**Fabiene narrando**
Neste um ano e sete meses, minha vida tomou rumos inesperados. Tive o meu filho, cursei diversos cursos, abri a minha confeitaria e, talvez o mais surpreendente, casei-me. E sim, pode parecer um erro colossal ou talvez a melhor decisão da minha vida. Não consigo definir com clareza, mas o fato é que me casei com ele, o policial que conheci na praça. Eduardo nunca soube quem eu era de verdade. A decisão de me esconder e criar uma nova identidade parecia a única opção viável para mim na época.
Enquanto saio do banho e olho para o espelho, as cicatrizes do meu corpo refletem um passado doloroso. Mesmo depois de mais de 20 anos, essas marcas permanecem como lembretes constantes das batalhas que enfrentei. Cada uma delas tem uma história, e lembrar de como as adquiri traz uma dor que eu preferiria esquecer.
— Acho que deveria me contar sobre essas cicatrizes — Eduardo diz ao entrar no quarto, com Miguel em seu colo. O tom da sua voz é gentil, mas a preocupação é evidente em seus olhos. — Já estamos juntos há um ano. Não deve ter medo, deve confiar em mim.
Olho para ele, lutando para manter a calma. — São coisas que eu não gosto de lembrar. Prefiro deixar o passado onde ele está — respondo, tentando evitar o olhar penetrante dele.
— Eu te entendo — ele diz com compreensão. — Mas quando você estiver pronta para me contar, estarei aqui.
A sinceridade em sua voz é reconfortante. Sorrio para ele e digo: — Você é um anjo. Obrigada por tudo.
Eduardo sorri de volta, mas a expressão em seu rosto muda quando ele diz: — Precisamos conversar.
— Sobre o quê? — pergunto, já antecipando a preocupação em seu tom.
— Recebi um convite para assumir o comando no Rio de Janeiro — ele revela, e minha mente entra em colapso. Rio de Janeiro? Tento respirar fundo, tentando manter a tranquilidade, mas a inquietação se faz presente. Eduardo, sendo policial, tem uma habilidade impressionante para perceber qualquer sinal de nervosismo, e eu preciso disfarçar.
— E você aceitou? — pergunto, forçando-me a manter a calma.
— Ainda não — ele responde, aproximando-se e tocando meu rosto de maneira carinhosa. — Antes de tomar qualquer decisão, queria conversar com você. Você pode abrir uma confeitaria maior lá. Pense, você é maravilhosa na confeitaria. Imagine o que pode conquistar em uma cidade maior.
Eu hesito. — Eu não sei se quero ir embora daqui. Sei que é uma oportunidade única para você, mas este lugar é calmo, ideal para criar Miguel. Eu escolhi este lugar por isso.
— Eu ainda tenho um tempo para decidir — Eduardo diz, com um tom suave. — Não preciso decidir agora. O importante é que sei que seremos felizes em qualquer lugar.
Eu o olho, preocupada. — Não sei.
— Temos tempo — ele diz, oferecendo um beijo rápido antes de se afastar. — Vou até a delegacia. Conversamos melhor à noite.
— Tá bom — respondo, dando-lhe um sorriso amarelo, enquanto o medo ainda se instala em meu peito.
Eduardo coloca Miguel na cama, e o pequeno rapidamente pega seu ursinho para brincar. Enquanto o observo, não posso deixar de notar o quanto ele se parece com o Imperador. Miguel é uma réplica em miniatura, não só na aparência, mas também na personalidade. Isso me atormenta às vezes, porque me lembra constantemente do passado que tentei deixar para trás. A semelhança é tão forte que às vezes me enche de raiva, pois nunca consigo esquecer o Imperador, nem mesmo através de Miguel.
Sinto uma saudade profunda do morro e das pessoas que deixei lá. Pergunto-me se tomei a decisão certa ao partir, mas também me pergunto se ficar lá teria sido a escolha certa. O futuro parece incerto e a nostalgia que sinto é dolorosa.
**Flashback**
— Você sabe que fica ainda mais gata contando dinheiro assim — ele diz, parado na porta. Seu olhar é carregado de desejo e eu sorrio, uma mistura de sedução e ironia.
— Você deveria ter medo de mim — respondo, com uma provocação no tom.
— Eu tenho — ele admite, aproximando-se. — Você sabe que eu tenho. Depois que aprendeu a usar uma arma melhor do que eu...
— Não deveria ter ensinado — eu digo, com um sorriso malicioso.
— Eu quero você assim — ele afirma, parando na minha frente. — Do lado do seu Imperador, comandando o morro comigo. — Ele me beija.
**Flashback Off**
Miguel começa a chorar e eu me aproximo dele, pegando-o no colo. Temo que ele esteja com cólicas ou apenas precisando de conforto. Coloco-o no banho e, enquanto o faço, noto uma marca de nascença em sua coxa que é idêntica à do Imperador. É quase como se a vida estivesse zombando de mim, lembrando-me constantemente do passado que tentei deixar para trás. É frustrante saber que, mesmo com toda a raiva e mágoa que sinto, meu filho é a viva imagem de seu pai.
Às vezes, fico perturbada por ter escondido Miguel do Imperador. Mas, ao mesmo tempo, não posso esquecer a traição brutal que sofri. As cenas que vi, a traição e o desgosto que experimentei são lembranças que não consigo apagar. Uma lágrima escapa do meu olho, e eu a limpo rapidamente, determinada a não me deixar enfraquecer pela dor do passado.
O que realmente me incomoda agora é o fato de Eduardo ter recebido esse convite para o Rio de Janeiro. Não é a primeira vez que ele menciona a ideia de se mudar para lá e tenta me convencer de que seria uma boa oportunidade. Eu fico apreensiva, pensando no futuro e nas implicações dessa mudança. O medo do desconhecido e a preocupação com o que deixaremos para trás me assombram.
Eu sei que Eduardo está tentando me dar uma nova vida, um futuro promissor. No entanto, a ideia de começar de novo em um lugar tão diferente me assusta. Tenho que equilibrar meus sentimentos de saudade, medo e a necessidade de proteger o futuro de Miguel. O passado pode ser um lugar doloroso, mas o futuro é um mistério, e eu tenho que decidir se estou pronta para enfrentá-lo.