Pré-visualização gratuita Capítulo um: O famoso "pula-fora".
E L I Z A
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Um mês se passou desde que o último "pula fora" se mandou de casa com as joias de minha mãe. Só o que ele deixou para trás foi uma mulher aos prantos, lenços de papéis úmidos em cima da cama e uma maquiagem borrada. Nem uma camisa, nem um perfume, nem nada dele ficou para trás, para minha mãe se recordar de sua presença. No entanto essa cena já vi várias e várias vezes, não foi a primeira. Aliás o que podia se esperar dos homens além de mentiras e promessas falsas? Nada. Por isso coloquei o nome dos namorados e maridos da minha mãe de "pula fora", nem se quer tenho tempo de decorar seus nomes, porque em um dia eles dão seus votos e no outro vão embora sem dar chance a minha mãe de uma breve despedida. Mas o que não consigo entender é porque minha mãe precisa de um homem para ser feliz? Sempre nos viramos sozinhas desde que meu falecido pai se foi. Nos tornamos livres e independentes, sem ter um homem para nos dizer o que fazer. Talvez minha mãe era uma mulher viciada em sexo, como muitas mulheres hoje em dia são. Ou a probabilidade mais gentil era o fato de que, ela somente sentia falta de papai e tentava colocar no lugar dele um cafajeste qualquer que encontrava na rua, só para fazê-la feliz por um curto período de tempo e depois se mandar. Prefiro pensar que seja a segunda opção, não gostaria da hipótese de colocar minha mãe naquelas associações anônimas de pessoas viciadas em sexo. Seria humilhante tanto pra mim quanto para ela.
Os relacionamentos da minha mãe não deveriam ser a minha preocupação naquele momento. Eu tinha problemas maiores, como a tinta azul que escorria dos meus cabelos ruivos e pingava no uniforme azul e vermelho do colégio elite. Eu deveria urgentemente retirar aquela substância grudenta sem que Lurdes a governanta da casa, pudesse ver e me fazer um milhão de questionamentos sobre o que havia acontecido. Por que isso de fato acontecia comigo? Por que aquelas garotas não me deixavam tranquila ? Eu apenas queria me sentar na mesa do refeitório sozinha naquele dia e comer a minha refeição em paz, mas tudo o que eu recebi foi uma inesperada camada grossa de tinta azul e grudenta sobre minha cabeça.
As audições do teatro para fazer a peça de "Romeu e Julieta" haviam sido abertas na semana passada. Eu queria apenas ser uma árvore, ou uma flor qualquer para enfeitar o cenário, só para contar a minha mãe que perdi o meu medo de palco e participei de uma apresentação na escola. Mas o meu professor de teatro Tobias me obrigou, no sentido literal, a fazer a audição para o papel de Julieta. Os resultados saíram de manhã no mural da escola, e para a minha doce surpresa, o papel principal era meu. No entanto minha mãe sempre dizia, que com grandes sucessos, vinham grandes inimigos também, eu gostaria que ela estivesse errada, pois Amberly a garota mais popular da escola havia feito a audição para o papel de Julieta e com toda certeza não gostou de ter perdido o papel para uma "invisível " como eu. O olhar mortal que ela lançou ao passar por mim pelo corredor confirmou as minhas suspeitas. A tinta azul despejada em minha cabeça reforçou mais ainda a ideia.
Liguei para o chofer me buscar na escola, mamãe não podia me ver daquela forma. Não queria passar como a fraca que não sabia se defender e precisava dos pais para falar por ela. Eu já tinha dezessete anos, aquele era meu último ano no colégio, estava na hora de enfrentar os meus problemas, sem a ajuda de ninguém. Quando cheguei em casa e consegui passar por Lurdes desapercebida, porque ela estava ocupada demais vendo um documentário de ursos na TV, subi para o meu quarto na intenção de me livrar rapidamente do conteúdo espesso. Meu maior desejo naquele momento era dar uma lição em Amberly, porém fui ensinada a não pagar na mesma moeda, deveria deixar o tempo dar a ela o que de fato ela merecia. Me despi por completa e atirei as roupas sujas no canto do banheiro. Lurdes já havia me gritado anunciando que o almoço estava pronto, precisava ser rápida antes que a governanta rechonchuda viesse atrás de mim em meu quarto. Quando consegui tirar um pouco da tinta dos cabelos, corri com pressa para o meu quarto. Vesti um vestido estampado com lindos girassóis e calcei as minhas sapatilhas pretas de couro. Eu sempre agradava mamãe quando me vestia daquela forma, ela dizia que eu parecia um anjo iluminado e cheio de graça. Lurdes já havia me gritado pela segunda vez e parecia impaciente assim que cheguei na cozinha, tropeçando em meus próprios pés.
— O que a senhorita estava fazendo que demorou tanto para descer ? — perguntou a governanta franzindo o cenho. Aquela senhora me conhecia como a palma da minha mão, qualquer gaguejar, qualquer olhar, ela seria capaz de capturar e logo descobrir as mentiras presentes em meu tom de voz. Naquele momento me sentia como se estivesse na corda bamba.
— Estava tomando banho. Cadê mamãe ? — perguntei mudando de assunto fitando o acento vazio a minha frente com olhos pidões. Ela sempre se derretia quando eu perguntava de mamãe, Lurdes sabia como eu me sentia sozinha todos os dias, o trabalho da minha mãe sempre sugava toda a sua energia e tempo. Era raro quando tínhamos um momento só para nós duas.
— Ainda não chegou. E provavelmente não vira para o almoço. — Disse a governanta colocando um prato coberto com macarrão e almôndegas na minha frente. Aquela era a forma de Lurdes acabar com a nossa conversa, ela odiava quando eu falava pelos cotovelos na hora do jantar.
— E sabe quando ela volta? — Perguntei baixinho. — A governanta bufou durante longos e intermináveis segundos.
— Não sei Eliza. Agora pare de brincar com a comida e a leve para o seu estômago, onde é o seu devido lugar. — disse Lurdes ao perceber a ponte que eu havia feito com as almôndegas e alguns fiapos de macarrão. Eu estava a ponto de revirar os olhos para a governanta, quando um assovio invadiu toda a cozinha dando um ar alegre ao ambiente. Olhei para o lado para ver quem exalava toda aquela felicidade, e vi mamãe rodopiando alegremente enquanto entrava na cozinha, dançando uma música imaginaria que só tocava em sua mente.
— Boa tarde, meu anjo iluminado. — Mamãe sorria radiante, ela exalava felicidade, eu nunca a vi daquela forma antes. Algo de muito maravilhoso havia acontecido, aquilo me deixava extremamente ansiosa.
— Boa tarde mamãe. A senhora está tão radiante hoje. — Olhei para a sua boca admirando as curvas de seu sorriso e os dentes perfeitamente brancos e alinhados em sua boca. Mamãe era linda, com seus cabelos dourados da cor do sol e os olhos verdes avelã, em um tom raro e menos compreendido.
— Estou feliz Eliza, estou feliz.— mamãe repetiu abrindo cada vez mais o sorriso que iluminava o seu rosto perfeito. Suas palavras saiam tão melódicas, que parecia que a qualquer momento, mamãe se levantaria e cantaria, igual aos personagens de comédias românticas.
— Qual é o motivo para tanta felicidade ? — perguntei feliz por não ver mamãe com a maquiagem manchada e os olhos vermelhos como era de costume. Era difícil para ela superar uma decepção, demorava meses, até mesmo anos. Ela parecia ansiar pela minha pergunta, ao se levantar de seu assento e imediatamente caminhar em minha direção, para segurar as minhas mãos com amor.
— Está preparada para a notícia? — Seus olhos ansiosos me faziam assentir rapidamente com a cabeça. Em um gesto eufórico mamãe começou a agitar os dedos no ar, praticamente gritando as palavras. — Eu vou me casar. — Para se certificar de que as palavras haviam saído com clareza de sua boca, mamãe estendeu o dedo para mostrar o lindo e magnífico anel de diamante em seu dedo anelar. Aquela cena me deixou completamente sem ar, assustada e sem reação, ao invés de sair palavras dos meus lábios, toda a comida que eu havia começado a decorar voou como um jato para fora da minha boca, caindo no avental branco e recém lavado da governanta.