O sol ainda não havia tocado a janela quando Bryan se levantou. O quarto estava mergulhado em penumbra, o ar denso de madrugada carregado com o perfume dele — madeira escura e fumaça suave. O som ritmado do relógio parecia se confundir com o compasso firme dos passos dele, e Mia percebeu, antes mesmo de abrir os olhos, a agitação que tomava conta do espaço. Havia uma energia elétrica no ar, uma inquietação silenciosa que só o instinto dela era capaz de captar.
Sem pensar, ela se ergueu, sentando-se na cama e observando-o por um instante. Bryan, de costas para ela, se vestia com uma precisão quase ritualística: cada movimento calculado, como se vestir para enfrentar o mundo exigisse controle absoluto. O tecido da camisa branca deslizava sobre a pele bronzeada, revelando a força dos músculos, o corpo de um guerreiro que carregava o peso de um reino.
Mia se aproximou, deixando que o lençol escorregasse de seu corpo, e tomou a gravata das mãos dele. Havia uma naturalidade íntima nesse gesto — a maneira como seus dedos deslizavam pelo tecido, ajustando o nó com delicadeza, os olhos levantando-se até encontrarem os dele.
— Muitas coisas a resolver hoje? — perguntou, tentando soar casual, mesmo que o tom da voz denunciasse a saudade antecipada.
Bryan soltou um suspiro baixo, a voz rouca, ainda marcada pelo resquício do sono.
— Sim, mas tentarei estar de volta antes que você durma. Espere por mim, ok?
Ela apenas assentiu, e antes que pudesse responder, ele a puxou de repente pelo braço, o toque quente e firme a fazendo perder o equilíbrio por um instante. O beijo que veio em seguida foi mais demorado que o habitual — intenso, lento, quase possessivo. O tempo pareceu parar entre eles. Os lábios se encontraram como se tentassem recuperar algo que o orgulho insistia em esconder.
O gosto dele — forte, amargo e familiar — a fez fechar os olhos, e, por um momento, todo o resto desapareceu.
Mia sentiu o coração acelerar de forma quase dolorosa. O toque dele ainda tinha poder sobre ela, e isso a deixava dividida entre o amor e o medo. O passado ainda sussurrava lembranças de traições, feridas que o tempo não havia curado. Ainda assim, o corpo reagia antes que a mente compreendesse — o calor subindo por sua pele, a respiração irregular, o instinto lunar despertando, pois naquela noite haveria lua cheia, e nada intensificava tanto os sentidos quanto a força da lua sobre eles.
Bryan se afastou, ajeitando o colarinho, depois pegou a pasta e o paletó. Mia o observava em silêncio, absorvendo cada detalhe — o modo como ele ajeitava os punhos, o gesto preciso de amarrar os sapatos, a postura de quem nasceu para comandar. Mesmo distante emocionalmente, Bryan mantinha uma presença imponente, impossível de ignorar.
Ela o conhecia demais. Sabia que ele jamais deixava de tocá-la — fosse ao passar por ela no corredor, ao sentar-se à mesa, ou ao deitar-se ao seu lado. Havia uma espécie de pacto silencioso entre os dois: a i********e física persistia, mesmo quando as palavras rareavam e o coração dele parecia murado.
Com um último olhar, Bryan lhe lançou um meio sorriso. Foi o suficiente para fazer o peito dela doer. Quando ele cruzou a porta, Mia ficou parada por um instante, com os lábios ainda formigando e os olhos fixos no vazio deixado por ele.
O silêncio da casa, logo depois da partida dele, era quase ensurdecedor.
Foi então que o zumbido incômodo em sua mente começou. Um chamado silencioso, uma presença antiga. Lívia.
A simples lembrança daquele nome fez o estômago de Mia se contrair. Lívia estava na cidade. Ainda. Mesmo casada com Daemon Hemlock — o ex-Rei Lycan —, aquela mulher parecia feita de obsessão. Sempre à espreita, tentando se infiltrar em qualquer brecha que encontrasse na vida de Bryan.
Para Lívia, Mia havia roubado o que era seu por direito — o título, o homem, o trono. E, embora os anos tivessem passado, a raiva de Lívia permanecia viva, ardendo como uma chama maldita.
Mia suspirou, tentando afastar a inquietação, mas o desconforto crescia em seu peito. O pressentimento era quase físico.
Enquanto se preparava para o dia, vestindo uma roupa simples e prendendo os cabelos, deixou que os pensamentos fluíssem, como se precisasse entender as sombras que pairavam sobre sua vida.
Recordou a aliança que havia mudado tudo: Bryan e Daemon Hemlock.
Daemon — o nome ainda tinha um peso quase mítico. O ex-Alfa Lycan, c***l e carismático, que comandou gerações antes de abdicar da coroa. Um homem de palavras medidas e ambições disfarçadas.
O ritual que o tornara Rei Lycan ainda estava vivo na memória de Mia. Ela não estava presente — ninguém podia saber de sua verdadeira natureza. Sua existência era um segredo guardado sob sangue e juramentos.
Mesmo distante, ela sentiu tudo. Quando Bryan derramou o sangue sobre a pedra lunar, a energia atravessou quilômetros, tocando sua alma. A pedra brilhou em resposta, revelando o vínculo de rei e rainha. Depois veio o duelo. Bryan e Daemon, lado a lado, em uma batalha que o mundo inteiro assistiu.
Bryan venceu. E Daemon, com uma cordialidade calculada, entregou a coroa.
Mas Mia nunca acreditou na generosidade daquele gesto.
Havia algo nas entrelinhas — algo frio, manipulador. Daemon se manteve por perto, oferecendo homens, estratégias, conselhos. E, por trás disso tudo, Mia sentia que o verdadeiro motivo era observá-los. Controlar. Espiar. Ela podia sentir o olhar dele, mesmo à distância, como um sussurro na alma.
A manhã passou arrastada. Após o café, ela mergulhou nas tarefas de Luna, resolvendo assuntos da alcateia e orientando Rosê nas rotinas da casa. Quando finalmente foi buscar as crianças na escola, o sol já começava a ceder lugar ao dourado do entardecer.
O caminho de volta foi calmo. A cidade parecia adormecer lentamente sob o peso da lua que nasceria em poucas horas. Mia dirigia observando as ruas, as luzes, mas sua mente estava em outro lugar — nas promessas de Bryan, nas ausências cada vez mais longas, e no incômodo que crescia dentro dela.
Quando chegou em casa, o som das crianças encheu o ambiente, trazendo uma alegria que lhe arrancou um sorriso genuíno.
Logan, concentrado sobre o caderno, franzia o cenho diante de um problema de matemática. Mia se abaixou ao lado dele, corrigindo o lápis em sua mão.
— Olha, mãe, você pode me ajudar com essa fração? — perguntou ele, com a voz doce e impaciente.
— Claro, meu amor. Vamos ver… — respondeu, rindo baixinho ao vê-lo bufar de concentração.
Enquanto isso, Luke corria entre a sala e o quintal, molhado da piscina, deixando pegadas e respingos por todo lado.
— Olha, mãe! Olha o que eu sei fazer! — gritou ele, antes de mergulhar outra vez.
— Eu vi, meu amor! Está se saindo muito bem! — respondeu ela, fingindo bronca e limpando o rosto salpicado de água.
Lauren, a menor, sentava no tapete com suas frutinhas e brinquedos sonoros, as risadinhas ecoando como música no ambiente.
O coração de Mia se acalmou por um instante. Ali, entre os filhos, ela se sentia inteira — mas a ausência de Bryan pesava mesmo na rotina mais simples.
— Janta pronta, Luna — anunciou Rosê da cozinha. — Podem lavar as mãos.
À mesa, o riso das crianças contrastava com o silêncio de um lugar vazio: o assento de Bryan.
— Mãe, cadê o papai? — perguntou Logan, franzindo a testa. — Ele não vem jantar de novo?
Mia hesitou. Respirou fundo, buscando a calma que só as mães aprendem a fingir.
— Ele tem uma alcateia para cuidar, meu amor. Não é fácil… um dia você será Alfa e entenderá.
— Mas você também trabalha e tá sempre aqui — retrucou ele, com os olhinhos tristes.
A resposta pesou como um soco. Mia engoliu em seco, sorrindo com ternura.
— Eu tenho certeza de que, assim que puder, ele vai estar aqui. Seu pai ama muito a gente, está bem? Agora coma seus legumes, vai precisar de força pra ser um Alfa de verdade.
Luke, ainda com a toalha molhada nos ombros, fez um som de desagrado.
— Ahhh… queria mostrar pro papai meu foguete da escola!
E Lauren, balbuciando do bebê-cadeira, apontava o brinquedo que piscava.
— Buuu! Bril… ta!
Mia riu, mas o riso era frágil. Rosê, em silêncio, percebeu o peso na expressão da Luna.
O jantar terminou com histórias, beijos e o ritual de colocar cada um na cama. Quando a casa finalmente se calou, Mia permaneceu sozinha na cozinha, observando o reflexo da lua cheia nas janelas.
O luar banhava o chão de prata. A casa estava quieta demais, e o vazio que Bryan deixava parecia se tornar físico.
Ela respirou fundo. O pressentimento, que antes era apenas um incômodo, agora pulsava em seu peito como uma ordem.
Precisava ir até ele.
A dúvida vinha corroendo sua paz há dias. Mas agora havia algo mais forte: uma voz interior, instintiva, dizendo que se não fosse essa noite, talvez nunca mais houvesse uma chance de reconectar o que estava se partindo.
Pegou o celular, o coração acelerado, e discou o número de Bryan.
Ele atendeu com a voz cansada.
— Vou ter que ficar até tarde hoje, amor. Não me espere pra jantar.
As palavras, simples e rotineiras, caíram sobre ela como um golpe. Antes, teriam soado normais. Mas agora… pareciam permissão para a inquietação crescer.
O olhar de Mia se fixou no reflexo da lua. E ali, sob sua luz fria e implacável, ela decidiu.
Não iria esperar.
Aquela noite seria dela.