Bryan, ainda tenso ao seu lado, parecia prestes a explodir de raiva, os músculos dos ombros contraídos, uma respiração incerta. Os olhos vermelhos alfa injetados de raiva, mas Mia, decidida, se forçou a manter a calma. Ela olhou para ele, forçando-se a ser suave, tentando ignorar o buraco que se abrira dentro dela.
Com um sorriso sutil e uma leve tensão nos ombros, Mia se virou para ele. Aproximou-se de Bryan, envolvendo-o com braços firmes, mas surpreendentemente suaves, e, em um gesto quase carinhoso, depositou um beijo na sua bochecha.
A reação de Bryan foi imediata: olhos azuis arregalados de perplexidade, a desconfiança ainda pulsando em cada centímetro de seu corpo, e uma expressão de pura surpresa. Mia nunca havia sido carinhosa com ele. Como poderia ser? Ele passara tempo demais afastando-a no passado, negligenciando o que realmente importava. Cada escolha equivocada quase o fez perdê-la para sempre. Mas agora… agora ele sabia, com uma clareza feroz, que seria diferente. Ele estava determinado: faria de tudo para reconquistar o que sempre fora dele.
Bryan sabia que Mia estava reafirmando seu lugar na alcateia — e na vida dele. Aquilo não era um gesto de afeto, era domínio. Uma demonstração fria e calculada de poder, feita diante de todos. Ela não precisava gritar para ser ouvida; bastava existir daquele jeito para que o mundo se curvasse.
Ele observou, preso entre o espanto e o fascínio, quando ela pegou uma uva do prato à sua frente e a levou aos lábios com uma serenidade que desafiava o caos. O gesto, apesar de simples, carregava um recado claro: “Eu comando o jogo.”
Bryan sentiu o ar rarear. Dentro dele, o desconforto se misturava à admiração e a algo que ele jamais admitiria em voz alta — ele gostava daquilo. Gostava de ver o controle mudar de mãos, mesmo que isso o deixasse sem chão. Porque, de alguma forma, mesmo desconcertado, ele sabia: aquilo era real. Era força. Era Mia.
A mesa estava cheia, mas a confusão era evidente. O clima carregado e a tensão entre todos os presentes se acentuaram ainda mais. Axel Blackwolf, com seu olhar aguçado, não desviava os olhos de Mia, como se esperasse algo dela. Talvez uma reação mais explosiva. Talvez algo mais visceral. Mas o que ele viu foi algo que, para ele, parecia completamente desconcertante.
Bryan, ainda sem saber o que fazer, olhou para Mia com uma combinação de perplexidade e suspeita. Ele estava perdido, sem saber se aquilo era genuíno ou uma estratégia para lidar com a situação. O clima, já tenso, estava agora ainda mais carregado de confusão. O gesto dela, inesperado, parecia desafiar tudo o que havia acontecido até ali.
E foi no meio desse silêncio carregado de expectativas, de reações disfarçadas e olhares vigilantes, que Mia, tentando se forçar a ser doce, falou com uma suavidade que quase a desconcertava.
— Meu Alfa, que tal fazermos um piquenique em família hoje? — A voz dela se forçou a ser suave, quase sedutora, como se estivesse se transformando em algo que ela não sabia se poderia sustentar. Ela usou um tom suave, quase como Marilyn Monroe, que fez o impacto de suas palavras ser ainda mais profundo, um sussurro provocador. — Só nós cinco. Eu, você e nossos filhotes?
Bryan, depois de alguns segundos de silêncio, sorriu, a tensão se dissolvendo um pouco em seus olhos. Ele assentiu, e o sorriso que se formou em seu rosto foi genuíno. Havia algo ali. Algo entre eles. Algo que não estava morto, não ainda. Dentro dele uma mistura de esperança e medo.
— Acho perfeito, minha Lua — ele disse, sua voz suave, com um tom de aceitação que parecia aliviar a tensão que havia se instalado entre eles. — Vamos fazer isso, vamos fazer o que você quiser.
Rosamund Gray, a ômega governanta, que cuidava da família de Mia, se prontificou:
— Estou indo buscar os filhotes, Luna.
Mia sorriu para ela e consentiu:
— Sim, Rosê querida, faça isso por favor, obrigada.
Ela o olhou, a respiração mais tranquila, e se inclinou novamente, envolvendo-o em um abraço mais apertado, ainda mantendo os braços ao redor dele.
— Ótimo, amor — ela disse novamente, um sorriso genuíno se formando em seu rosto. — Vou pedir para fazerem uma cesta para nós então.
Bryan assentiu com um sorriso. Ele retribuiu o gesto, e pela primeira vez em muito tempo, Mia sentiu que ele estava se abrindo.
Lívia levantou-se em silêncio. Os sentimentos que antes lhe davam poder agora a esmagavam — o orgulho ferido, a raiva que se achava superior. Saiu da mesa com passos rápidos, o som dos saltos quebrando o ar como estilhaços. Alguns olhares seguiram seu corpo curvado; outros observaram Mia com um novo tipo de respeito, e com medo velado — porque havia uma diferença entre intimidar e governar; Mia agora provava que sabia a diferença.
Quando a porta se fechou atrás dela, o salão permaneceu em silêncio por mais alguns segundos, como se todos precisassem recompor a frequência do mundo. Bryan permaneceu imóvel, os dedos apertando o guardanapo, o coração batendo alto demais. Ele olhou para Mia — e viu nela tudo o que havia destruído e também tudo pelo que desejava lutar.
Ela era a tempestuosa e a paz, a acusação e o refúgio. E ele, quebrado por escolhas próprias, jurou restaurar o que restava.
Mia sentiu o peso do olhar dele e soube que, por mais teatral que fosse o jogo que ela dirigia para a mesa, havia algo naquele homem que não mais poderia ser ignorado: uma determinação silenciosa, como uma maré que retorna.
Ela retribuiu o abraço de leve, permitindo-se por uma fração de segundo a sensação de ser amparada — ainda que soubesse que era um amparo instável. Por baixo da superfície, uma rachadura que não cederia com beijos.
Os demais, aos poucos, retomaram a compostura. Conversas baixas se formaram; talheres foram recolocados. A rotina da casa retomava seu curso, mas a maré de hoje já havia deixado marcas.
Lívia, do lado de fora, desceu as escadas com o rosto tingido de uma humilhação que arde. Ao atravessar o corredor frio, as palavras de Mia ecoaram como lâminas. Ao virar a esquina do jardim, arrancou o casaco com raiva e sussurrou para si mesma o que não podia voltar atrás:
“ainda não acabou, você será meu Bryan de uma forma ou de outra, custe o que custar.”
Com o aval de Bryan, Mia se moveu em direção à cozinha da mansão Blackwolf, um espaço que sempre exalou o calor de um lar, o aroma de especiarias e a familiaridade de vozes femininas. Ao cruzar o portal de madeira maciça, encontrou o coração pulsante da casa.
Lá estava Vivian Guerra, a governanta de Babi Maya, uma mulher cuja sabedoria se refletia em seus olhos claros, apesar de sua pele suave que desmentia a idade. Sua aura era de um pilar de força e gentileza, seus cabelos, sem um fio grisalho visível, estavam impecavelmente presos.
Então as outras lobas da família em apoio a Mia começaram a se reunir na cozinha. A primeira a chegar foi Babi Maya, a mãe de Bryan, exibia uma beleza atemporal e uma serenidade que Mia sempre admirou, seus traços jovens e vibrantes. Perto dali, Evy, a matriarca mais antiga depois de Serena Blackwolf, avó e bisavó de Bryan, tecia algo com as mãos ágeis e sem mácula do tempo, um sorriso sábio nos lábios que não revelavam as décadas de existência. Logo depois vieram outras: Amélia Blackwolf, tia de Bryan, Lyra Starlight, sempre presente, Johanna Montserrat, Thea Mykonos, entre outras esposas e namoradas. E, claro, a presença reconfortante de sua própria mãe, Elizabeth Ashworth, com a vitalidade de uma mulher em seu auge, cujos olhos preocupados encontraram os de Mia no mesmo instante. Chloe, sua irmã e Lambda de Mia, conversava animadamente com outras lobas da família, o burburinho de vozes femininas, todas jovens e fortes, criando uma melodia familiar e acolhedora. A jovialidade era evidente em todas, um testemunho da longevidade e vigor das lobas.
O olhar de Elizabeth era um livro aberto de apreensão.
— Querida, como você está se sentindo? — A pergunta, carregada de afeto materno, fez Mia dar de ombros, um gesto que tentava disfarçar a tormenta em sua alma.
— Estou bem, mãe, não se preocupe. — A voz de Mia soou mais firme do que ela esperava. Ela se aproximou da mãe; o abraço foi um refúgio mútuo, um encontro de almas que entendiam a dor em silêncio. O cheiro de lavanda de Elizabeth era um bálsamo.
Depois, Mia se virou para Vivian, seu sorriso se alargando. O cumprimento foi um abraço caloroso e genuíno. Vivian, cujos olhos estavam antes carregados de uma preocupação quase palpável, viu o brilho de determinação no olhar de Mia.
— Você pode, por favor, preparar uma bela cesta para um piquenique em família? — O pedido flutuou no ar, um contraste com a gravidade dos acontecimentos recentes. O rosto da governanta se iluminou de imediato, um sorriso radiante substituindo a expressão sombria.
— Claro, querida! Farei agora mesmo. — A energia de Vivian preencheu o ambiente, e ela já começou a movimentar-se, chamando outras lobas, igualmente jovens e ágeis, para auxiliarem.
Mia se virou então para a sogra e a avó de Bryan; seus abraços foram repletos do mesmo calor, uma conexão que transcendia o parentesco. Elas não eram apenas tias, avós, irmãs ou cunhadas; eram a família dela, o porto seguro que a acolheu e a tratou com um amor e carinho incondicionais.
Mia sentia-se amada, cercada por uma rede de apoio de mulheres fortes e resilientes, cujas vidas prolongadas as tornavam ainda mais sábias. Essa certeza, essa sensação de pertencimento, era a força que a impulsionava. Era o alicerce que ela precisava para enfrentar qualquer realidade, qualquer desafio que o destino pudesse impulsionar em seu caminho.
O dia se desdobrava, carregado de promessas silenciosas. Mia tinha muito o que digerir sobre tudo o que havia acontecido nos últimos dias, mas, cercada pelo amor de sua família e pela nova atitude de Bryan, ela sentia que estava pronta para enfrentar oque viesse.
Porém, O que ela nem ninguém ali percebeu foi o brilho furtivo entre os galhos, um sinal sombrio de que algo se aproximava, silencioso, inevitável…