O Rei de Olhos Vazios

1952 Palavras
BEN Mano, o mundo é um lugar estranho pra c*****o. Um dia você é um zé ninguém, um moleque criado na laje com cheiro de esperança e sonhos de quem ainda acredita que a vida pode ser justa. No outro, te chamam de “chefe” até quando tu tá no banheiro cagando. Eu, Ben, o pilar da comunidade, o cara que resolve as tretas, o que empresta uma grana quando o mês aperta pro povo. O rei do morro. A p***a do rei de um trono de concreto armado, com rachaduras que ninguém vê. E da minha laje, olhando esse reino todo – as casas grudadas umas nas outras feito cogumelos depois da chuva, os fogos do tráfico rasgando o céu de noite, o cheiro de feijão e luta – eu só consigo sentir um vazio do tamanho do buraco que a Luana deixou quando meteu o pé. Quatro meses. Quatro meses e o fantasma dela ainda se espalha pelos cômodos da minha casa, um veneno doce que eu não consigo expulsar. O cheiro do shampoo dela na minha camiseta, a p***a da xícara de café quebrada que eu não tive coragem de jogar fora. Luana era meu mundo antes disso tudo. Antes do tráfico, antes do poder, antes de eu virar o “chefe”. A gente era só dois adolescentes apaixonados, sonhando com uma casa, uma família, uma vida fora desse inferno. Eu prometi pra ela, juro, que ia casar virgem. Era um pacto, uma coisa nossa, um pedaço de pureza que a gente queria guardar num mundo que suja tudo. Ela sorria, me chamava de bobo, mas amava isso. Dizia que era o que fazia eu ser diferente dos outros. Mas aí ela foi embora. Me largou, disse que eu tinha mudado, que o morro tinha me engolido. E eu, que achei que podia segurar o mundo com as mãos, não consegui segurar ela. E o pior? Continuei virgem. Não por escolha, não por romantismo, mas porque, depois dela, nada mais parecia valer a pena. Nenhuma mina, nenhum corpo, nenhum sorriso. O vazio que ela deixou engoliu qualquer t***o que eu pudesse sentir. Então, aqui tô eu, com quase 19 anos, o rei do morro, e ainda com essa p***a de promessa pesando nas costas como uma corrente. — E aí, chefe! Tudo na paz? Aceno com a cabeça pro moleque, um dos meus soldados mais jovens, que passa com uma bike novinha. Ele me olha com um respeito que beira o medo. Eu devo ser um paredão: um metro e oitenta e cinco de puro músculo tenso, tatuagens contando histórias que eu prefiro esquecer, e a cara fechada de quem perdeu uma luta contra o espelho. — Suave, moleque. Segura a barra aí. Minha voz sai grossa, um rosnado baixo. É a voz do Ben chefe. Do Ben que manda. Do Ben que não chora por mulher. Mas por dentro, o Ben que era só Ben, o Ben da Luana, tá gritando num porão escuro, preso numa promessa que eu não sei se fiz pra ela ou pra mim mesmo. O Douglas, meu amigo, meu parceiro de todas as horas, tentou me tirar desse buraco. Apresentou umas minas dias desses. — Ben, mano, cê precisa tirar a Luana da cabeça. Vem comigo, vou te apresentar umas gatas, umas novinhas dispostas. Você é o cara, p***a! Fui. Um barzinho na Zona Sul – eu não costumo sair do morro desde que virei dono, com 17 anos, há um ano e meio – o lugar era cheio de gente rica e bebida cara. As minas eram gostosas, é verdade. Umas morenas com fogo, umas loiras de olho verde. Sorrisos fáceis, mãos que chegavam, insinuando. Mas era tudo vazio. A conversa era rasa, os olhos delas brilhavam pelo meu cargo, pelo meu poder, não por mim. Elas viam o “dono de morro”. Ninguém via o buraco no meu peito. Ninguém via o vazio. E eu, com essa promessa i****a que ainda carrego, nem conseguia me imaginar com elas. Não era só a Luana na minha cabeça; era como se meu corpo soubesse que não era pra ser assim, com uma mina qualquer, num bar qualquer. Voltei pra casa mais vazio do que saí e tem sido assim desde então. --- Hoje foi um dia daqueles. Treta na boca de fumo na parte baixa do morro, um maluco querendo se achar, achando que podia passar a perna na organização. Tive que descer lá, botar ordem. Não precisei levantar a voz, muito menos a mão. Só cheguei, olhei nos olhos do vacilão, e falei baixinho. O sujeito tremeu, pediu desculpas, e saiu de fininho. É o peso do meu olhar vazio, eles dizem. Dizem que meus olhos não mostram nada, nem raiva, nem medo. Só um deserto. E as pessoas têm medo do deserto, porque não sabem o que esconde. Cansado. Exausto por dentro. Subi a pé a ladeira rumo ao meu barraco, meu castelo de concreto, só querendo um banho e um sono que não vem. A mente era um turbilhão: planilhas de drogas, dívidas, ameaças, o sorriso fantasma da Luana e essa p***a de promessa que me mantém preso a um cara que eu nem sei se ainda sou. Foi aí que eu vi a cena. Keyla. Keyla, a gostosa do morro. A peça que todo homem com sangue nas veias já sonhou em jogar. Mulher daquela categoria que deixa a boca seca e o p*u duro só de passar. Cabelos negros e longos, presos num r**o de cavalo, mas com uns fios soltos que insistiam em fazer moldura pro rosto daquela deusa. Corpo desenhado por Deus com a intenção clara de causar tumulto: p****s generosos, cintura fina, um quadril que era uma declaração de guerra aos meus sentidos. E a boca. Meu Deus, a boca. Carnuda, vermelha naturalmente, um convite permanente ao pecado. Era a mãe do Douglas. Pensar nisso às vezes me dava um nó na cabeça. Como aquele anjo caído podia ser a mesma pessoa que fazia o café da manhã do meu parceiro, que lavava as cuecas dele, que dava bronca quando ele chegava tarde? Era uma dissonância cósmica do c*****o. E lá estava ela. Subindo a ladeira íngreme, aquele calvário de concreto que testava o fôlego de qualquer um, carregando umas sacolas de mercado pesadíssimas. Ela suava, um brilho fino no rosto perfeito, ofegante. O vestido simples, daqueles de algodão, estava colado no corpo, moldando as curvas, grudado nas costas, delineando a cintura, realçando aquele bumbum empinado que desafiava a gravidade e a minha sanidade. Ela parou por um segundo, quase no limite, pra recuperar o fôlego. Uma gota de suor escorreu da sua têmpora, fez um caminho sinuoso pela linha do pescoço e desapareceu no vale entre os s***s. Meu p*u deu um pulso dentro da calça, um traidor desgraçado. E eu, senti o peso de cada dia que passei sem tocar uma mulher. A promessa que fiz pra Luana parecia uma piada c***l naquele momento, porque meu corpo tava gritando, implorando, enquanto minha cabeça tentava lembrar por que eu ainda carregava essa promessa. Algo dentro de mim estalou. Não foi só o t***o. Foi ver aquela mulher, tão fodona, tão linda, se fodendo sozinha com um peso daqueles. Foi a lembrança de que ela era a mãe do meu melhor amigo. Foi o instinto maldito de cavalheiro que ainda mora em algum esgoto da minha alma. Sem pensar, desci a ladeira com passos largos. Não disse p***a nenhuma. Cheguei do lado dela e, no meu silêncio habitual, simplesmente estiquei as mãos e peguei as alças das sacolas mais pesadas. O toque foi inevitável. Nossas mãos se encontraram no cabo de plástico áspero das sacolas. A mão dela, suada, quente, macia pra c*****o. A minha, calejada, forte, com cicatrizes de velhas brigas. E aí veio o choque. Não foi uma metáfora, não. Foi um choque elétrico de verdade, seco e forte, que percorreu meu braço e explodiu no meu peito, acelerando meu coração que já não era pouco. Um estalo de energia pura, carnal, primitiva. Eu, que nunca tinha sentido o corpo de uma mulher além dos abraços da Luana, senti aquele toque como se fosse um incêndio. Ela puxou a mão como se tivesse queimado, um movimento rápido, instintivo, e soltou um “Ai!” baixinho, quase um suspiro ofegante. Nossos olhos se encontraram. Os olhos dela, castanhos-escuros, quase pretos, estavam arregalados, cheios de um susto que rapidamente se transformou em outra coisa. A respiração ofegante dela sussurrava no ar quente entre a gente. A cor subiu nas suas bochechas, um rubor quente que não era só do cansaço. A boca carnuda entreaberta, os lábios tremendo levemente. E eu vi. p**a que pariu, eu vi. Era um turbilhão. Era susto, era vergonha, era uma confusão danada. Mas no fundo daqueles olhos negros, brilhando como carvão em brasa, eu vi o mesmo fogo que começava a me consumir por dentro. Um t***o, cru, inesperado e proibido que explodiu naquele toque. Um reconhecimento animal, de que ali, naquela ladeira suja, sob o olhar das estrelas e de ninguém mais, duas almas solitárias e cheias de desejos reprimidos tinham se encontrado de um jeito que não deviam. Ela puxou a mão como se tivesse queimado, mas nos seus olhos eu vi o mesmo fogo que começava a me consumir por dentro. E eu, que nunca tinha ido além de uns beijos com a Luana, que carregava uma promessa i****a que me mantinha preso, senti aquele fogo como uma traição ao Ben que eu fui. Mas também como uma faísca que, pela primeira vez em meses, fez o vazio parecer menor. A gente ficou parado por um segundo que durou uma eternidade. O mundo ao redor – o barulho das motos, o funk ao longe, as crianças gritando – simplesmente desapareceu. Só existia aquele silêncio barulhento, carregado de tudo que a gente não podia dizer. Ela foi a primeira a baixar os olhos, o rubor aumentando. — Obrigada, Ben. — ela sussurrou, a voz um pouco rouca, diferente. Eu só acenei com a cabeça, a voz presa na garganta. As sacolas agora pesavam o dobro na minha mão, ou era o peso daquele momento? — Tá pesado, essas coisas. — eu consegui falar, a voz saindo mais grossa do que eu pretendia. — É… o mês todo essa luta. — ela disse, ainda sem me encarar de novo, arrumando o vestido num gesto nervoso. — Vou te ajudar a subir. Ela apenas concordou com a cabeça e começou a andar ao meu lado, mas agora o espaço entre a gente era pequeno, íntimo, perigoso. Eu sentia o calor do corpo dela, o cheiro dela – suor sim, mas também um perfume leve e algo doce, talvez o condicionador. Era um cheiro de mulher de verdade, não aqueles venenos artificiais das minas do bar. Cada passo era uma tortura e um êxtase. Meu sangue corria quente e rápido, o choque na minha mão ainda era uma sensação fantasma, uma marca de fogo. O vazio que a Luana tinha deixado… por um instante, ele não estava mais lá. Foi preenchido por uma coisa quente, proibida, perigosíssima. Por Keyla. E a pergunta que ecoou na minha cabeça, mais assustadora que qualquer treta de tráfico, mais urgente que qualquer dívida, foi: e agora, seu filho da p**a? E agora? O rei de olhos vazios, preso a uma promessa que já não fazia sentido, tinha encontrado um fogo que podia consumir ele todo. E pelo jeito, a rainha-mãe tava com o mesmo maçarico na mão. ESSE LIVRO É UM SPIN OFF DO MEU LIVRO: FILHA DO MEU PADRASTO ADICIONE NA BIBLIOTECA COMENTE VOTE NO BILHETE LUNAR INSTA: @crisfer_autora
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