EPISODIO DOIS

1170 Palavras
Os convidados do papai me olham fixamente, cada um mais escuro e escorregadio do que o anterior. Não confio em nenhum deles. Os seus sorrisos melosos são bastante normais, mas seus luxuriosos olhos percorrem o meu corpo sem um pingo de vergonha. Eles se apresentam para mim um por um, oferecendo as mãos para apertar e nomes que não me preocupo em tentar lembrar. Colombiano, eu acho. Provavelmente sejam do alto comando de um dos fornecedores de cocaína do meu pai lá. Em outras palavras, é sempre assim, na casa do Moreno. — Esme é pianista. O meu pai diz, como se estivesse falando as qualidades de um produto. Ele me empurra para o piano de cauda que está ao lado das janelas com cortinas. — Toque alguma coisa para nós, querida. Assento, com o sorriso ainda cravada no meu rosto, e caminho para o piano com gratidão. Qualquer coisa para evitar ficar perto destes homens. É mais fácil respirar quando estou tocando. Estou mais relaxada nesses momentos. Posso fechar os olhos e eu me transportar para outro lugar. Para um lugar em que eu sou livre. Sento no banco do piano e coloco minhas mãos sobre as teclas. Eu gosto de tocar Chopin, mas hoje decidi interpretar Mozart. É mais dramático, mais triste. Se encaixa no meu estado de espírito. Os meus dedos estão nas teclas. Uma nota alta e doce se eleva, bem-aventurada e simples. Em seguida, a seguinte. E a seguinte. E a seguinte. Posso ouvir os murmúrios dos homens, mas os ignoro. Não me importa se prestam atenção ou não. Se gostam ou não. Porque não estou tocando para eles. Estou tocando para mim. Durante vários minutos, os meus dedos dançam sobre o piano. Durante vários minutos, estou livre dessa terrível gaiola em que estou presa. Mas terminou muito cedo. Não se esqueça da máscara. Me lembro quando termino. Volto a esculpir o meu sorriso de boa menina, enquanto eu me levanto e desvio para olhar para meu pai e a seus colegas. Me aclamam. Faço uma pequena reverência. — Eu não disse para os senhores? Não é uma maravilha? O meu pai se vangloria, afastando-se de mim. — Esme, você pode ir. Assento com a cabeça e escapo para o corredor. Os meus dedos tremem de novo quando fecho a porta do salão. Eu vou para meu quarto, tiro o vestido da Prada e deixo ele amassado no chão do meu armário. Arrasto-me para debaixo dos lençóis de seda e tento dormir, rezo para que pelo menos os meus sonhos me transportem a algum lugar diferente. Mas o sono nunca chega. Fico olhando para o teto sobre a minha cama durante uma hora. Talvez eu esteja muito deprimida para sonhar. Depois de um tempo, me dou por vencida. Afasto os lençóis e me levanto da cama para trocar o meu pijama por uma calça leggings e um sutiã desportivo. Em seguida, desço silenciosamente as escadas, através das portas francesas e saio para o jardim iluminado pela lua. O ar fresco enche os meus pulmões. me faz sentir melhor. Uma voz na escuridão chama por meu nome. — É você Senhorita Esmeralda? Eu giro para encontrar Miguel, um dos guardas de segurança da nossa casa, parado a alguns metros de mim. Os seus traços estão escondidos pela sombra, mas posso sentir pelo seu tom, que está preocupado comigo. Mas, se eu pensar bem, ele está sempre preocupado comigo. — Está tudo bem? Ele pergunta. Ele dá um passo para a luz e sorri. Miguel é um homem de feições toscas, nariz arrebitado e sobrancelhas cheias, mas há uma ternura nele que gosto. Contrasta com a crueldade do meu pai. Dou-lhe um beijo na bochecha. — Olá, Miguel. Como está a sua esposa? Um sorriso transforma o seu rosto. Me parece que, apesar do terno preto e o enorme rifle que leva no peito, não é muito maior do que eu. É como um irmão mais velho que cuida de sua irmã pequena. Ele sabe que não deve ficar conversando casualmente comigo, isso vai estritamente contra as ordens do meu pai, assim que olha ao redor para se certificar de que não há ninguém mais à vista, antes de se aproximar e pegar o seu telefone celular. — Deu à luz na semana passada. Ele diz animado. — Ah, olhe, olhe agora eu tenho uma filha! O meu coração se emociona por ele. O caloroso brilho nos seus olhos, a felicidade que irradia dele: Assim é que todos supõe que um pai deve falar sobre a sua filha. Não como um artigo para ser vendido à melhor oferta. — Veja! Ele diz enquanto acha a fotografia no telefone, e me entrega com reverência. — O seu nome é Selena. Colocamos o nome da minha avó. Eu olho para a menina de rosto redondo, envolto numa manta amarela com flores rosas bordadas nas bordas. Meu peito se aperta com força. — Ela é linda, Miguel. Ele assente e pisca um olho. — Se parece com a sua mãe, felizmente. — Estou muito feliz por você. Digo devolvendo o celular. — O que você faz acordada tão tarde? Miguel pergunta hesitante. Eu mordo o lábio com ansiedade. — Eu estava planejando sair para correr. Os seus olhos escuros ficam nervosos. — Posso acompanhá-la nos jardins se você quiser. Ele oferece. Coloquei uma mão no seu antebraço. — Por favor, Miguel. Eu peço. — Eu preciso sair das instalações, só por uma hora ou duas. Quero correr junto ao mar. — Eu não estou autorizado a deixá-lo ir sem companhia... — Eu sei. Não precisa vir comigo. Serei rápida. Estarei segura. Ninguém me você vai ver. Ele passa a mão no seu bigode. — Senhorita, sabe que eu não posso permitir isso. Estou sob rigorosas instruções do seu pai. Você não deve sair sem a sua permissão. — Papai nunca o saberá, Miguel. Eu peço. — Por favor? Só desta vez. Me sinto m*al por colocá-lo nesta posição, mas estou desesperada por sentir o ar salgado na minha cara. Só por um tempo... deixar-me fingir que sou livre. — Ninguém saberá. Eu prometo de novo. Ele suspira, olha para baixo entre os seus pés, e depois volta a olhar para mim. Vejo que os seus olhos suavizam e eu sei que ganhei. — Será apenas uma hora? Ele pergunta. — Nem um minuto a mais. Eu digo animada. — Eu juro. Assente com a cabeça uma vez, com rudeza. Poderia abraçar ele, porque estou muito feliz, mas o relógio já está correndo. Em vez disso, dou-lhe o meu sorriso e vou com pressa para a parte traseira das instalações, a uma pequena porta lateral do muro do jardim, que me leva ao oceano. Posso sentir o cheiro do ar salgado, assim que chego na areia e começo a correr. Eu me sinto tão bem em correr, suar, sentir a brisa do mar. Sabor da liberdade. Eu não sabia, mas era a última liberdade que teria em muito, muito tempo.
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