso.
– E eu digo o mesmo. – Ela bufou e revirou os olhos. Bati a porta do escritório e desci as escadas o mais rápido que pude, tudo que eu queria era ir para casa e nunca mais voltar nesse pub.
Subi na moto, coloquei o capacete e arranquei a moto para o quanto antes eu ficar bem longe daquela maluca, melhor.