Quando cheguei em Barcelona, foi tudo diferente. Era a primeira vez que eu convivia com a minha mãe na mesma casa, e foi a primeira vez que a conheci realmente.
Ela era uma doida ciumenta, e como conheceu seu marido no puteiro, ela tinha medo de que ele seguisse frequentando prostíbulos. Então controlava cada passo dele, incluso o seguia e espiava.
Apesar disso, eu passei o ano escolar mais feliz da minha vida. Fiz muitos amigos, e comecei a sair. Eles me ajudavam a aprender o idioma e me tratavam muito bem. Provei álcool e drogas por primeira vez. Já que todos eles faziam a mesma coisa.
Os problemas de ciúme da Eduarda fizeram com que eles se separassem quando eu tinha 16 anos. No mesmo ano o meu avô faleceu. E eu não me despedi deste homem de 72 anos que sempre vivia bêbado no bar da esquina, mas no fim da tarde me trazia chocolate: dois batons pretos e um Laka; e sempre me dizia: "você é minha princesa", "você é inteligente", "você vai se formar, ser doutora, e o vovô o seu recepcionista". Por tanto, no mesmo ano, eu perdi as duas figuras masculinas da minha vida, as únicas que, apesar dos defeitos, foram os que mais se aproximaram da palavra "pai".
Quando a Eduarda se separou do Xavier nós ficamos sem teto por uma semana. Por sorte, ela se reencontrou com uma antiga amiga p**a que lhe alugou um apartamento de um quarto por um preço amigável, fazendo "o favor". Eu e a Eduarda havíamos combinado que não tinha problema, que éramos mãe e filha e que podíamos dormir juntas até podermos ter algo melhor. Então fomos morar neste lugar, "enquanto minha mãe buscava trabalho".
Mas ela acabou caindo no caminho que ela já conhecia, o da prostituição, ao só encontrar serviços de meia-jornada com salários medíocres. E neste mundo, ela se reencontrou com o Matias, o mafioso. Os dois começaram a namorar.
Todas as noites ele vinha dormir no nosso apartamento de um quarto. Com o início dessa relação eu fui reclutada para a sala do apartamento, onde eu dormia num colchão que eu mesma achei no lixo e trouxe para casa numa madrugada, a pé, morrendo de vergonha.
Todas as noites eu escutava os dois fodendo. A minha mãe dava uns gritos muito nojentos. Parecia que ela estava sofrendo.
E o mais importante, o Matias começou a bater na minha mãe praticamente todos os dias. Eu sofria muito. Sofria por ela, e sofria de medo. Me sentia desamparada e sozinha.
Foi nessa época que ela parou de ligar para a minha educação. Eu tive que me matricular de Primer de Bachiller sozinha. Fui de colégio em colégio tentando, eles me diziam que era a minha mãe quem deveria me matricular, por eu ser de menor.
Um diretor finalmente teve piedade de mim. Mas este colégio foi horrível. Deveria ser minha cara de poucos amigos, suponho, isso fazia as pessoas se afastarem, quiçá, má vibração.
Eu acabei deixando de ir à aula e comecei a faltar e a faltar. Além disso, a Eduarda demorou dois meses em comprar os meus livros didáticos e eu estava ficando com vergonha da cobrança dos professores e dos olhares maliciosos dos meus companheiros.
Então gastei um ano da minha vida indo todas as manhãs à uma biblioteca pública, escondendo da minha mãe que eu não ia na aula; sem amigos, sem dinheiro para passear, perdida no meu universo, buscando formas para mudar essa situação.
Neste ano eu comecei a investigar sobre reformas e decoração. E encontrei um objetivo genial para minha vida, que nada tinha que ver com o sonho de me dedicar à música: comprar casas em ruínas ─ que tinham um preço ridículo ─ reformá-las e revendê-las. Assim eu poderia conseguir uma margem de benefício do dobro do que houvera gastado. O problema é que eu era de menor. E a autorização de residência que eu tinha nem sequer me permitia trabalhar, ainda que dezesseis fosse a idade legal no país para começar.
Bom, aos dezessete anos, Eduarda e Matias finalmente decidiram mudar para um apartamento com dois quartos. Foi outro dia feliz na minha vida. Ainda me lembro da sensação de me deitar numa cama depois de um ano dormindo no chão.
Me animei tanto que decidi me matricular de novo e acabar o colegial. Foi neste ano que conheci o Marcos, o meu primeiro namorado. Um cozinheiro de 21 anos.
Era ele quem me ajudava com as minhas crises familiares, sempre muito atento e amável. Ele escutava todos os meus problemas. Inclusive, ele comprou um teclado para que eu voltasse a acreditar nos meus sonhos. Sempre que eu estava sozinha em casa, eu mexia nele, e de forma autodidata, aprendi a tocá-lo.
Quando acabei o colegial, aos dezenove, o meu namoro com o Marcos começou a se desgastar. Todos os fins de semana, quando tentávamos estar juntos, eu tinha que voltar para casa bem no meio de um programa ─ um jantar, um passeio, um jogo, o que fosse ─ com medo da minha mãe estar morta.
Ele terminou comigo dizendo que enquanto eu e ela não arrumássemos nossa situação familiar não dava mais para estarmos juntos. O Matias lhe havia ameaçado de morte e tudo, pois como pode-se imaginar, é um machista nojento que se achava e que se acha o meu dono, e dono da minha mãe. Eu aceitei o término da relação, afinal, eu não queria pôr a vida da pessoa que eu amava em risco. Nós seguimos sendo amigos, mas nos víamos cada vez menos. Até que o Marcos morreu de meningite, de repente. E no mesmo ano, a minha mãe ficou grávida do Matias.
Acho que depois de tudo isso, comecei a ficar louca.
Durante a gravidez da minha mãe, eu saía com as minhas amigas do colegial, bebia, me drogava, e pegava vários caras na mesma noite. Transava com uns três garotos diferentes por semana. E não dava e nem dou a mínima. Porque até hoje eu sigo igual.
De um certo modo, o fato de o Marcos ter terminado comigo me fez deixar de acreditar no amor verdadeiro. A vida é um momento passageiro. Ela passa, e vai embora. Então divirta-se.
Você será destruído mais cedo ou mais tarde.
Então por que não se auto-destruir?
Nada tem sentido. Ninguém ama ninguém de verdade. Ninguém acolhe ninguém.
Olha só, está tudo fodido.
E a tendência é a piorar.