Era uma loucura tentar uma viagem dessas, mas era exatamente isso o que queria. Então, estar naquele avião, devia ser...Vitorioso. Só não foi assim que me senti quando acordei no susto, olhando para a janela vendo o céu estrelado e um mar escuro abaixo de nós, notando que já estava bem longe de casa.
— Pesadelo? — escuto com sotaque. Olho para o lado e vejo o homem que ocupava a poltrona ao lado com um livro nas mãos. Pela cara dele, devo ter feito algum barulho estranho.
— Não, ao contrário, tive um bom sonho. — respondi.
Imaginei que o homem fosse se manifestar de alguma maneira, se não fosse por um rápido farfalhar das poltronas e um piscar das poucas luzes acesas. A aeromoça que passou por nós apenas fechou um porta volumes que se abriu com o movimento e sumiu nos fundos do corredor.
— É o que acontece quando atravessamos uma nuvem — sua voz estava tranquila, mas a apreensão ficou nítida em meu rosto.
Infelizmente o medo não passou, pois assim que o rapaz se acomodou em busca de sua leitura, o tremor voltou. Ao olhar para a janela, o céu estrelado sumiu. Nuvens embaçando a visão e a certeza de que vi um trovão me deixou assustada, com medo e preocupada. Porque a probabilidade de eu sair com vida de um acidente a milhares de pés de altura, é quase zero. Pior dizendo, é zero mesmo!
— Vai ficar tudo bem. — O homem toca em minha mão, olha em meu rosto e me dá o seu melhor sorriso.
Isso devia me ajudar, mas nenhuma voz surgiu para nos avisar sobre qualquer situação, ou seja lá o que for que essas aeromoças fazem com aquele rádio que eu só via na televisão.
A turbulência piorou. O chacoalhar das poltronas ficou perceptível e passou a incomodar. A mão do homem se apertou na minha e ambos olhamos para frente. O aviso de emergência piscou e uma luz surgiu ao meu lado iluminando as janelas, chamando nossa atenção, mostrando o motivo que fez o avião começar a inclinar.
A primeira turbina explodiu aos meus olhos. Ali, na minha linha de visão perfeita.
No meio do céu escuro e entre nuvens embaçando a imagem, o alaranjado do fogo brilhou. O declinar do avião foi ficando cada vez mais perceptível e junto com o fogo o medo me tomou. Como eu havia dito, a probabilidade de sair com vida de um acidente de avião é quase zero.
— Meu Deus… — olhei para o homem ao meu lado, e dessa vez ele não me disse que ficaria tudo bem.
As luzes piscaram, nenhum recado foi dado e o escuro tomou conta do lugar. A turbulência aumentou, o chacoalhar piorou e a curva que o avião estava fazendo se deitando rumo ao mar era mais forte.
Os gritos de desespero, era a sinfonia do fim.
Um buraco sobre a parede do avião foi feita mais a frente, ao mesmo tempo que as máscaras de oxigênio caíram para a nossa segurança. O vento soprou com força no interior do lugar. O porta volume não suportou ficar fechado e quem estava de pé foi sugado para fora da aeronave, junto com os objetos que voavam sobre nossas cabeças.
Em uma tentativa alucinada de ainda viver, tentamos vestir as máscaras, enquanto assistimos aos poucos a cratera no avião aumentar, os gritos ecoaram no ar, pessoas foram sugadas para fora e a turbulência dificultou a minha tentativa de vestir o objeto.
O avião estava se despedaçando no ar. Firmando a imagem infernal com explosões, ventania, o barulho do metal rangendo e o sentimento de angústia com medo da morte.
Os momentos seguintes foram desesperadores, cruéis e dolorosos, pelo menos para mim. A parede de proteção metálica, confortável por dentro e crua por fora, se rompeu bem ao meu lado. Sem ter muito o que fazer, o vento começou a me puxar para fora, procurando romper minhas travas de segurança e me restando gritar de desespero. Eu tentava alucinadamente me agarrar aos braços do passageiro companheiro, mesmo sabendo que seria em vão.
— Moça! — gritou, desistindo de vestir sua máscara para me segurar.
— Por favor não me solte! Não me solte! — grito, também, em angústia e medo.
As travas então se romperam por inteiro, minha poltrona foi sugada para fora e minhas pernas estavam com forças para o ar. O homem fazia de sua vida o que podia para me manter junto a ele, gritando a todos os pulmões para eu ser forte e não soltar os seus braços.
O desespero estava no mais alto nível de minha vida. Eu já sabia que ia morrer e ainda insistia para que isso não acontecesse. O vento estava a cada segundo mais tenso, a cada momento destruindo o avião, até que não tive mais forças para me manter e fui lançada para fora da aeronave.
Senti minhas mãos escorregarem, meus cabelos voarem com força e o ouvido tampado de tanto vento. Gritando sem ouvir.
Perdi as mãos do companheiro que tentava me salvar e senti um baque em meu corpo quando bati na cauda do avião. Fui lançada sem dó e nem piedade contra o aço. Eu perdi os sentidos, mas não todos eles, eu acho. Pude jurar que na queda do meu corpo sem reação, caindo de encontro ao mar, vi o céu se abrir. Um raio pegou o avião no ar, atingiu o aço em cheio, explodindo de vez os seus restos e partindo sua estrutura em inúmeros estilhaços.
Um tremor tomou o meu corpo e meus olhos foram obrigados a fechar.
Recobrei os sentidos, ou pelo menos foi isso que pensei quando voltei a ter visão. Senti meu peito doer, minha garganta queimar e um sufocamento me tomar. Abri meus olhos com o susto da sensação e me deparei com o azul escuro da água, o frio tomar o meu corpo e o líquido penetrando os meus pulmões.
Eu caí no meio do Atlântico. Não morri no ar, para morrer afogada.
Já não tinha forças para me puxar para cima, e numa tentativa falha de ainda salvar minha vida tentei alcançar um pedaço qualquer da aeronave que queimava sobre a água . Sem êxito. Meus pulmões queimavam ainda mais, meus braços quase não se moveram e minha garganta entrou em um estado agonizante, embaçando minhas vistas e comendo os meus sentidos.
Senti dor. Muita dor.
Por fim me entreguei as águas frias de um azul sem fim, na escuridão de um céu desconhecido e um destino impiedoso. Tanto esforço para acabar em morte. Me lembro que em meus últimos segundos de consciência, pedi misericórdia à vida de minhas amigas, que não vi durante o desespero do acidente. Se não pudessem viver, que ao menos tivessem uma morte rápida. Depois disso, só esperei a escuridão me tomar.