O mármore frio do Fórum não era suficiente para acalmar o fogo que Daniel sentia no peito. Ele apertou os punhos sobre a bancada, o eco da voz de Helena, fria e profissional, ainda ressoando. “Minha vida pessoal não é da sua conta, Promotor.”
Ele havia cometido um erro. Um erro crasso. Ele, o Promotor implacável, permitiu que a Helena do passado irrompesse em sua armadura, revelando uma ferida aberta que ele pensava ter cauterizado. E o pior: ele se rebaixou ao nível do ciúme, direcionando seu ódio não para ela, mas para o garoto.
Ele se virou para Lucas, que ainda parecia confuso.
— Promotor Albuquerque, a Doutora Monteiro... Ela parecia conhecer o senhor.
Daniel buscou a expressão mais fria e profissional que conseguiu. — A Doutora Monteiro e eu tivemos um… relacionamento profissional no passado, Lucas. Agora, ela é minha adversária. E, como você deve ter notado, ela joga sujo.
Ele não estava mentindo completamente. O relacionamento havia sido quase profissional, já que ambos estudavam Direito na época, mas o que estava sujo ali era apenas a dor. O pior, contudo, era a imagem de Lucas. O jovem era lindo, idealista, e Daniel sentiu uma pontada de raiva ao admitir que Helena tinha um bom gosto, pelo menos. Aquele garoto era tudo o que Daniel havia perdido: a juventude, a chance de um recomeço.
Daniel pegou seus documentos, determinado a canalizar a fúria para a destruição do caso da PHOENIX TECNOLOGIA. Se não podia ter a paz, teria a vitória.
— Vamos, Lucas. Temos muito trabalho a fazer. Encontre a Doutora Viviane e peça o relatório de contabilidade forense. Quero todos os detalhes examinados.
Viviane (34) estava exatamente onde Daniel esperava: em sua sala, revisando a papelada com uma elegância calculada. Ela era a Advogada Sênior do escritório, ambiciosa, e sempre lhe dirigia um olhar que prometia mais do que apenas parceria profissional.
Quando Lucas entrou e lhe entregou a pasta, Viviane deu um sorriso acolhedor, mas seus olhos azuis brilhavam com sagacidade. Ela notou a tensão no ar.
— Daniel está nervoso? — perguntou Viviane.
Lucas assentiu, fascinado pela colega madura e charmosa. — Ele estava no tribunal com a advogada da PHOENIX TECNOLOGIA, Doutora Helena Monteiro. Foi intenso.
O sorriso de Viviane desapareceu por um instante. Helena Monteiro. Ela conhecia o nome. Uma lenda no mundo corporativo, uma ameaça real para o prestígio de Daniel. E, talvez, a única mulher que já conseguiu abalar a compostura de Daniel.
Quando Daniel entrou na sala, Viviane estava em pé, ajeitando seu blazer com confiança.
— A Doutora Monteiro é tudo que dizem, Daniel. Uma adversária formidável. — Ela cruzou os braços, a postura de quem está pronta para lutar. — Mas a Promotoria tem a lei do nosso lado.
Daniel não tocou no nome de Helena, não pessoalmente. Ele foi direto ao caso. — A PHOENIX TECNOLOGIA está escondendo algo, Viviane. Eu senti. Não é apenas fraude fiscal. É maior. Quero que você e Lucas esquadrinhem todos os e-mails e registros.
— E Lucas? — Viviane perguntou, a voz doce, mas com um traço de curiosidade maliciosa. — Ele pareceu particularmente afetado pela presença da Doutora Monteiro.
— Lucas é inexperiente. — Daniel foi seco. Ele não podia revelar a Viviane, nem a ninguém, o que pensava sobre Lucas e Helena. A humilhação seria insuportável. — Ele está aprendendo sobre a frieza do tribunal.
Viviane sorriu, compreendendo o código não dito. Daniel estava ferido e, de alguma forma, o garoto estava envolvido. Ela viu a oportunidade. Ela não só queria o prestígio profissional de Daniel, mas também o lugar ao lado dele. E faria o que fosse preciso para garantir que Helena, com sua aura de mistério e a capacidade de desestabilizar Daniel, fosse eliminada da equação.
Enquanto isso, Helena estava em seu penthouse, tentando afastar Lucas com a mesma determinação que usaria para ganhar o caso. Ela não podia arriscar que Daniel, em seu ciúme distorcido, fizesse algo impensado.
Lucas a ligou, a voz cheia de excitação.
— Mãe, a senhora foi incrível hoje. O Promotor Albuquerque ficou sem palavras algumas vezes! Ele é meu mentor, e a senhora estava defendendo a empresa, mas... uau!
— Lucas, eu tenho algo a te pedir. — Helena respirou fundo, tentando manter a voz firme. — Não quero que você fique perto de Daniel Albuquerque.
O silêncio do outro lado foi pesado. — O quê? Por quê?
— Ele é meu adversário. É um conflito de interesses. Não é ético que você estagie no escritório dele enquanto sou a advogada principal no caso dele.
— Mas a senhora acabou de chegar! Eu comecei a estagiar lá há dois meses. E ele me trata bem! É o melhor promotor da cidade, mãe! Não posso simplesmente abandonar o estágio por causa do seu caso de seis meses.
— Você vai fazer o que eu digo, Lucas. — Helena elevou a voz, perdendo o controle pela primeira vez desde que chegou. — Você vai ligar para Daniel e dizer que recebeu uma proposta melhor.
— Por que a senhora está agindo assim? O que o senhor Albuquerque fez?
O terror tomou conta de Helena. Lucas estava cada vez mais perto de ligar os pontos. — Eu fiz, Lucas. Fiz Minha Escolha. E agora você fará a sua. Se você não se afastar dele, eu vou garantir que você não tenha mais contato comigo.
O silêncio era uma adaga. Lucas desligou sem se despedir, deixando Helena sozinha, lutando contra as lágrimas. Ela acabara de machucar a única pessoa que amava, tudo para protegê-lo de uma verdade que ele não merecia.
Se Daniel pensava que ela estava o usando através de um "amante", agora ele estaria convencido. A ligação de Lucas para Daniel seria a prova final do seu plano perverso, cimentando o ódio e a mágoa do Promotor Albuquerque.