Nós (Aline)

1927 Palavras
Foram três batidas na porta no meio da madrugada. Abri os olhos. Uma pessoa normal poderia até ter se assustado, achado que era o demônio, ainda mais depois de olhar para o relógio sobre a mesa de cabeceira e perceber o grande perigo: 3h00. A hora do d***o, não é o que dizem?   Olhei para o lado, Marcos roncava da mesma maneira irritante de costume, a boca meio aberta com baba escorrendo até o queixo. Esse tipo de cena sempre me fez zoar o meu marido, já que ver a pessoa com que você transa de uma forma tão tosca te faz perder o t***o… às vezes.  Levantei, decidida, já sabendo o que me esperava do outro lado da porta. Quando a abri, lá estava ele: Ricardo Ricaço. Estava sem camisa e com um volume na cueca preta que chamava a atenção de qualquer um. Era a hora do d***o, estava comprovado.  — Ele tá dormindo? — Ricardo sussurrou enquanto dava um passo em minha direção, já dentro do quarto.  — Sim. Ele tem um sono pesado. Nem precisa sussurrar — disse, o sorriso se formando bem naturalmente em meus lábios.  — Eu quero te comer aqui. Na frente dele — disse Ricardo ao me pegar pela cintura. Nossos corpos grudados, ele com aquele olhar matador... Minhas pernas ameaçaram me deixar na mão.  — Ai… — falei de uma maneira ridícula, digno de uma cena de filme pornô. — Não é perigoso?  — Aline — Marcos gritou. Foi quando eu abri os olhos e percebi que estava sonhando. Ou melhor, delirando. — p***a, seu estraga prazer. — Peguei o travesseiro ao meu lado e joguei em meu marido. — Merda. — Ué, vai perder o passeio chique de barco? — Marcos jogou o travesseiro de volta em mim, depois riu. — Eu te deixo aí e fico com o ricaço só pra mim. Você que sabe. — Até parece. — Revirei os olhos e bocejei. — Que horas são?  O dono da pizzaria não era um qualquer, no fim das contas. Já dentro da lancha (que pra mim parecia mais um navio, de tão grande), Marcos e eu cumprimentamos  o tal amigo de Ricardo, dono do Titanic que passeamos naquela tarde ensolarada maravilhosa, nosso segundo dia de férias.  — Vão ficar quanto tempo aqui em Arraial? — Caio perguntou olhando para Marcos após um aperto de mão.  — Até o próximo final de semana, né? — Ricardo respondeu ao amigo por nós.  — Isso, isso. É que vamos passar o natal com a família da Aline — disse Marcos me abrançando de lado.  — Bom, então temos que aproveitar o pouco tempo que temos, certo? — disse o amigo do Ricardo Ricaço (que também era ricaço, aliás).  — Desculpa a intromissão, mas você é casado? — perguntei olhando para Caio. No mesmo instante, percebi o rosto de Marcos ficar vermelho apenas pelo meu olhar periférico.  — Ah, não. Quer dizer — Caio desviou o olhar enquanto nos mostrava um sorriso falso. — É que eu ainda não me divorciei oficialmente... Olhei para Ricardo, que não sabia onde enfiar a cara. Caio levou a mão direita à esquerda, como que tentando esconder a aliança. Tadinho. Naquele momento, pareceu ainda mais novo e e******o. Tive pena. Quer dizer, o t***o diminuiu um pouco depois de saber que ele não era mais casado, mas, ainda assim, aquela carinha dele meio triste… Homem chorando é uma coisa que me causa um prazer inexplicável.  — Bom, o que acham de uma champagne? Tem aí? — Ricardo, tentando quebrar o gelo, perguntou ao amigo colocando uma de suas mãos pesadas (e que formariam um belo colar em qualquer pescoço) no ombro dele.  — Quer saber? — Meio que saindo de seu transe melancólico, Caio olhou para nós com aquele olhar trêmulo de quem está prestes a chorar. — Obrigado por me fazer enxergar que é idiotice ficar com essa droga no dedo. De uma maneira dramática, porém ainda dentro dos padrões da vida real (não teve uma música triste de fundo, como nos filmes), ele sorriu para mim, grato pela minha indelicadeza e falta de educação, depois puxou a aliança grossa e dourada da mão esquerda e jogou o pequeno objeto brilhante no mar.  — Vamos lá? — Caio disse em seguida, abrindo um sorriso. Depois, se dirigiu ao volante de sua lancha.  Já com o pequeno navio em movimento, deixei Marcos conversando com os dois homens e fui para a parte da frente do Titanic, onde Marcele cuidava do irmão mais novo. Como estávamos bem devagar, foi super gostoso poder ver a praia de longe, observar a paisagem, o mar, o sol atingir a minha pele coberta pela saída de praia meio vagabunda.  — Isso tá preso direito? — perguntei já conferindo o colete salva-vidas em Murilo. Já tinha sete anos e bem comprido, mas todo cuidado com criança é sempre pouco. Apesar de tudo, eu ainda assim era uma mãe. — Tá sim — Marcele resmungou sem nem tirar os olhos do celular. — Ai, sabe quem tá me perturbando desde ontem? — O seu pai — disse, e ela fez que sim com a cabeça enquanto passava a mão nos cabelos cheio de frizz.  — O Cláudio. Meu pai é o Marcos.  — Tem certas coisas na vida que a gente não escolhe, minha filha. Mas, você perdoa, sua mãe, né? O Cláudio foi o único erro que eu cometi na vida. Juro pela sua vó. Engravidar aos dezesseis anos? Difícil. Engravidas aos dezesseis anos de um merda feito o Cláudio? Uma sensação terrível e inexplicável. — Tem erro que é imperdoável, né? — Marcele revirou os olhos e sorriu. — Ai, eu postei um story da praia ontem, aí ele viu e… — Iih — eu tive que interromper. — Deve tá achando que a gente tá montado na grana. Coitado. Eu te falei pra bloquear ele. Silenciar, sei lá. — Eu quase não posto nada, acabei esquecendo. Enfim. Agora ele tá mandando mensagem, ligando. Um porre. Que saco. — Eu gosto do tio Cláudio — Murilo disse, fazendo a gente rir. — Ele me deixou jogar no PlayStation dele naquela vez na casa dele.  — Aquele PlayStation nem era dele, sabia? — Marcele tentou estragar a felicidade do irmão.  — Não? — ele perguntou mais para si mesmo do que para nós duas.  — Esquece isso — disse ao menino. — E desliga esse celular. Coloca no modo avião. Depois eu me viro com o Cláudio. Agora vamos curtir esse lugar maravilhoso! Depois de muita champagne, vinho, camarão e fotos de família tradicional para a família curtir e comentar no f*******:, Caio nos levou a uma praia minúscula mais afastada. Um pequeno grupo de amigos curtiam o sol na areia branca e curta, e só. Provavelmente haviam chegado ali pela trilha, já que não havia outro barco à vista. Murilo adorou ter a água só pra ele, ainda mais depois que os homens se juntaram para brincar de bola (emprestada pelo tal grupo de amigos).  — Aqui, a ex-mulher do Caio — Marcele me mostrou no celular a foto de uma mulher magra, de pele n***a, vinte e tantos anos, quase trinta, acho, e cabelos cacheados na altura do ombro.  — Que isso? Fica ouvindo a conversa dos adultos agora? — disse antes de pegar o celular da mão dela. Dei uma espiada nos meninos de relance, que agora estavam na água.  — Eu não sou nenhuma criança, pelo amor — respondeu a garota abusada. Teve a quem puxar. — Ela é bem bonita — disse depois de analisar um pouco melhor a foto da moça, que por acaso foi tirada em uma praia. Estava de biquini branco.  — Ela já tá até com outro. — Mentira?  — Passa pro lado. — Meu Deus. Nossa, que gostoso.  — Mãe? — Marcele riu, pegando o celular de volta.  — Ridícula. — Até parece que não conhece a sua mãe. — Empurrei ela com o ombro, rindo. — Nossa, coitado. Um homem novo desses, bonito, rico… — E corno — Marcele completou. — Mais respeito com o rapaz, por favor? — Olhei para ela indignada, rindo, e acabamos caindo na gargalhada juntas.  *** Ficamos na praia pelo resto do dia e voltamos no fim da tarde. Marcele provavelmente achou que eu não vi, mas eu notei ela se engraçando com uma garota daquele grupinho de amigos que estavam por lá. À essa altura da vida, ela já deveria saber que a mãe dela nunca foi nem um pouco careta, mas eu resolvi deixar ela me contar no próprio tempo. Talvez fosse por causa de Marcos. Ele também nunca foi preconceituoso, mas homem às vezes tem aquela reação escrota: “Ah, gosta de mulher, puxou o pai”. Enfim. A gente pensa que conhece as pessoas, mas em certas situações elas conseguem cagar toda a imagem que temos sobre elas. De qualquer forma, antes de ser filha postiça dele, ela sempre foi a minha filha. Talvez eu devesse jogar uma indireta aqui e ali, mas ela com certeza ela se faria de desentendida. Adolescentes... Um porre. Mas, como eu disse, apesar de tudo, ainda era uma mãe. Sempre vou ser.  — Hoje o jantar vai ser pelas mãos do chef, hein — Ricardo esfregou as mãos e se levantou do sofá. — Já são sete horas — disse, olhando para o relógio grande e dourado em seu pulso. — Vou começar os trabalhos na cozinha.  — O que você vai fazer — Marcos perguntou ao primo.  — Surpresa — respondeu o ricaço com aquele sorriso de dentes branquíssimos.  — Eu vou bem comprar umas cervejas pra gente. — Meu marido também se levantou. — Não me leva a m*l, primo, mas é que nada substitui a cerveja. Mas o seu vinho é maravilhoso. Sério mesmo. — Esse aí tem paladar de pobre, não tem jeito — disse olhando para Ricardo, que riu.  — Gente, fiquem à vontade. Se você quiser eu peço pra entregar aqui, quer? — Não, que isso, eu vou lá. É rapidinho. Aproveito e dou uma olhada na orla. Não é todo dia que tenho férias num lugar desses, né? — Você que sabe. Bom, eu vou cozinhar — Ricardo se virou e foi em direção à cozinha, a alguns bons passos da sala enorme.  — Eu vou lá. Quer alguma coisa, Ricardo? — Marcos perguntou a ele olhando para mim. Ricardo disse que “não, obrigado”, sem nem olhar para a sala, focado em achar alguma coisa em seu armário chiquérrimo da cozinha. — Então, tá bom. Filho, quer ir com o papai? Murilo, que estava sentado ao meu lado, distraído com algum vídeo no meu celular, sorriu para o pai e concordou em ir sem pensar muito. Antes de sair, Marcos olhou para mim, sério. Era o sinal.  Marcele estava no quarto, provavelmente de fones de ouvido tocando alguma daquelas músicas malucas em japonês que ela costumava ouvir. Uma leve adaptação na hora do d***o, já que eram 19h06 quando me levantei e caminhei até a cozinha, até Ricardo. A primeira investida em homens como ele geralmente é discreta, mas eu estava disposta a mudar um pouco o meu estilo de abordagem dessa vez.  — Quer ajuda? — perguntei enquanto involuntariamente colocava uma mecha do cabelo para trás da orelha. Tive que conter o riso quando ele olhou para mim, já que neste momento eu acabei me lembrando do sonho bizarro que eu havia tido na noite anterior.
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