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816 Palavras
Quando cheguei ao café, a primeira coisa que senti foi o cheiro de canela misturado com café fresco. A segunda, foi o pânico. Por que eu estava ali? Eu podia ter ignorado a mensagem. Podia ter deletado o número dele. Podia ter fingido que aquele momento na biblioteca foi só mais uma distração. Mas não. Eu estava ali. Usando a minha blusa favorita, o cabelo meio preso e uma maquiagem leve demais pra parecer que me esforcei — mesmo tendo passado vinte minutos na frente do espelho. O "Aurora Café" era pequeno, com paredes de tijolos aparentes e uma vitrola tocando alguma música indie francesa no fundo. Tinha cheiro de lugar que guarda segredos e serve verdades quentes em xícaras de porcelana rachada. E então eu o vi. Jace já estava sentado, de costas pra parede, me observando desde o momento que entrei. Usava uma camisa preta dobrada nos braços e uma expressão suave. Quase calma. Quase. — Você veio — ele disse, como se não tivesse dúvida alguma disso. — Você manda bem nos convites — respondi, puxando a cadeira em frente à dele. — Foi quase uma ameaça. Um pouco de manipulação. Um toque de charme. E, pra piorar... funcionou. Ele sorriu, e eu odeio admitir o quanto aquele sorriso mexe comigo. — Pedi pra você confiar no instinto. E você confiou. — Eu confiei no café. Ainda estou decidindo sobre você. Ele riu, e os olhos escureceram um pouco. Um brilho diferente, como se estivesse prestes a dizer algo que podia me quebrar — ou me prender. — O que você quer de mim, Jace? — Nada — ele respondeu rápido. — E talvez tudo. — Isso não é uma resposta. — É a única que eu tenho agora. O garçom chegou e interrompeu o momento. Pedi um cappuccino. Jace já tinha um espresso à frente. Forte. Sem açúcar. Claro. — Você sempre foi assim? — perguntei, tentando quebrar o peso que estava se formando. — Assim como? — Misterioso. Seguro. Intenso. Ele desviou os olhos para a janela por um segundo, como se pensasse em algo que preferia enterrar. — Eu só sou o que sobrou depois de muita coisa. Essa frase ficou ecoando na minha mente. O que sobrou? Ele me olhou de novo, agora mais sério. — Você é diferente, Ellie. E não tô falando isso pra te ganhar. Tô falando porque você não corre. Não baixa a cabeça. E, mesmo assim, tem esse olhar de quem carrega o mundo todo por dentro. Meu coração deu um salto. Porque... era verdade. E eu não sabia como ele tinha visto isso. — Você me assusta — confessei, quase num sussurro. — E ainda assim você está aqui. O café chegou, quente demais, como tudo entre nós. Bebi um gole, tentando manter o foco em qualquer coisa que não fosse o calor da voz dele, o jeito como os dedos tocavam a xícara, ou o modo como ele me olhava como se quisesse decifrar cada milímetro da minha alma. — Posso te perguntar uma coisa? — ele disse. Assenti, hesitante. — Você acredita que algumas pessoas se reconhecem antes mesmo de se conhecerem? — Tipo... destino? — Tipo bagunça inevitável. Parei. Pensei. E falei a verdade. — Não sei. Mas talvez sim. Talvez algumas pessoas tenham esse tipo de conexão inexplicável. Que parece errada. Mas, ao mesmo tempo... certa demais pra ser ignorada. — É isso que eu sinto com você — ele disse, sem rodeios. Eu não consegui responder. Só encarei a xícara e senti meu corpo todo em alerta. E foi aí que ele estendeu a mão por cima da mesa, devagar, e encostou nos meus dedos. Foi um toque leve. Mas queimou. — Você devia correr, Ellie. — Por quê? — Porque eu sou um problema que ainda não tem solução. — E se eu não quiser solução? — murmurei. Ele sorriu, mas os olhos carregavam algo mais sombrio. Como se estivesse escondendo algo que não podia dizer. Ainda. — Então você é mais corajosa do que eu imaginava. Ficamos em silêncio. As pessoas entravam e saíam do café. A música mudou. Mas tudo ao nosso redor parecia em câmera lenta. Na saída, ele segurou a porta pra mim. Do lado de fora, o vento estava frio e leve, como se o universo estivesse nos dando uma pausa. — Obrigado por vir — ele disse, com sinceridade. — E... me desculpa por não ser mais simples. — Acho que simples nunca me atraiu de verdade. Ele se aproximou. Só um pouco. O suficiente pra que meu coração disparasse. — Posso te ver de novo? — Você já sabe a resposta. Ele sorriu, deu um passo pra trás e desapareceu na rua, como sempre fazia. E eu? Fiquei ali. Com o gosto do café ainda nos lábios e a certeza de que eu devia ter dito não. Mas não disse.
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