ÉRINA
Eu tentava praticar mais uma fuga, e não deu certo. Toda a vez que eu tentava, graças ao meu serviço amador, eu era pega. Era o único jeito que eu conseguia chamar um pouco a atenção de Sore, mas com o tempo, as minhas fugas começaram a virar rotina desnecessária pro itinerário dela. Eu podia ficar na área, e só. Tinha trabalho e tinha pouco dinheiro, só não podia pensar em sair. Mas dessa vez, a tentativa surtiu outro efeito.
Eu fui levada pro velho casarão, lugar onde muito bati na porta tentando falar com Sore e onde fui escorraçada, simplesmente chegando na beirada dos portões. O escritório permanecia o mesmo, grande e espaçoso. Me soltaram dentro da sala e me mandaram aguardar. E para a minha surpresa, Dom entrou. Já fazia um tempo que eu não o via, ele saiu de casa e cada um seguiu o seu rumo. Ele estava um pouco diferente, a barba um pouco relaxada e acho que ele fez mais algumas tatuagens. Kane também entrou na sala, em seguida da Sore.
Ele parecia mais forte do que da última vez que o vi e Sore usava seu típico batom vermelho, roupas chiques e sapatos bicudos. O cabelo ainda era um chanel branco, e eu me sentia um passarinho deslocado enquanto via ela se sentando na cadeira principal, se acomodando com as pernas cruzadas e me olhando com um certo nojo.
— De todas as vezes que eu tentei fugir, essa é a primeira vez que eu consigo reunir todo mundo. — Sore começou a rir imediatamente e eu olhei ao redor, me sentindo um tanto constrangida.
— Até parece que o seu serviço amador de fugas me faria perder tempo. — Eu pisquei, Kane pigarreou e eu continuei olhando pra ela enquanto ela se recompunha. — Não me julga amor, a c****a está se achando demais!
— Vai direto ao ponto, Sore. — pediu Kane.
— O i****a ruivo mandou bem num trabalho aí, e já que ele quer se redimir com você, me pediu pra liberar você até a sua preciosa filha. — Eu olhei pro Dom, ele me olhou um tanto feliz e depois eu voltei a olhar Sore enquanto ela se inclinava na mesa.
— Iron já sabe que eu…
— É claro que ele não sabe, sua i****a. O que você acha que eu ia fazer? Ligar pra ele e dizer que estou enviando a c****a favorita dele de volta? — Eu afinei os olhos, cruzei os braços e a olhei séria, sem me ofender com a língua afiada da loira chique. — Seu ex namorado ruivo deu uma dentro, e o meu namorado bonitão tem um coração menos peludo que o meu. Ele me castigou em não chupar mais as bolas grandes dele se eu não cedesse, ao menos isso aqui. — Ela mostrou os dedos uma quantidade mínima e eu olhei para trás, enquanto Kane dava de ombros, sem se importar com a insinuação da mulher.
— Sedendo por causa de cama? — perguntei com certa ironia.
— Cuidado com o seu sarcasmo queridinha, que a vida da sua filha está neste rolêzinho. Quem precisa da gente aqui é você, eu não. Por mim os dois tinham morrido segundo as regras da irmandade. — Ela fez uma pausa dramática — Mas como Iron nunca cogitou te ver, isso significa que você é uma v***a substituível. Se ele ainda continuar sensibilizado e não puxar o gatilho, eu puxo e falo pra minha sobrinha que ela tinha uma mãe muito inútil.
— Eu não tenho medo das suas ameaças, Sore.
— Devia ter. — Dom interveio, fez uma negativa quando eu olhei pra trás e andou em direção a porta. — Já fiz a minha parte pra me redimir, gracinha. Se vai enfiar sua oportunidade na b***a, podia ter me avisado, eu estava precisando da grana.
Ele bateu na porta, eu fiquei sem reação e Sore começou a rir.
— Parabéns c****a, no fim ficou sem nenhum! Ah… A vida é um presente inesperado mesmo.
— Eu quero ver a minha filha, Sore. E só. — respondi, engolindo aquela maldita risada.
[...]
— Dom…! Dom! — chamei, o pegando na saída do casarão de Sore, uma vez que já fazia um bom tempo que eu não o via. — Dom, porque fez isso?
O sol queimava forte naquele dia, a paisagem ao redor da casa era bonita, mas a situação era um tanto estranha. Fazia um tempo que a gente não se via, ele estava diferente, e eu também. Não tanto, mas com certeza agora um olhava de um jeito diferente para o outro.
— Eu já disse, eu tô tentando me redimir.
— Ah, qual é, Dom? — rebati — Você saiu de casa, um virou as costas pro outro e cada um seguiu o seu. Porque isso só agora? E tenta não mentir, por favor.
Ele alisou o cabelo bagunçado, colocou a mão na cintura e respirou fundo. Olhou para o final da rua pouco movimentada e pareceu puxar a verdade de algum lugar.
— Ele ligou, Érina, e eu atendi o telefone. A gente ainda estava dividindo o apê. — Eu fiquei olhando pra ele como quem não acreditava no que ouviu. — Sabe quantas vezes o Iron dá pra trás ou muda de ideia? — Ele riu, quase que como se também não acreditasse. — Ele ligou. Ele ligou pra você e a Pray estava chorando. Eu saí do apartamento ainda naquela semana e você já estava tentando fugir naqueles dias, então eu vim até a Sore e fiz uma troca. Às vezes eu consigo descobrir um serviço barra pesada e com a ajuda do Kane, eu entrei nos negócios.
Eu enchi os olhos de água, sem nem saber como reagir.
— Ele ligou e você não me falou nada? — perguntei, quase sem tom para me deixar escutar.
— Não. — ele respondeu duro — Mas agora eu dei um jeito, eu realmente dei um jeito. E eu te desejo boa sorte, gracinha. — Eu levantei os olhos e ele pareceu um tanto desanimado. — Eu sinto falta dele… Diz pra ele que eu peço desculpas. E dá um beijo na Pray.
Eu não consegui reagir, só observei Dom andando e se afastando cada vez mais. Meus olhos estavam cheio de água, meu peito era um turbilhão de sentimentos e minha cabeça estava cheia de expectativas.
— Adeus, Dominic. — sussurrei, sabendo que ele não estava ouvindo, uma vez que ele já atravessava a rua, bem longe dos meus sussurros.
[...]
O ônibus fez uma parada, eu desci tocando o chão quente do calor da cidade um tanto pequena, pra vida barulhenta que Iron costumava ter. Eu era a visão da pura ansiedade, coração batendo a mil e uma mochila de lado. Caminhei coisa de meio quarteirão, cheguei na porta de um hotel de beira de estrada e bati com a mão na sineta do balcão.
O lugar era simples, tinha uma parede de quadro com vários recados pendurados, um molho de chaves do outro lado e uma caderneta sobre o balcão. Esperei um pouco, e um rapaz aparentando ter um pouco mais que a minha idade desceu as escadas, usava camisa de manga comprida, jeans e botas. Ele sorriu, tinha a cabeleira castanha e curta e pareceu curioso quando se colocou atrás do balcão.
— Visitando cidades do interior? — questionou puxando a caderneta e abrindo as páginas um tanto empolgado.
— Oi. Eu preciso de um quarto simples, inicialmente para uma semana.
— Veio de onde? — perguntou enquanto fazia uma anotação.
— Érina. — respondi a pergunta certa, já que minhas origens seriam complicadas de responder. Tirei um documento de trás do bolso, depositei em cima do balcão e olhei ao redor. — Você já ouviu falar da fazenda dos Primes?
Ele pegou o documento, copiou a numeração e concordou olhando pra cima.
— Você é uma daquelas jornalistas universitárias? Desde quando o ocorrido saiu nos jornais locais, sempre tem alguém querendo montar uma lenda urbana em cima. — Eu fiquei quieta e deixei o moço falar enquanto ele pegava uma chave e apontava pra mim. — A lavoura pegou fogo, e os pobres Primes morreram tentando apagar as chamas. Só que ela foi comprada. México? — Ele olhou o documento.
— Gracias. — respondi pegando o documento de sua mão junto com as chaves, enquanto ele fazia uma cara empolgada.
— Segunda porta a direita, o café está incluso na diária, só que é servido na mesa central.
— Tudo bem, obrigada.
Eu subi as escadas decidida a encontrar o rumo das coisas a partir daqui. Encontrei a porta, girei a chave e me deparei com a cama pequena, um banheiro simples e uma televisão de cubo média. Eu me sentei na cama, abri o bolso da mochila e tirei as lembranças que carregava comigo como um amuleto de fé. A foto de Iron com a Pray, a carta e o único pedacinho dela que tenho. Como eu ia fazer, eu não faço ideia. Mas com ou sem Iron, eu ia ficar com a minha filha de novo.