Oito anos.
Oito anos de casamento haviam passado como um rio silencioso: às vezes calmo, às vezes turbulento, mas sempre seguindo em frente, sem nunca se deter. Para os olhos do mundo, Mia e Bryan eram a imagem perfeita de maturidade e estabilidade. Três filhos encantadores, uma casa iluminada pelo riso infantil, um casal que permanecia lado a lado. Mas, por trás da moldura impecável, havia fissuras invisíveis — um silêncio que nenhum amor, nenhum dever e nem mesmo o tempo havia conseguido dissolver.
Naquela sexta-feira em Costa da Lua, a rotina parecia perfeita. O sol filtrava-se pelas cortinas, tingindo a casa com uma luz dourada e suave. O perfume de café fresco e pão quente pairava no ar, trazendo a promessa de mais um dia tranquilo. Rosamund Gray, a governanta, movia-se pela cozinha como um relógio preciso, organizando cada detalhe.
– Bom dia, Sra. Luna – cumprimentou com ternura. – O café já está quase pronto. Lauren já acordou e está esperando para se sentar à mesa.
Na cadeirinha, a bebê de um ano batia as mãozinhas no ar, chamando atenção. Mia se inclinou, beijou-lhe os cachinhos loiros e macios, e a pequena sorriu como se o mundo inteiro coubesse naquele instante.
– Mamãe! – exclamou Lauren, estendendo os braços.
Mia a pegou, apertando-a contra o peito. Ali, naquele abraço quente, não havia silêncio nem ausência: apenas amor absoluto. O riso dos filhos, o aconchego da casa, a normalidade de uma manhã. Tudo parecia perfeito… até que a lembrança da falta voltava. Sempre voltava.
Do quintal vinham as gargalhadas de Logan e Luke. O mais velho, de oito anos, corria atrás do irmão menor, de cinco, como dois lobinhos em treinamento, desafiando-se em jogos de velocidade. O som deles ecoava pela casa, preenchendo o espaço que Bryan não preenchia.
Foi então que ele apareceu. Impecável. Alfa até no gesto mais simples. O terno alinhado, a postura ereta, o sorriso contido — como se até a ternura tivesse limites.
– Bom dia, família – disse, com a voz firme.
Logan e Luke correram até ele, e Lauren quase se inclinou da cadeirinha para alcançá-lo. Bryan a tomou nos braços por alguns segundos, o gesto rápido, prático, quase mecânico. Depois a devolveu ao assento.
– Olá, papai! – gritaram os meninos em uníssono.
– Olá, meus pequenos – respondeu ele, antes de se sentar.
À mesa, o cenário era de perfeição. A família reunida, o alimento servido, a rotina cumprida. Mas, dentro de Mia, havia apenas a consciência de que o que estava diante dela era um quadro: bonito de se ver, mas sem vida suficiente para aquecer seu coração.
– Querida, você vai ao trabalho hoje? – perguntou Bryan, enquanto passava manteiga no pão.
– Sim – respondeu, firme. – O Refúgio precisa de mim.
Ele assentiu, sem olhar profundamente nos olhos dela. Apenas o gesto neutro de quem reconhece um compromisso.
– Certo. Nos vemos à noite, para o jantar.
E só. Nada além disso. Nem um beijo, um abraço , apenas um aceno com a cabeça e era sempre assim.
O Refúgio da Lua era o verdadeiro lar de Mia. Cada corredor guardava histórias de superação, cada sala exalava acolhimento. Ali, ela se sentia inteira, útil, viva. Ao lado de Chloe e Liam, revisava relatórios e discutia os preparativos para o baile beneficente.
Mas a rotina foi quebrada por um detalhe. Um entregador entrou, trazendo um buquê de rosas vermelhas.
– Para a senhora Chloe, da parte do senhor Benjamin – anunciou.
Chloe ficou radiante, os olhos brilhando, o rosto transformado pelo gesto de amor. Mia sorriu para a irmã, mas por dentro algo se partiu. As flores eram simples, mas cheias de significado. Um gesto pequeno que carregava dentro de si todas as coisas que Mia já não tinha mais: surpresa, delicadeza, demonstração espontânea de afeto.
Ela nunca recebera rosas de Bryan. Nunca um bilhete escondido, um presente fora de data, um gesto que dissesse “pensei em você”. Não era crueldade, não era desprezo. Era simplesmente ausência. Uma ausência que doía mais do que qualquer ferida.
Bryan era correto, respeitoso, um pai presente. Mas havia nele um limite intransponível, um muro que barrava todos os gestos íntimos. Não havia beijos roubados, não havia olhares cúmplices, não havia “eu te amo” ditos sem planejamento. Até o sexo, quando acontecia, era mais uma função conjugal do que a explosão de desejo que um dia os consumira.
E Mia sentia falta. Sentia falta até da arrogância dele quando era temperada com paixão. Sentia falta da intensidade, do fogo, da chama que os havia unido no passado. Agora, restava-lhe apenas o papel de companheira oficial, mãe dos filhos dele, Luna respeitada da Alcateia.
Bryan não era c***l com ela como já fora um dia. O tempo — e a dor quase irreparável de quando Mia esteve à beira da morte — o haviam mudado. Ele não a feriu mais de propósito, não a lançou novamente no abismo de humilhações e brutalidades que um dia marcara o relacionamento deles. Aprendera a respeitá-la, a tratá-la com dignidade.
Mas esse respeito tinha um preço: o fogo também havia se apagado.
Quando eram jovens, Bryan fora uma chama viva. Apaixonado, intenso, capaz de mover céus e terras só para vê-la sorrir. Mia ainda conseguia se lembrar com nitidez da devoção dele, dos gestos arrebatados, dos olhos que a procuravam como se ela fosse o único lugar seguro no mundo.
Então vieram os anos sombrios. Os altos e baixos. O amor transformado em guerra, a paixão em ferida. Bryan deixara de ser o lobo apaixonado e se tornara c***l, capaz de partir Mia em pedaços com palavras e atitudes frias, como se quisesse puni-la pelo simples fato de existir ao lado dele.
Agora, depois de tudo, ele habitava um território intermediário. Não era mais o Alfa c***l, mas também não era o amante ardente. Vivia numa contenção constante, como se tivesse erguido muralhas dentro de si e decidido nunca mais deixar que ela atravessasse. Cumpria seu papel: pai dedicado, companheiro correto, Alfa justo. Mas nada além disso.
Para os outros, Bryan era exemplo. Para Mia, era ausência.
E era justamente isso que mais a dilacerava: saber que ele podia ser diferente. Ele já fora. A lembrança do Bryan que a olhava como se ela fosse o sol ainda a queimava. O Bryan que a desejava, que a defendia, que a amava com uma devoção crua e selvagem. Esse Bryan existira, mas agora estava soterrado atrás de uma muralha que ela não sabia mais como atravessar.
Mia permanecia. Pelo amor aos filhos, pelo dever como Luna, pela Alcateia, pelo vínculo destinado desde o nascimento. Mas também permanecia porque ainda acreditava que, em algum lugar, aquele Bryan do passado sobrevivia — escondido, silencioso, esperando ser despertado.
E talvez essa esperança fosse sua maior prisão.