Prólogo III / Daniel Ortega I

1092 Palavras
* * *   ─ Alô? ─ Digo, atendendo o meu celular. ─ Oi, p**a. Sou eu, Elisa. ─ diz a minha amiga, do outro lado. As duas damos uma gargalhada bem alta. ─ Oi, amiga. O que você está fazendo? ─ Sorrio, a escutando. ─ Estou me matriculando na Escola de Arte. ─ Ela responde. ─ Ué, na Escola de Arte? ─ Pergunto, curiosa. ─ Mas o que é que você pega lá nesse lugar? ─ Eu vou fazer um Ciclo Formativo de Moda antes de ir para a faculdade. Dizem que é altamente recomendável. E você? O que vai fazer da vida, sua louca? Já se decidiu? ─ Não tenho a mínima ideia. ─ Respondo, erguendo uma sobrancelha, e rascando a minha mesa com a ponta da unha. ─ Por que você não vem comigo dar uma olhada? Talvez haja algo por lá que você ache interessante. ─ Hm... ─ murmuro, cínica. Uma garota deprimida vai ter interesse pelo quê? ─ Vem! Por favor! ─ ela exclama, com o seu jeito adoravelmente convincente. ─ Escuta... ─ Elisa pergunta, me analisando. ─ Você e sua mãe estão bem? ─ Sim... ─ Digo, fraco. ─ Nós já acabamos de mudar para uma casa com dois quartos. Eles brigam todos os dias, mas não é nenhuma novidade. ─ Lhe conto. ─ Ai, ai. Entendi. Meu deus do céu. Não tem jeito mesmo, né? ─ Elisa pergunta, nervosa. ─ Sem chance. ─ Respondo, rindo de leve. ─ Vem comigo, amiga. ─ Ela diz, colocando um tom de voz apenado e suplicante, mimoso. ─ E dá uma olhada na oferta acadêmica. ─ Vou sim, não tenho nada para fazer mesmo. ─ Respondo, descrente. ─ Dizem que nessa Escola de Arte todos os alunos são muito autênticos, excêntricos, gente boa e muito loucos. ─ Ah, é? ─ Pergunto, animada, como se o meu corpo houvesse recobrado a vida. ─ Sim, sim. Elisa ri, maliciosamente. E neste dia, ainda nas férias de verão, eu fui com a minha melhor amiga nesta Escola de Arte. O lugar tem umas instalações mais do que aceitáveis, se comparado com as escolas públicas brasileiras. Não chega a ser um Palácio Real, mas é bem bonito e cumpre sua função. Há várias salas de aulas, há murais onde os alunos expõe seus trabalhos, há armários, e há uma oferta formativa razoavelmente extensa. Dá para estudar Escultura, Música, Fotografia, Desenho Gráfico, Ilustração, Confecção de Vestuário e Arquitetura Efêmera. A Elisa, que é nascida aqui, me explicou que estamos num país onde, culturalmente, os jovens saem de casa no primeiro ano da Faculdade para morar sozinhos, tradicionalmente indo para uma cidade diferente. Os jovens de classe alta têm suas despesas arcadas por seus pais. Como não? Já os de classe média possuem outros métodos. Muitos decidem fazer um Ciclo Formativo de Grau Superior primeiro. Desta forma é possível ser Técnico em algo, ter uma profissão, para poder trabalhar e estudar ao mesmo tempo ao começar a Faculdade; pagando as próprias contas e despesas. Que bom que ela me explicou, já que não tem ninguém em casa com juízo para me orientar. Acabei me matriculando em Desenho Gráfico, na Escola de Arte de Barcelona. Não que este seja o sonho da minha vida. Eu estou bem perdida, nem sei o que quero dela. Já sou velha demais para entrar no Conservatório da grande e sumptuosa capital de Catalunha. Eu estou indo para socializar mesmo. Preciso de pessoas boas ao meu redor, pessoas além da minha melhor amiga. Mais pessoas. Mais família. Pessoas assim, desse estilo que a Elisa disse que havia. Mal posso esperar. *** C A P Í T U L O 1 DANIEL ORTEGA Estamos na primeira quinzena de agosto de 2014. Eu e Elisa acabamos de pegar as duas chaves dos armários que nos entregaram na secretaria e agora estamos caçando-os pelos corredores, por curiosidade. O meu armário é o número 12, e o dela o 13. Em cada andar da Escola de Arte há uma fileira deles pregados na parede. Sem dizer nada, vou descendo as escadas com minha amiga. ─ Estou muito ansiosa para começar! - Diz Elisa, dando uma leve chacoalhada de empolgue com seu corpo, me fazendo sorrir. Gosto de pessoas animadas como ela. ─ Eu também. - Respondo, cúmplice. Não que eu esteja empolgadíssima, mas bom, talvez estudar aqui me traga coisas boas. ─ O que você vai fazer agora? - Ela pergunta, sorrindo. ─ Vou voltar para casa, ver como as coisas estão e, sei lá, talvez eu saia mais tarde. ─ Mmm... - Ela murmura. - Se você quiser sair para tomar uma cerveja me avisa. Hoje eu estou com muita vontade de me divertir. - Elisa para de andar, sorri e prega um selinho na minha boca. Depois disso ele dá um risinho divertido. Fico vermelha. Logo seguro o seu rosto e retribuo, de olhos fechados. Minha amiga é bissexual. E tem um comportamento e umas tendências bem dominantes, digamos. Eu me considero hetero, mas costumo beijá-la quando ela me beija. Inclusive quando saímos juntas, muitas vezes acabamos dando beijos de língua bem quentes e profundos em discotecas. Certa vez, um cara jogou um copo inteiro de Cuba Libre na nossa cabeça. Foi aí que eu vi que poderia ser problemático beijá-la em público. Na mesma noite, alguns homens tiraram fotos de nós duas enquanto nos enrolávamos. ─ Para, Elisa. Vão pensar que namoramos. - Digo, sussurrando, olhando para alguns alunos que estão pelos corredores procurando os armários deles, ou só conversando. Alguns nos observaram momentaneamente, mas logo se giraram para cuidar de suas próprias vidas. Elisa ri alto. ─ Ué. Mas você é minha mulher. Não é não? - pergunta ela, brincando, e avançando contra mim com um grande sorriso. Acabo rindo muito corada. ─ Não. Eu gosto de p*u. - A provoco, avançando alguns passos, retribuindo-lhe um sorriso ladeado e sexy. ─ Quando você vai me chupar? Em? - Ela ri, vermelha, gostando da minha cara. ─ Não sei se estou preparada para isso. - Rio, tampando a boca. ─ Sua sem graça. - Ela gargalha baixinho, pegando meu braço. É outro costume que a Elisa tem. Na rua ela anda agarrando meu braço, como se fossemos esposas. Detalhe, ela tem namorado. Mas os dois tem suas próprias condições dentro do relacionamento e o que a Elisa faz comigo, e com outras amigas suas, parece estar incluído no acordo. Não que eu saiba dos detalhes mais sórdidos; mas suponho. Entre sorrisos, paramos mudas para observar os armários. E começamos a analisar os desenhos.
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