Já havia se passado um mês desde a morte de Dominique, Alice ainda se perguntava como tudo havia acontecido, em um momento ela estava dançando e no seguinte estava estatelada no chão e o sangue corria por sua cabeça enquanto todos desesperados ligavam para a emergência.
Diziam que o grito que ela deu antes de cair era sua canção do cisne, a última nota emitida por um cisne branco antes de morrer. Alice balançou a cabeça afastando esses pensamentos enquanto experimentava seu figurino, tiveram que ajustar, ela era mais alta e um pouco mais cheia do que Dominique.
A Madame e a figurinista pediam que ela desse uma volta para que elas avaliassem. Alice fez conforme pedido em cada uma das vezes. Salte, pirueta, seja levantada e mais outros mil comandos para ver se sua roupa estava boa.
— Ficou ótimo, peça para Odile vir provar a dela.
A jovem assentiu e saiu, Callie estava treinando alguns movimentos enquanto esperava sua vez de experimentar.
— Sua vez, cisne n***o. — avisou Alice.
— Ótimo, espero que esteja fabuloso e digno dos maiores palcos do mundo.
— Não exagere, nosso orçamento pode ser bom, mas não tão bom assim.
— Estraga prazeres.
Alice mostrou a língua para a amiga e foi para o canto. Ainda tinha mais uma prova para fazer, do vestido inicial de Odette, não ficaria muito com ele, mas queriam ter certeza de que estava bom e era fácil de tirar para a troca de roupa. Sentou-se perto de sua bolsa e pegou o diário de Donna, era ainda o do início do ano letivo.
Ethan sentou ao lado de Alice e ela aproveitou o calor familiar de ter os braços dele em volta de si enquanto lia. Fazia tão pouco tempo que estava com ele, mas era bom. Podia sentir que ele lia junto com ela, mas sabia que ele tentará ajudar Donna quando tudo aconteceu e não a m***r.
— Ela não tinha nenhum inimigo declarado, mas várias vezes brigava com pessoas próximas a ela ou não. — ele comentou.
***
Flashback, 7 meses atrás.
Alice estava sentada com Tori no refeitório, era apenas a segunda semana de aula e elas já estavam implorando por um fim de semana para relaxar. Madame estava pedindo que os professores puxassem ainda mais as aulas naquele ano, boatos de que ela queria produzir O Lago dos Cisnes com aquela turma.
Cada uma tinha um pote com salada de frutas e uma barra de granola natural no prato. Era algo leve e que ajudava a recuperar as energias antes da próxima aula de quarenta minutos. Conversavam distraídas quando perceberam Donna se aproximando antes de sentar com elas.
— Oi meninas, vão para a próxima aula? — ela perguntou.
— Pretendemos, você vai?
— Eu vou dar a aula. — ela confidenciou.
Alice estava para responder quando Callie entrou furiosa carregando uma pasta de plástico que parecia pesada e cheia de folhas. Ela derrubou a pasta com as folhas e tudo bem diante de Donna sem o menor cuidado.
— Agora se acha tão boa que simplesmente pega as aulas que quer mesmo quando estavam sendo ministradas por outras pessoas?
— Se está insatisfeita deveria reclamar com a Madame, foi ela quem mudou os horários e me pediu para assumir essa aula.
— Todos sabemos que eu sou melhor em a******a e sei exatamente como ministrar essa aula, você tinha dito especificamente que queria giros e saltos, eu não mexi com o que você queria. Se quer brincar, pode vir, eu vou colocar fogo no seu circo. — ela ameaçou quase rosnando na cara de Dominique.
— Pode vir, eu aguento muito mais que você como já vimos em todos os testes de resistência. — Dominique devolveu.
Alice e Tori continuavam a comer a salada de frutas como se fosse pipoca enquanto as meninas discutiam, Alice não tinha ideia do que elas estavam discutindo, mas imaginava que Tori sabia.
— Donna pegou as aulas que a Callie iria dar, sabe as de reforço que elas auxiliam o professor da disciplina? E Callie está possessa. — explicou Tori em tom baixo enquanto as outras duas continuavam a brigar.
— Vá se f***r, Carperntier. — disse Calissa antes de jogar o suco que estava diante da garota na cabeça da própria dona.
— Se não sabe perder, não entre na competição, nem todo mundo conquista o caminho abrindo as pernas. — Dominique retrucou jogando o iogurte que estava diante de Tori em Calissa.
A Leroux por sua vez soltou um grito furioso e irritado. Ela deu um t**a com sua mão espalmada na face de Donna.
— Ao menos alguém me quer, não é mesmo?
Antes que a confusão se alastrasse mais, a Madame chegou no refeitório.
— Calissa e Dominique, o que ambas acham que estão fazendo?
— Claramente é uma guerra de comida entre elas, Madame. — respondeu um dos estudantes.
A diretora fuzilou o estudante com os olhos e ele se calou, ela voltou o olhar para ambas as jovens que pareciam envergonhadas.
— Estou reconsiderando minha posição de que qualquer uma das duas dê as aulas de reforço. Não sabem se resolver como as adultas que são, não merecem a posição.
— Desculpe Madame. — ambas responderam em uníssono.
— Conversaremos mais em meu escritório, mas primeiro troquem de roupa e tomem um banho. Senhorita Rodrigues e Wright acompanhem elas até os quartos e depois as levem ao meu escritório. Vocês tem uma hora.
— Não preciso de uma babá. — respondeu Calissa.
— Também pensei que não, mas aí entrei no refeitório e me deparei com um show de baixaria e comida desperdiçada. Talvez não seja a adulta que imaginei. — devolveu Madame antes de deixar a sala.
— É uma pena que eu perdi meu iogurte nessa história toda. — comentou Tori fazendo Alice rir.
Ambas se levantaram e seguiram as jovens, Alice foi junto de Callie e Tori foi junto de Dominique.
— Francamente, eu ainda vou esmagar aquela garota como um inseto. — disparou Callie enquanto tirava a roupa.
— Você deveria me avisar que está tirando a roupa, para que eu vire.
— Francamente, deixe de ser criança, eu estou me trocando no meu quarto e não dou a mínima se você está ou não olhando. — retrucou Calissa ainda se despindo.
Já Alice estava com os olhos no teto, sentia-se constrangida em ver a nova amiga completamente nua.
— Mas eu não entendi, ela pode simplesmente pegar as aulas que você iria dar, assim sem menos? — perguntou a bailarina novata.
— Obviamente foi uma recomendação de Madame e querendo agradar a diretora, Dominique acatou as ordens como sempre. Achei que ela iria defender meus interesses em nome da nossa amizade, mas eu estava enganada, acontece.
Ela ouvia Callie responder, parecia irritada, mas resignada.
— Eu vou achar uma forma de me vingar e assim ela vai calar a boquinha dela para sempre, deixar de ser p*u mandado da diretora.
***
Alice estava diante do espelho com a coroa de folhas que Odette, o cabelo semi-preso. Ela não tinha ideia de como iria transformar o cabelo em um coque em 30 segundos mesmo tendo muita ajuda. Talvez refizessem nos bastidores e fosse algo improvisado só para a primeira dança.
O vestido era um degradê de branco e rosa, todas as cores bem suaves. Combinava com a ideia de pureza, feminilidade e amor juvenil. As sapatilhas seriam rosa padrão, não havia necessidade de mudar, apenas Callie teria as suas da cor preta.
— Acho que você vai ser o cisne branco mais lindo que já tivemos. — comentou Ethan enquanto ajudava a prender alguns grampos no penteado.
Alice deu um leve sorriso enquanto suas bochechas se tornavam avermelhadas.
— Você só diz isso porque gosta de mim. — ela reclamou, mas no fundo havia adorado o elogio.
— Se não quer acreditar em mim, tudo bem.
Ela mexeu a cabeça testando a firmeza do penteado e ao considerar que estava bom, pegou o batom rosa dando leves batidinhas nos lábios apenas para dar alguma cor.
— E a polícia tem alguma novidade do caso de Donna?
— Nenhuma, eles ainda me acham culpada, porém as provas não são indicativas o suficiente de que eu fiz nada, apenas estava lá como tantos outros. — ela respondeu com um dar de ombros cheio de pesar — Eu gostaria de que quem que tenha tirado o colchão do lugar, só assumisse, sabe. Eu tenho certeza de que a pessoa não fez por m*l, nem imaginava que aconteceria o que aconteceu. E então eu seria livre dessa acusação toda.
— Eu imagino que seja difícil, também gostaria de que tudo fosse solucionado. — ele respondeu reflexivo.
A jovem olhou de novo para o espelho e percebeu que alguém a encarava por de trás das cortinas, mas quando se virou para olhar na direção, a pessoa havia sumido. Ela sentiu um frio pela espinha, tinha a sensação de que aquela pessoa era a culpada e estava ouvindo tudo.
— Vem, vamos ensaiar. — ela disse para Ethan ao descer da banqueta.
Segurou a mão dele e o puxou do camarim para a coxia, por enquanto era Callie quem estava em cena junto de Josh. Sentiu os braços de Ethan envolvendo sua cintura e sorriu, porém em seguida notou todos os olhares feios em sua direção, ela se encolheu.
— O que foi?
— Todos estão nos olhando e algumas das garotas estão olhando f**o para mim, eu não gosto disso. — ela comentou em voz baixa para que só ele ouvisse.
— Bom, uma parte é ciúmes, outra é o que eles acham desde que tudo aconteceu com Donna. Sinto muito. — ele realmente parecia sentir — Quer que eu te solte? Talvez ajude a diminuir os olhares.
— Não, eu gosto de estar com você e de contar com seu apoio, se tem algo que Donna me ensinou é não deixar de fazer o que eu quero por causa do que outras pessoas pensam. — ela comentou e sorriu para ele.
Alice voltou os olhos para Calissa no palco, ela era absolutamente magnética e tinha muito domínio de cada um dos movimentos. Dançava como se realmente fosse a Odile, como se ela realmente estivesse se tornando o cisne branco, mas por dentro ainda era o cisne n***o.
Os fuettés normalmente eram realizados para o Príncipe, mas ouvia o professor pedindo que ela os fizesse para que ele pudesse ver como estavam. E ela fez, uma, duas, três… trinta e duas vezes com perfeição, aquilo durava menos de um minuto e mesmo assim causava um efeito que perdurava. Ela abria e fechava os braços ajudando no giro, a perna no ar chicoteava fazendo ter mais impulso e a de base subia e descia numa velocidade que só se olhasse para aquele pé notaria o movimento.
Já estava com a roupa de cisne n***o, ela só não usava a maquiagem, mas isso de qualquer forma seria apenas no dia. Alice sorriu vendo a amiga performar daquela forma. Entendia porque ela queria aquele papel, Callie era perfeita para ele, não que ela fosse c***l e desejasse poder como Odile, mas ela sabia do que era capaz e fazia. Era por isso que se encaixava.
Então ela se lembrou de uma conversa passada: “Você é justa e leal, nunca faria nada de r**m para chegar ao topo. Diferente de mim “. Calissa havia afirmado logo em seguida que não havia feito nada para Donna, mas elas haviam brigado tanto naquele ano, talvez não tivesse agido na intenção de m***r, só dar um susto. Ainda assim, não poderia ter sido ela, poderia? Alice afastou os pensamentos da cabeça e entrou no palco a pedido do professor.
— Do começo da sua primeira cena com Rothbarth, pronta?
Ela assentiu e então começou a fazer os mesmo movimentos que já havia decorado. Havia feito aquela dança tantas vezes que já era mecânico. E assim a mente vagava para a amiga que agora assistia, decidiu então: Callie não era culpada, não iria tão longe, provavelmente. E nunca deixaria que culpasse Alice daquela forma, não é mesmo?