O carro estava mergulhado em silêncio, exceto pela respiração pesada do Jace ao meu lado. Ele olhava fixo pela janela, mas eu sabia que não estava vendo nada. O cheiro de álcool ainda estava impregnado na camiseta dele, e seus dedos tamborilavam inquietos no joelho.
Estava chovendo fino, e as gotas riscavam o para-brisa em um ritmo quase hipnótico. Eu tentava me concentrar na estrada, mas a cabeça estava uma bagunça — igual ao estado dele.
— Cê acha que minha mãe me ama? — ele soltou de repente, sem me olhar. — Tipo... ama de verdade? Ou só porque eu sou o que sobrou depois do Davi?
Engoli seco.
— Jace... — comecei, mas ele continuou.
— Porque às vezes... às vezes parece que ela só me aguenta. Tipo, "vamos fingir que tá tudo bem, porque ainda temos esse aqui". Eu sou esse aqui.
Meu peito apertou.
— A gente fala sobre isso amanhã, tá bom? Você não tá bem agora.
Ele soltou uma risada sem graça e virou o rosto pra mim.
— Você adora adiar as coisas, né? "Depois", "amanhã", "mais tarde". Aposto que faz isso com tudo. Até com os sentimentos.
Revirei os olhos, mas não respondi. Não dava pra discutir com ele daquele jeito — nem com ele sóbrio, pra ser sincera.
Estacionei o carro em frente à casa dos meus pais e respirei fundo. O relógio marcava quase meia-noite.
— Tá ouvindo? — me virei pra ele — Aqui você é só meu amigo da faculdade. Bêbado, inconveniente e dramático, mas amigo. Se comporta.
— "Só um amigo"? — ele repetiu fazendo aspas no ar. — Nossa. Essa doeu. Bem aqui. — e bateu no peito com exagero. — Você é c***l, Ellie.
— E você é insuportável. Agora anda.
Saí do carro e ele me seguiu com passinhos tropeçados, olhando tudo ao redor como se fosse um turista. Assim que abri a porta dos fundos, minha mãe apareceu na cozinha com uma caneca na mão e expressão de surpresa.
— Ué, filha? Quem é esse?
— Jace. — respondi rápido. — Amigo da faculdade. Ele... exagerou um pouco hoje, achei melhor trazer ele pra cá.
— Oi, dona... mãe da Ellie. — ele disse, tentando parecer sóbrio. — Você é linda. Tipo... elegantemente linda. Agora entendo de onde a Ellie puxou isso.
— Meu Deus... — sussurrei.
Minha mãe riu, desconcertada, mas com aquele olhar de "quero explicações depois".
— Tem um quarto livre no final do corredor. Coloca ele pra dormir, filha.
— Com prazer. Vem, Jace.
— Espera! — ele parou no batente da cozinha e olhou ao redor. — Essa casa tem cheiro de bolo. Tem sempre esse cheiro? Vocês têm cachorro? Vocês eram felizes quando a Ellie era pequena? Posso ver fotos dela com franja?
— JACE!
— Tô indo! Tô indo... Só tô curioso. Você era bagunceira, Ellie? Aposto que ouvia aquelas músicas românticas e chorava por amor platônico.
Arrastei ele pelo braço antes que soltasse mais uma pérola. Levei pro quarto de hóspedes e joguei ele literalmente na cama.
— Fica aí. Dorme. E se me envergonhar mais uma vez, eu te jogo no quintal com o cachorro da vizinha.
— Você tem vizinha com cachorro? — ele murmurou, afundando no travesseiro. — Isso é reconfortante. Gosto de cachorros. Eles não esperam que você explique por que é um desastre.
Fiquei alguns segundos em silêncio, observando ele afundado nos lençóis. Ele parecia... pequeno. Quase frágil.
— Boa noite, Jace.
— Boa noite, Ellie. Obrigado... por me salvar.
Fechei a porta devagar. E por um instante, fiquei ali encostada no corredor, sentindo um turbilhão dentro de mim. O problema é que, mesmo bêbado, Jace ainda conseguia me confundir inteira.