— Bom dia. — Digo para ninguém em específico assim que apareço na sala, onde Laura e o meu pai estão colocando umas caixas de papelão empilhadas alí no canto. Esfrego os meus olhos e observo a cena, meio apreensivo com a situação. Acho que a ficha de que isso realmente está acontecendo só caiu agora.
— Bom dia, querido. — Laura vem até mim com um sorriso bonito no rosto, passando os braços ao meu redor e me abraçando, precisando se curvar um pouco para conseguir fazer isso, porque eu sou mais baixo que ela (em minha defesa, ela parece um poste! E é quase da altura do meu pai).
Ela é tão gentil e bacana que eu quase fico irritado comigo mesmo por não querê-la aqui conosco.
Quase.
— Faz muito tempo que vocês chegaram? — Pergunto, devolvendo o abraço. Laura é esguia, tem um cabelo loiro meio platinado e belos olhos castanho claros.
— Nós chegamos à alguns minutos. — Ela responde, bagunçando os meus cachos ruivos cuidadosamente arrumados pouco tempo atrás, mas isso não tem a menor importância, porque a minha atenção está focada no bendito "Nós" que deu indício à sua frase, deixando subtendido que o filho dela também está incluso no pacote.
Nem acredito que meu pai vai colocar um desconhecido aqui dentro sem mais nem menos.
Bom. Pelo menos pra mim esse i****a é um completo desconhecido, já que nunca o vi em toda a minha vida!! Tudo que sei sobre ele é o que meu pai chega falando sempre que ia à antiga casa de Laura jantar, ou fazer fazer alguma coisa assim, então a lista de coisas sobre esse cara que eu sei se resume em:
1) ele é dois anos mais velho que eu. (Tenho 16, aliás).
2) Vai mudar para a minha escola, porque a antiga fica bem longe de Copacabana.
3) Seu nome é Lucas.
Merda. Eu já começo essa batalha claramente em desvantagem. Sem saber praticamente nada sobre o meu oponente.
— Tem café e bolo em cima da mesa da cozinha, filho. — Meu pai quebra a minha língua de raciocínio, sem se virar para mim, enquanto termina de empilhar as caixas alí no canto.
— Vou lá comer e daqui a pouquinho volto para ajudar vocês. — Murmuro, em parte por realmente estar com fome, e em parte por querer adiar essa inevitável socialização em família por o máximo de tempo possível.
Não espero a resposta de nenhum dos dois, antes de começar a andar em direção à nossa cozinha, desviando de uma série de caixas que há pelo caminho.
(***)
No momento em que tomo um belo gole do capuccino desnatado e com chocolate, declaro automaticamente Laura a rainha da minha existência por fazer a melhor bebida que já provei em toda a minha vida. E olha que o meu favorito é um café simples e sem muita frescura.
Estou traindo as minhas próprias idealizações por gostar tanto dela mesmo não à querendo morando aqui com a gente? Talvez, mas resolvo não pensar muito sobre isso.
Em parte, acho que estou sendo tão mesquinho assim porque quero continuar tendo o meu pai só pra mim. Eu gosto de como no nosso tempo livre sempre damos um jeito de fazer coisas juntas, nem que seja apenas para ficarmos jogados no sofá assistindo algum episódio da série do momento, enquanto um silêncio confortável se instala ao nosso redor.
Talvez esteja com medo de que a proximidade faça ele precisar dividir o seu tempo livre com mais duas pessoas, e eu confesso que não quero isso de jeito nenhum. Meu pai é tudo que eu tenho, e com certeza a pessoa que eu mais amo nessa vida.
Antes, quando ele é Laura namoravam sem terem inventado esse lance de morar juntos, eles só se viam algumas vezes por semana, e isso era o suficiente para eu ignorar (ou pelo menos tentar) essa falta de um tempo com meu pai só pra gente.
Acho que estou sendo mesquinho pra caramba, mas isso não me deixa menos incomodado com toda a situação. E além disso, não é como se houvesse alguma coisa que eu poderia fazer para impedir essa m***a toda de acontecer, até porque o mundo não gira em torno de mim e das minhas vontades.
Soltando um suspiro rápido, movo a minha atenção para o pedaço de bolo que Laura deve ter colocado cuidadosamente no prato para mim. O recheio de morango está praticamente se desmanchando, e isso por si só é o suficiente para me fazer ignorar a dorzinha que cresce no meu coração e focar completamente no meu café da manhã.
Pego um garfo na gaveta de armário e volto para a mesa, antes de atacar o meu pedaço de bolo sem pressa alguma.
Confesso que demorou muito pra eu começar a comer o que quisesse sem me sentir culpado, e devo agradecer ao meu pai por isso, porque ele sempre me apoiou em tudo e nunca criticou a minha aparência. Todos os comentários maldosos que já recebi vieram de pessoas s*******o que sequer me conhecem direito.
Depois de um tempo, pedi pro meu pai me levar num nutricionista e marcar uns exames de rotina pra mim, e depois de constatar que eu sou saudável feito um boi, comecei à não me preocupar com o que dizem sobre mim.
Eu não tenho colesterol alto, nem qualquer indício de diabetes ou de qualquer outra doença relacionada aos meus quilinhos à mais, então caso eu decidisse emagrecer, seria puramente por estética, já que minha saúde nunca esteve em risco.
E como já falei antes, eu gosto da minha aparência. Pode não ser o perfeito, mas depois de um tempo a gente percebe que nada nunca é. Eu poderia emagrecer e mudar totalmente o meu corpo, mas tenho certeza absoluta que nunca iria ficar satisfeito, porque essa é a natureza do ser humano. Buscar aperfeiçoando quando são justamente as imperfeições que nos tornam únicos.