Capítulo 3

2337 Palavras
O sol n***o estava em seu auge, mas o dia permanecia frio e enquanto o general Asher - sentado em uma das seis poltronas dispostas a frente da escrivaninha de ônix -, fazia uma pequena adaga de prata tilintar entre suas garras, o príncipe Astaroth deslizava os dedos sobre as escrituras a sua frente. Inúmeros papéis e livros, empoleirados à sua espera. Quem arriscaria dizer que existia tanta burocracia dentro do inferno? A poltrona de couro de dragão que se assemelhava em estrutura com um trono, o acolhendo como seu único senhor. Para ele, cada mísero centímetro daquela sala, era mapeado em sua mente. As três janelas à esquerda, acompanhadas de grandes prateleiras encantadas. O alvo a direita, na parte mais alta da parede. As duas grandes portas com detalhes de ouro maciço por suas bordas e maçanetas..., tudo sempre continuava... igual.   — Sem sinal de Riel? — Asher questionou por fim. A impaciência costumeira do general era algo com o qual Astaroth já havia se acostumado. O príncipe que movia apenas seus dedos sobre as folhas amareladas, negou gentilmente com a cabeça, deixando que a sala caísse novamente em um silêncio acolhedor que não durou muito tempo, já que o general parecia determinado em interrogá-lo. — Nenhuma informação sobre o colapso? Pensei que Avalon fosse mais rápida... — O general resmungou e o príncipe pode ouvir a pequena lâmina cortar o ar enquanto era lançada para o alvo do outro lado da sala. A exatamente três noites atrás, algo havia abalado os cosmos. Os arautos e arcanjos, estavam chamando o ocorrido de colapso, um nome bonito para esconder que na verdade, eles não faziam a menor ideia do que estava acontecendo. E o que quer que fosse, havia deixado rachaduras do céu ao inferno. — Você sempre pode ir até lá e descobrir sozinho, ah não... você não pode — Astaroth provocou, os lábios rosados se curvaram para cima em um sorriso malicioso e como resposta, pode ouvir as garras de Asher arranharem os braços da poltrona. — Você deveria descobrir. Não é você o príncipe todo poderoso de Arshad? — Asher bufou entredentes e as portas do escritório foram abertas em um único movimento, os passos delicados e o farfalhar de seda, denunciaram Avalon, que os interrompeu resmungando. — Vocês parecem um casal mortal, parem. Isso me dá náuseas. Vindo da grã princesa do primeiro território, aquelas palavras pareciam gentis. Ou ao menos, o melhor que conseguiriam vindo dela para o general terianiano. — E o que não te náuseas, salamander? — Asher sibilou o apelido nada carinhoso que o arauto carregava após um incidente a alguns milênios, e o príncipe pode ouvir o ronronar reprimido da fêmea. Um passo foi o necessário para que ela surgisse à frente do general. — Esqueceu a sensação de como é ser queimado vivo? — Avalon rosnou tamborilando as unhas pontudas, pelo braço de ouro maciço da poltrona como uma ameaça. Astaroth podia ouvir a respiração de ambos – a de Avalon, ofegante, como um animal prestes a atacar e a de Asher, calma, suave e fria –, se misturando a centímetros um do outro. — Como eu poderia esquecer? — devolveu o general, com a malícia comuneira. — Se continuarem assim, vocês serão o casal mortal e eu o amante do general. — O príncipe insinuou, tentando mudar o tom da conversa, antes que um combate se iniciasse e outra tapeçaria fosse estragada. — Se eu fosse a esposa de Asher, eu envenenaria seu chá todas as manhãs. — Avalon sussurrou com deboche. — Se eu fosse seu marido, salamander, eu beberia o chá. — Asher respondeu em tom felino, o sorriso em sua voz era notável. Era na mão deles que o primeiro território se encontrava – ao menos de forma parcial. O príncipe suspirou — Por favor! Usem um quarto, eu não sou obrigado a ver isso — disse, levando uma das mãos aos olhos de forma teatral. — Você não veria, nem se quisesse — Asher sibilou de forma irônica. — Fazendo piadinhas maldosas com cegos, general? Você vai acabar indo pro inferno desse jeito. — O príncipe ronronou, abrindo um largo sorriso para ambos. — Pelos deuses, não me diga... — Asher murmurou enquanto uma nova lâmina tilintava entre suas garras e em um movimento rápido, pode-se ouvir ela cortar o ar e roçar a pele de Avalon, antes de acertar novamente o centro do alvo. Asher e Avalon eram como imãs do mesmo polo. Se repeliam em total e completo sentido. Avalon, uma bruxa que desceu ao inferno e abriu mão de sua alma por vingança. Sempre sanguinária, porém calculista e manipuladora. Asher, um terianiano orgulhoso e frio. Carregado pelo sarcasmo e crueldade que só habitava dentro daqueles que se denominavam: os primeiros. Astaroth se jogou contra a poltrona, o barulho reconfortante do couro estalando ao toque e a sensação de seu corpo sendo acolhido o fez esquecer os murmúrios e rosnados que o general e o arauto trocavam. Ele preferia que as coisas fossem dessa forma, preferia nunca admitir aos dois que as memórias daquela noite, ainda o assombravam. Havia tanto sangue em suas mãos e nos lençóis. Suas calças e camisa estavam encharcadas – ele podia sentir –, assim como seus braços enquanto ele a erguia do colchão. Havia vozes do outro lado da porta, mas nenhuma parecia lamentar. — Por que? — a voz dela o atingiu. Fraca, falha, como um último suspiro. — Porque te quebraram. Eu gosto de coisas quebradas. — Ele respondeu sentindo as sombras do quarto frio e solitário o abraçar. Seus olhos se fecharam e suas asas se retesaram enquanto ele grunhiu de dor e os músculos a muito deixados de lado, trabalharam quando a escuridão o tomou. As sombras sussurrando o caminho e os passos se tornaram mais longos e rápidos. Com os lábios curvados em um sorriso vazio, Astaroth contemplou a escuridão. Os sons a sua volta denunciavam cada ser vivo. Cada murmúrio, sorriso, poeira. Era capaz de sentir até mesmo o cheiro de Noire no lado oeste de Keeran, perdida em seus próprios assuntos. Mas nunca a ver. Nunca ver o céu carmesim ou as luas solitárias que seguiam o sol n***o no sexto dia da semana. — Astaroth — foi a voz de Avalon que o trouxe de volta a sala de reuniões, ele suspirou, permitindo que o ar fresco preenchesse seus pulmões e enquanto os passos de Asher denunciavam sua movimentação na direção da escrivaninha. O príncipe ergueu-se na poltrona de forma altiva, demonstrando estar pronto para ouvir. — Houve uma movimentação estranha no terceiro território, mas não consegui nenhuma informação vinda de Melek. — Avalon disse a contra gosto. As palavras pareciam amargas em sua boca e Astaroth sabia o porquê. O arauto odiava falhar. — As sombras estão conturbadas — O general acrescentou. Mais uma péssima notícia. O farfalhar de seda, indicou a movimentação de Avalon e o príncipe soube que algo desagradável viria a seguir. — Odeio sugerir isso, mas... talvez seja hora de convocar uma reunião. — O arauto murmurou. A ideia era desagradável, mas ninguém deixou isso tão óbvio quanto Asher, que desencadeou uma onda de poder ao ouvir as palavras de Avalon. Uma onda que repercutiria por todo o território. Astaroth suspirou, não era uma boa ideia. Não quando ele tinha tanto a perder e eles não faziam ideia do que havia acontecido. — Não. Eles virão até nós, eles sempre vêm. E não podemos arriscar que os príncipes descubram sobre Noire. O colapso cobriu seus vestígios. — Eles vão saber... Lúcifer nunca deixaria algo assim passar... — Avalon argumentou. — Lúcifer não é o problema — Ele disse entre dentes, não querendo admitir em voz alta. — Asmodeus é o problema. — Completou Asher, jogando as palavras não ditas ao ar. — Pensei que o via mais como um parceiro — Avalon provocou. — Ele é bom... — o general murmurou com os lábios curvados para cima de forma maliciosa — mas ainda é um maldito filho da p**a. — E não perderia a chance de transformar isso em uma guerra interna entre os territórios... — Avalon concluiu, suspirando pesadamente.  Ela estava certa. Ele não perderia.  — então o que faremos? — Esperamos. Riel e Aere voltarão e com elas... teremos respostas. Eu espero. — Astaroth sussurrou, deixando que as sombras acolhessem seu silêncio, enquanto Avalon sussurrava em sua mente. “Arriscado esperar tanto”. “Não posso arriscar me precipitando...” ele respondeu. “Então é melhor que a garota se torne forte o suficiente para lutar. Porque logo eles virão à sua procura” ela sibilou. “Eu os enfrentarei” “Nem mesmo você é capaz de destruir todos os solares sozinho” argumentou “Eu estarei sozinho, Avalon?” O riso do arauto foi a confirmação da qual ele precisava, enquanto ela rastejava por sua mente. “Nunca estará sozinho, meu príncipe”.                                                                                          ☽☀☾   Noire ergueu o rosto para o céu carmesim enquanto pensava nas palavras de Avalon. Chegaria um dia onde ela se arrependeria da escolha que havia feito? Que desejaria se juntar a algo maior? Bufou entre dentes com a ideia. Não. Fazer parte de algo “grande” onde “todos” estariam juntos em uma só consciência não parecia algo que ela faria. Sua mente era... deturbada demais para isso. Pessoal demais. Cinco criadas haviam ficado responsáveis por cuidar da torre onde ela agora estava hospedada. Suas refeições mais simples, como chás, dejejuns ou lanches, seriam preparadas por elas, assim como todo e qualquer desejo. Desde roupas, joias ou até mudança de móveis e tapeçarias. Mas para ela era agradável a tonalidade que tomava o lugar. As paredes negras, os móveis que alternavam de ônix e pedra da lua, com lindos brocados de prata em tapeçarias de um verde esmeralda. — Devo preparar seu banho, senhora? — disse uma voz feminina doce e agradável. Os olhos negros de Noire, recaíram sobre o pequeno ser, que não devia ter mais de 1,64 de altura. Era uma das criadas que ali se apresentava. Uma infernal de pele rosada e cabelos ruivos, os chifres eram curvados para baixo e ornados com prata e pequenas pedras de âmbar, agarradas a pequenas argolas. Seus olhos, assim como os das duas criadas que acompanharam Avalon e os criados que foram designados para a torre, estavam vendados. Parecia quase um costume entre eles, um costume que atiçou a curiosidade da garota. Um vestido n***o com bordados em prata, tinha em seu corpo o caimento perfeito. E a infernal se curvou assim que o corpo da garota havia se virado por completo. — Emerin Merit — se apresentou — sou a criada encarregada da senhorita. — Noire. — Respondeu simplesmente — e não precisa de tanta... formalidade. — Como desejar... então... devo preparar seu banho? — Sim, obrigada. Antes que seus olhos se acostumarem à imagem de Emerin, ela se foi. O barulho da água pode ser ouvido e Noire suspirou, sentindo a brisa gelada, vinda de sua janela. O sol n***o que tingia o céu em um lindo tom de bordô, estava próximo a se por e as duas luas surgiam, indicando que logo, a noite viria e com ela, o primeiro “encontro” com aqueles que tomavam Keeran como casa. Ela se banhou com a ajuda da infernal e até que a água tocasse sua pele, não havia se sentido tão suja. Como se a realidade ainda não houvesse a tocado. Emerin possuía dedos delicados e ágeis, que logo a levaram a relaxar, tanto que se viu divagando sobre aquele lugar.   — Por que todos usam essa venda? — se viu perguntando, antes que conseguisse controlar a linha tênue entre seu pensar e falar. — Por que as estrelas brilham? — Emerin murmurou como se essa fosse sua melhor resposta. — Porque as estrelas são feitas de hidrogênio que é comprimido e transformado em gás hélio, que produz energia?! — questionou Noire de forma confusa. Era a resposta que lhe parecia mais óbvia.  Emerin bufou e com a mesma delicadeza que deslizou a toalha pelo corpo magro do arauto, tocou seu queixo a fazendo fita-la. Aquele rosto belo e jovem, de traços infernais. — Não, doce arauto. As estrelas brilham porque é isso que elas sabem fazer. Aquelas palavras não respondiam as suas dúvidas e curiosidades, mas de certa forma, Noire sentiu que entendia seu significado.  Após quase duas horas, Emerin deu-se por satisfeita. Os cabelos negros estavam lindamente trançados com fios de prata. Uma tiara que carregava duas meias-luas, ornava sua testa e uma peça peculiar tomava seu corpo. Um vestido longo e n***o, com correntes de prata nas costas desnudas, segurando um dragão esguio como uma serpente, com as asas próximas ao corpo e a cabeça curvada. Emerin com toques delicados, vestiu suas mãos com um conjunto de luvas negras, que ornava do seu braço, até a ponta dos dedos com espirais feitas de prata e pequenas esmeraldas, que ao fim, transformava suas unhas em garras. “Um presente de Avalon” a infernal havia dito e ao se recordar dos olhos carmesins que brilhavam em malícia, Noire sentiu que aceitar, seria o melhor a se fazer. E como se seu pensamento evocasse a fêmea de pele ébano, Avalon surgiu. A definição para a imagem que os seus olhos captaram, era perfeição. Avalon parecia a representação de uma deusa. Os cabelos cacheados e castanhos emolduravam uma coroa dourada com pontas, e desciam por suas costas e ombros. Os olhos, com um lindo delineado, brilhavam em um carmim tão puro quanto aquele que pintava seus lábios, como se o seu poder estivesse transbordando. E em seu corpo, um espartilho de ouro e rubi parecia se ajustar a suas curvas, exaltando seus belos s***s e suas tatuagens, enquanto a saia de seda bordô, descia com um caimento perfeito e duas grandes fendas que eram vistas apenas quando a fêmea se movia.                                                                                           ☽☀☾  
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