Quando cheguei ao café, a primeira coisa que senti foi o cheiro de canela misturado com café fresco. A segunda, foi o pânico.
Por que eu estava ali?
Eu podia ter ignorado a mensagem. Podia ter deletado o número dele. Podia ter fingido que aquele momento na biblioteca foi só mais uma distração. Mas não. Eu estava ali. Usando a minha blusa favorita, o cabelo meio preso e uma maquiagem leve demais pra parecer que me esforcei — mesmo tendo passado vinte minutos na frente do espelho.
O "Aurora Café" era pequeno, com paredes de tijolos aparentes e uma vitrola tocando alguma música indie francesa no fundo. Tinha cheiro de lugar que guarda segredos e serve verdades quentes em xícaras de porcelana rachada.
E então eu o vi.
Jace já estava sentado, de costas pra parede, me observando desde o momento que entrei. Usava uma camisa preta dobrada nos braços e uma expressão suave. Quase calma.
Quase.
— Você veio — ele disse, como se não tivesse dúvida alguma disso.
— Você manda bem nos convites — respondi, puxando a cadeira em frente à dele. — Foi quase uma ameaça. Um pouco de manipulação. Um toque de charme. E, pra piorar... funcionou.
Ele sorriu, e eu odeio admitir o quanto aquele sorriso mexe comigo.
— Pedi pra você confiar no instinto. E você confiou.
— Eu confiei no café. Ainda estou decidindo sobre você.
Ele riu, e os olhos escureceram um pouco. Um brilho diferente, como se estivesse prestes a dizer algo que podia me quebrar — ou me prender.
— O que você quer de mim, Jace?
— Nada — ele respondeu rápido. — E talvez tudo.
— Isso não é uma resposta.
— É a única que eu tenho agora.
O garçom chegou e interrompeu o momento. Pedi um cappuccino. Jace já tinha um espresso à frente. Forte. Sem açúcar. Claro.
— Você sempre foi assim? — perguntei, tentando quebrar o peso que estava se formando.
— Assim como?
— Misterioso. Seguro. Intenso.
Ele desviou os olhos para a janela por um segundo, como se pensasse em algo que preferia enterrar.
— Eu só sou o que sobrou depois de muita coisa.
Essa frase ficou ecoando na minha mente. O que sobrou?
Ele me olhou de novo, agora mais sério.
— Você é diferente, Ellie. E não tô falando isso pra te ganhar. Tô falando porque você não corre. Não baixa a cabeça. E, mesmo assim, tem esse olhar de quem carrega o mundo todo por dentro.
Meu coração deu um salto. Porque... era verdade. E eu não sabia como ele tinha visto isso.
— Você me assusta — confessei, quase num sussurro.
— E ainda assim você está aqui.
O café chegou, quente demais, como tudo entre nós. Bebi um gole, tentando manter o foco em qualquer coisa que não fosse o calor da voz dele, o jeito como os dedos tocavam a xícara, ou o modo como ele me olhava como se quisesse decifrar cada milímetro da minha alma.
— Posso te perguntar uma coisa? — ele disse.
Assenti, hesitante.
— Você acredita que algumas pessoas se reconhecem antes mesmo de se conhecerem?
— Tipo... destino?
— Tipo bagunça inevitável.
Parei. Pensei. E falei a verdade.
— Não sei. Mas talvez sim. Talvez algumas pessoas tenham esse tipo de conexão inexplicável. Que parece errada. Mas, ao mesmo tempo... certa demais pra ser ignorada.
— É isso que eu sinto com você — ele disse, sem rodeios.
Eu não consegui responder. Só encarei a xícara e senti meu corpo todo em alerta. E foi aí que ele estendeu a mão por cima da mesa, devagar, e encostou nos meus dedos.
Foi um toque leve. Mas queimou.
— Você devia correr, Ellie.
— Por quê?
— Porque eu sou um problema que ainda não tem solução.
— E se eu não quiser solução? — murmurei.
Ele sorriu, mas os olhos carregavam algo mais sombrio. Como se estivesse escondendo algo que não podia dizer. Ainda.
— Então você é mais corajosa do que eu imaginava.
Ficamos em silêncio. As pessoas entravam e saíam do café. A música mudou. Mas tudo ao nosso redor parecia em câmera lenta.
Na saída, ele segurou a porta pra mim. Do lado de fora, o vento estava frio e leve, como se o universo estivesse nos dando uma pausa.
— Obrigado por vir — ele disse, com sinceridade. — E... me desculpa por não ser mais simples.
— Acho que simples nunca me atraiu de verdade.
Ele se aproximou. Só um pouco. O suficiente pra que meu coração disparasse.
— Posso te ver de novo?
— Você já sabe a resposta.
Ele sorriu, deu um passo pra trás e desapareceu na rua, como sempre fazia.
E eu?
Fiquei ali. Com o gosto do café ainda nos lábios e a certeza de que eu devia ter dito não.
Mas não disse.