Prometi a Miguel que só ficaria uma hora. Sou fiel à minha palavra, volta dois minutos antes.
É quase meia-noite e a noite está tranquila. No entanto, uma vez que estou de volta dentro das paredes, noto que a casa ainda está
iluminada. A luz artificial se filtra do primeiro andar para o gramado,
Dou voltas ao redor da casa em busca de Miguel. Chego onde ele deveria estar, mas não o encontro em parte nenhuma.
O meu coração começa a bater com força no meu peito. Em silêncio, vou para a casa e para o meu quarto o mais rápido que posso. Para a segurança.
Estou passando pelo salão do terceiro andar quando ouço papai, me chamar.
— Esmeralda.
Eu congelo. O medo toma conta de mim, me furando como se eu estivesse coberta por um manto de espinhos.
Penso em ignorá-lo, mas os anos de experiência me dizem que isso só pode piorar as coisas.
A porta do salão está entreaberta. Eu empurro para abri-la um pouco mais e entro.
As portas da varanda do quarto estão abertas para a brisa do mar.
Papai está sentado do lado de fora, de costas para mim, com o rosto inclinado para a lua. Como ele me ouviu passar?
— Sim, Papa? Eu digo
— Esme, querida. Ele diz. — Vem sentar-se comigo por um momento.
Eu mordo o lábio. No entanto, não tenho outra opção. Só tenho que esperar o melhor.
Eu saio para a grande varanda e me sento numa cadeira ao lado da sua. Há uma inquietante tensão no ar.
Algo definitivamente não está bem.
— O que aconteceu, papa? Eu digo.
Ele me oferece a sua mão. Não tenho outro remédio se não juntar a minha mão a dele. Ele aperta os meus dedos por um momento. É um gesto antigo, um que ele não faz a muitos anos, desde que eu era uma menina.
— Você teve uma boa corrida? Ele pergunta casualmente.
Duvido por um segundo antes de admitir a verdade. — Eu, uh..., sim, tive.
Papai acena. — César também gostava de corridas noturnas.
O meu rosto empalidece. Há muito tempo que ele não pronuncie o nome de César.
Soa tão m*al vindo dos seus lábios.
Desde o funeral, o meu pai se recusou a pronunciar o nome do meu irmão.
É como se culpasse César por sua própria morte. O despreza-se por isso.
Todas as fotos dele foram apagados e o seu nome tornou-se uma má palavra.
Como se quisesse que o seu único filho, meu único irmão, fosse apagado permanentemente da nossa existência.
Eu me remexo desconfortavél no meu lugar. Tento puxar a minha mão, para longe do meu pai, mas ele não a solta.
— Você tocou bem esta noite, sabia? Ele murmura. — Os homens de Colômbia ficaram impressionados. Ele está sorrindo, mas seu calor não chega aos seus olhos.
— Obrigado, Papa. Murmuro, só porque eu sei o quão irritado ele fica quando não respondo.
— Olhe para mim quando falo. Ele diz irrritado.
Eu olho para ele rapidamente. Ele continua sorrindo, mas eu conheço esse olhar dele: É um sorriso ameaçador. Foi para isso que ele me chamou aqui.
— Sim, Papa. Eu digo com respeito.
— Minha linda filha. Ele continua. — Que tesouro você é.
Eu olho para baixo, não digo nada.
— Eu tenho visto todas as mulheres do mundo. Ele me diz. — Há muitas belezas por aí. Você é muito bonita, sim, mas há muitas mulheres que são mais bonitas.
Ele estende a outra mão agarra o meu queixo, virando o meu rosto de um lado para o outro como se eu estivesse estudando em busca de defeitos.
Ele solta o meu queixo e afasta uma mecha de cabelo do meu rosto. — Tenho boas notícias para você, boneca.
O meu corpo ficou tenso. Ai está. Estamos chegando ao motivo de eu estar aqui.
O seu sorriso se alarga, mas ainda não há o calor nos seus olhos. Nunca houve. É como um lobo que sorri para você, para depois morder.
— Chegou o momento de você se casar. Ele anuncia.
As suas palavras me envolvem com um terror gelado.
Não. Por favor, Deus, não. Isso não pode estar acontecendo. Não ainda.
Pensei que tinha mais tempo.
As palavras saem da minha boca antes que eu possa interromper: — Por favor, Papa, não me obrigue a me casar.
O sorriso nunca desaparece do seu rosto.
Nem sequer quando a sua mão para trás no escuro e, em seguida, balança no ar, fazendo um forte contato com a minha bochecha e o lado esquerdo da minha mandíbula.
O forte estalo de seus dedos contra a carne grita.
Ele me deu um tapa.
Me jogando para trás, a minha cabeça bate contra o encosto da cadeira. A dor atravessa o meu rosto e os meus olhos começam a lagrimejar.
Não chore. Eu digo para mim mesmo. Não se atreva a chorar na frente dele
— Que vergonha, Esmeralda! Papai continua com calma, como se nada tivesse acontecido. — Sua ingrata. Não te criei para que você fosse uma menina m*l agradecida.
O meu instinto é colocar a minha mão sobre o meu rosto dolorido, mas resisto ao impulso e pisco para conter as lágrimas não derramadas.
Deixei que a minha máscara deslizasse. Deveria ter segurado.
— Papa, não quis ser ingrata. Digo, mantendo a minha voz suave. — Eu sei que sempre faz o melhor para mim.
Eu me odeio por dizer isso, mas é o que ele quer ouvir. E por mais doentio que seja, isso é a única coisa que fará com que este pesadelo seja interrompido.
Diga o que quer ouvir. Esperar até que ele tenha ido. Só então você vai chorar. Só então você poderá ir para o seu quarto,
gritar no travesseiro e fingir que nada disso está acontecendo.
— Você é jovem e bonita. Papai continua, com os olhos vidrados. Tem o mesmo olhar que utiliza cada vez que está tentando negociar um novo carregamentos. — Você precisa fazer a sua parte pela família. E você fara. Não é, Esme?
Ele Se vira para olhar para mim. Volta o sorriso, o sorriso frio que corta como o aresta de um punhal.
Assento com a cabeça, sem me atrever a olhar para ele. — Sim, Papa. Farei a minha parte.
— Essa é a minha garota. Agora, venha comigo. Eu quero te mostrar algo. Ele diz.
Frunzo o cenho. As surpresas do meu pai nunca são boas. Mas ele pega com força a minha mão e, assim como tudo o que acontece ao meu redor, eu não tenho outra opção.
Como um robô, o sigo para fora do salão. Espero que vire para a direita, mas ele vira à esquerda e desçe as escadas. O meu coração bate de forma irregular quando me leva para uma sala ao pé da escada.
A grossa porta de aço está ladeado por dois guardas do Papai.
Um deles abre a porta para passarmos.
No momento em que entrei na sala, grito, a minha voz atravessa o silêncio da noite como o grito de uma sereia.
— Não!
Miguel está sem forças numa cadeira. Está amarrado e amordaçado e a sua cabeça paira sobre seu peito. Sua roupa está rasgada, sangrando, e o seu rosto está marcado pelos brutais golpes que recebeu no rosto.
— Miguel. Sussurro enquanto lágrimas quentes rolam pelo meu rosto.
Ele não se move. Não levanta a vista. Nem acredito que ele esteja me ouvindo. Só geme baixinho enquanto o sangue brota dos numerosos cortes que tem as bochechas e na testa.
Eu giro em direção ao meu pai, com horror.
Ela me olha com frio desapego. — Vê o que você fez, com as suas ações?
— Ele está... está morto? As palavras saem da minha boca como ácido, mas devo perguntar.
Oh, Deus, sua esposa, sua filha recém-nascida. O que eu fiz?
— Não. O meu pai responde com voz aborrecida. — Mas da próxima vez que ele desobedecer uma das minhas ordens, ele estará. Ele entende isso agora. E você também entendeu?
Os seus olhos estavam cravados fixamente nos meus. Eu assento lentamente. — Sim, Papa.
— Não terá mais saídas para você á meia-noite. Ele continua. — Eu tenho feito vista grossa por muito tempo. Mas, você não é mais uma menina. É hora de você aprender a obedecer. Será que ficou claro?
— Sim, Papa. Respondo.
Ele sorri. Eu Me pergunto se alguma vez amei o homem que está na minha frente.
Tudo o que eu posso ver agora é um monstro.
— Bom. Ele diz.
Olhou para Miguel, mas não me atrevo a me aproximar dele. Só espero que saiba o quanto eu sinto muito.
Fujo da sala o mais rápido que posso e corro para o meu quarto. Então eu tiro na minha cama e choro, até que o sono chegue.
— Esmeralda? Eu ouço ao longe.
Uma voz me chama para sair dos meus sonhos para a manhã seguinte. Abro os olhos, mas não consigo ver. Os meus olhos ainda estão inchados e vermelhos por ter chorado até dormir.
Um homem corpulento, com um grosso e escuro bigode está de pé junto a mim, sacudindo levemente o meu ombro. Quem poderia ser...?
— Miguel? Digo ainda sonolenta, com esperança.
Pode ser que ontem à noite foi apenas um terrível pesadelo.
Talvez não tenha acontecido nada.
Então me forço a abrir os olhos e a minha visão clareia.
Não é Miguel.