O vampiro na estrada

2746 Palavras
As folhas de outono caiam pela rua enquanto voltava para casa. As folhas caídas formavam um tapete alaranjado e desbotado onde o som de algo sendo esmagado se fazia presente toda vez que andava sobre uma pilha destas. O sol estava escondido por detrás de escuras nuvens agourentas. O vento gélido fazia seu cabelo curto preto voar, o rosto parecer ter pequenas agulhas finas se fincando a sua carne e o brinco único em formato de cruz na orelha esquerda ficar evidente balançando. Uma neblina fazia a visualização da estrada tão conhecida difícil. Um cenário normal a ela estava de certa forma alucinante e cheio de adrenalina. Havia uma inquietação em todo o seu interior que estremecia carregado pela sensação sentida por seu corpo físico que se resumia a um formigamento do começo da cabeça a ponta dos pés. Isso sem contar os arrepios frequentes e os pelos da nuca eriçados como os de um gato que pressente uma ameaça. Anne Elizabeth Bulstrode engoliu em seco sentindo um aperto no coração. A trajetória pela rua era vazia já que morava numa vizinhança quase esquecida na zona rural de Salém e o ônibus da escola só ia até o começo da estrada. A força desse dia lhe era de certa forma aterrorizante, perturbadora e sinistra a um extremo que beirava a loucura. Só queria chegar em casa logo e fazer suas preces para ter paz. Levou os dedos ao crucifixo em seu pescoço, acabou mexendo o pingente de um lado a outro, fazendo uma leve careta tonta pela energia negativa ao seu redor. Parecia ser sufocada por trevas e o único ponto de luz era ela e sua fé em Jesus transmitida pelo crucifixo que brilhava fortemente no mundo espiritual afastando os fantasmas e as outras criaturas que tinham livre acesso no dia em particular. Anne era como a lua, refletindo o brilho do sol e iluminando assim a noite mais escura. Odiava o dia das bruxas, dia de todos os santos ou o como quer que nomeassem. O véu do mundo dos vivos e dos mortos ficava mais fino e essa era a única verdade da qual tinha conhecimento no fim. Foi parada por algo na estrada de asfalto encoberta por folhas desbotadas que serpenteava o meio da isolada Floresta dos Gritos. A Floresta Sinistra. Um ser que a princípio ela não pode ver totalmente. Anne quis sair dali, seu corpo todo querendo correr e seus pés deixando isso evidente ao apressarem mais e mais o passo. Fez uma rápida prece pedindo socorro em sua cabeça para o caso de ser um demônio e espírito maligno mais poderoso que era preciso jejum e oração extrema para expulsar. Apesar de tremer muito, como sempre ignorou e continuou a caminhar pelo caminho deserto. Talvez se fingisse não o ter o visto fosse deixada em paz. A maldita coisa estava a sua frente novamente num movimento veloz. O que ela só podia ver através de uma silhueta ocultada pela neblina. A coisa colocou a mão pálida e cheia de veias para fora da densa bruma a fazendo parar de andar e recuar. A voz amistosa e masculina exclamou: — Ótimo! Alguém nesse fim de mundo! Demétrius revirou os olhos ao notar a cara estupefata da pequena garotinha à sua frente. A daria no máximo doze anos de idade apesar de Anne já ter dezesseis. — Pare de andar correndo como se o próprio d***o estivesse atrás de você, bruxa. Preciso de informação. — Ordenou ele severamente. O ser denotava requinte por b*******a bengala no chão. No fim saiu por inteiro da neblina tendo a atenção dela de imediato pela presença marcante. O cabelo dele era longo e mais bonito de que o de muitas mulheres. Era um rapaz alto de terno, contudo, aparentando ter apenas pouco mais que a idade dela. O rosto marcante e jovial com feições aristocráticas, nariz afilado e sobrancelhas fortes, e, que detalhe, parecia esculpido por artistas gregos de tão belo. Ignorando o choque inicial dele parecer mais uma mulher do que ela própria a pequenina Bulstrode se recuperou. A moça fechando a mão em punho gritou injuriada: — Eu não sou uma bruxa, maldito! — Sou sensitiva apenas. — Acrescentou mais para si mesma, mais tranquila, já que não havia ameaça na voz dele que até lhe pareceu aprazível. —E aliás, você tem uma energia horrível, sabia? Volte para o inferno de onde saiu e me deixe em paz! Ele ignorou a ofensa. —É claro que é uma bruxa. —Revidou ele sem paciência. Em troca de sua fala recebeu um olhar assassino dela o que lhe era surpreendente considerando que ela estava sozinha ali com ele. Talvez a garota não tivesse se dado conta do perigo que corria por ele estar sendo sociável. —Não sou uma bruxa. —Teimou a jovem batendo o all star no chão e erguendo a cabeça o mais alto que conseguia para não soar intimidada o mirando frustrada por ele ser tão alto. O rapaz visivelmente maior que ela a confrontou com certo cinismo pelo modo que sua elegante sobrancelha se arqueou. Ele apoiou as duas mãos juntos na bengala elegante e um ligeiro sorriso repuxou o canto esquerdo de seus lábios. —Sou carne e ossos como você. Não vou machucá-la. — Não pode ser carne e ossos... Essa energia é demoníaca quase. Quer dizer, existem bruxas e talvez lobisomens...—Ela conversava consigo mesma, passou a mão pelo cabelo curto, os dedos penteando a franja para trás, incrédula. — Chamam coisas como você de vampiro, não é? Anne deixou-se tragar pelos olhos azuis dele que lembravam um mar revolto. —Bem, sim. —Confirmou. Deu de ombros, surpreso. —É esse o nome que dão nesses dias já que não há outro bom o suficiente. —Claro. Aqueles romances bobos e patéticos que não entendem a verdade por trás disso. Sua raça pérfida não passa de meros receptáculos podres que se alimentam da essência de outros para viver e não envelhecer. Argh. Parasitas que foram contra a lei natural da morte, do próprio criador, do ciclo da vida e da mãe natureza e ainda por cima em toda sua arrogância acham que são deuses por possuírem certos poderes. —Eu já entendi que não simpatiza com nossa espécie, bruxa. Me pegou num bom dia se não sua garganta já teria sido destroçada. Tenha respeito, sim? . —Pela milésima vez não sou uma bruxa!—Repetiu sem medo. —Não há como eu ser cristã e bruxa ao mesmo tempo. —Desafiou mostrando o crucifixo. Demétrius percebeu que no pescoço alvo sobre a pele onde abaixo a veia jugular pulsava tentadora a ele havia lá uma tatuagem com o nome Jesus que o fez arquear a sobrancelha interessado novamente. A garota baixa e ligeiramente gordinha ergueu a cabeça o acarando sem medo ao vê-lo sem palavras. —É, maldito condenado. Estou sobre a proteção daquele que criou a todos nós. Bons ou ruins. Demétrius riu como se fosse uma grande piada. A piada do século. Fazia tempo que não conversava com alguém. Talvez tivesse apenas enlouquecido por estar rindo agora. —Não me diga que...Ah, isso é definitivamente engraçado. — Tentou ele, gargalhando sinceramente como há séculos não fazia. — Uma bruxa que serve ao criador perverso e o idolatra. Sério mesmo? Ah, por favor. Não me diga que vai a igreja também. Esse seria o cúmulo do absurdo. —Ele tinha rancor na voz e ao mesmo tempo inveja da fé dela por se lembrar dele mesmo quando humano. —A mesma igreja que queimou suas ancestrais cujos gritos fizeram essa terra tremer e cujo ressentimento pulsa em cada poro dessa cidade. Não conhece a lenda das mulheres inocentes que queimaram? Quer dizer, não seria blasfêmia algo como você sequer pisar num santuário do maldito todo poderoso considerando que a maioria aqui usa a energia de um anjo caído pelo que posso sentir? Anne tomou aquela ofensa e cuspiu furiosa: —Como ousa, maldito?! Eu não sei o que os outros fazem, não dou testemunho deles só de mim mesma. Acredite ou não, eu sirvo a Jesus Cristo e o respeito. Demétrius arqueou a sobrancelha ao escutar o nome e apenas deixou escapar: —Ah, claro. O nazareno redentor. Só podia ser ele mesmo para você achar que tem salvação. Ele girou os olhos. Anne rebateu quase que de imediato: — Eu tenho salvação já que não escolhi o que sou e fui liberta da marca bruxa. Minha energia vem da essência divina dada pelo criador a todos os humanos e não de um caído. Demétrius sentia o poder espiritual puro que emanava dela. Não era corrompido como os dos outros. Ele apenas respirou fundo e acatou: —Certo, certo. Pois, muito bem. Não vim causar problemas, bruxa. E esse é o meu território. Essas são minhas terras. Me leve a mansão da família Bulstrode. Eles me servem. Assim te deixarei em paz para seguir o seu caminho. Ela o observou impactada. —Impossível! —Bufou, corajosa. Ajeitou a alça da mochila no ombro e apertou a tira até que a palma de sua mão ficasse branca pelo nervosismo. —Essa é a minha família e o meu sobrenome. Nunca falaram de algo como você ou que somos servos de alguém. —Não falaram é... Que curioso. Na primeira vez que vocês mulheres sangram já deveriam sentir-me pelo pacto que fiz com Andreia e nos homens quando atingem a puberdade. —Informou-a o rapaz de terno atemporal, segurando uma bengala onde na empunhadura tinha uma caveira de rubi que era familiar a Anne. A fitou com um sorriso assustador. Levou a mão que de tão branca parecia ossos ao pescoço dela querendo trucida-la. Foi queimado antes que pudesse tocá-la, afastou a mão rapidamente para que ela não visse, realmente surpreso e assustado. A mão dele ardia fortemente pela luz que emanava dela e ele pode ver atrás dela as asas de um anjo a cobrindo e o ser que era luz pura. Semicerrou os olhos sem acreditar que o que ela dizia sobre ser protegida por Deus era verdade. —Ou você que não ouviu sua família por pura teimosia? É essa maldita trégua que me impede de destroçar sua garganta agora, insolente. Então se eu fosse você me colocaria ciente dos assuntos de família que com certeza você resolve ignorar. Anne não conteve a língua: —Qual seria esse assunto então, parasita? — Eu sou o senhor de vocês. —Enfatizou, furioso. — Eu os dei riqueza, salvei-os da morte e em troca têm um pacto eterno comigo de servidão nessa terra. —Ele relatou saboreando as palavras, ao mesmo tempo que perigoso e ligeiramente melancólico pelo tom de voz distante e a linguagem ficando antiquada. —Agora regressei as terras que por direito são minhas. Tenho assuntos nessa cidade e bruxa cristã eu não ficaria no meu caminho se fosse você. Anne era mais curiosa do que sã. Então o indagou: —Que assuntos? —Não é da sua conta, pirralha insolente e cristã. Só me leve até sua família e pare de me contradizer. —Ordenou a contragosto. —Tem noção de que deveria me agradecer e respeitar? É por minha causa que têm tanto dinheiro, poder e influência nesse maldito lugar. A fortuna da sua família é na verdade minha. —Se é verdade o que diz, parasita, bem, venha comigo. Te levarei a isolada e horripilante mansão dos Bulstrode. ... Foi com desespero e horror que Anne assistiu a seus pais, seus tios, seus primos e seus avós se ajoelharem ao recém chegado já que ele parecia ter a idade dela. O vampiro a lançou um olhar convencido como se a obrigasse a fazer o mesmo apenas por provocação e não verdadeira obrigação que surgia como uma energia intimidante nos outros pelo pacto de sangue. No quadro na parede no centro da sala de estar, acima da bela lareira rústica com elementos modernos era ele ilustrado. Ali, na pintura, estava retratada a mesma expressão fria, bonita e elegante. Sinistro. Anne sentiu uma onda de arrepios, seus pelos se levantaram e um reviramento do estômago a fez sentir náuseas. —Eu vou para o meu quarto! —Informou-os, transtornada. —Pelo visto vocês têm muito o que conversar com o nosso visitante. —Anne, só cale a maldita boca. Se ajoelhe agora! —A mãe dela, chamada Morgana, mandou e segurou o braço da mais jovem com força a impedindo de subir a escada de mármore escuro que levava ao andar dos quartos. Ao que Anne apenas a fitou magoada. A adolescente declarou em alto e bom tom: —Eu só me ajoelho a uma pessoa. E ele não é ela, mãe. Demétrius deu um meio sorriso assistindo a cena. —Eu disse ajoelhe-se, filha ingrata! Ele é o nosso benfeitor e senhor. Nossa família tem uma dívida eterna com ele. —Rosnou a bela mulher de preto. —Não! —Se negou a menina. —Ele é só uma coisa que anda por aí ainda fingido ser homem e brincando de deus, influenciando o destino dos mortais ou matando-os quando o agrada. —Anne, ajoelhe-se agora! —Exigiu também o pai dela. As unhas de Morgana feriram o braço de Anne. —Eu já disse que não vou me ajoelhar! Pode me machucar e bater o quanto quiser, mamãe. —A voz da garota saiu embargada e os olhos escuros estavam cheios de lágrimas. —Pode fazer o que quiser comigo de novo. —Falou num fio de voz. — Não negarei meu verdadeiro senhor. Por algum motivo Demétrius acabou ficando inquieto com o aperto da mulher desconhecida, pela maldito aumentar no braço da garota inocente que o levou até ali, machucando-a violentamente. Pode sentir o cheiro do sangue causado pela unhas na cor preto que se fincavam na pele da outra com violência. O sangue era inebriante, a desejou, desejou tornar Anne sua amante por um instante. Talvez tivesse simpatizado o suficiente com a pirralha insolente, não se entendeu também quando ficou furioso. —Deixe-a, Morgana! —Ordenou Demétrius . Sua voz ecoou gutural, os olhos ficaram rubros e uma ventania sinistra começou dentro da casa. —Ela não tem a minha marca como vocês. —Demétrius foi quem contou-os. —Então não me deve nada como o resto de vocês. Deixem-na em paz! —Ela nasceu com a marca como todo bom Bulstrode, senhor. Mas sumiu depois que ela se batizou na igreja. —Caleb, o pai de Anne que informou com a voz desdenhosa. —Ela é livre do pacto que a família tem comigo pelo sangue do redentor da humanidade. —Enfatizou. Olhou-a debochado. —Meus parabéns, primeira cristã da família! É livre para fazer como deseja. — Especificou achando certa graça. — Agradeço por me trazer até aqui, mademoiselle. — Foi formal e acabou fazendo uma reverência a ela. —Não precisa agradecer, sanguessuga. Suponho que tenha dito a verdade quando disse que esse é o seu território. Eu não sabia mesmo. Agora, eu realmente gostaria de deixar essa casa, mas não tenho dinheiro ainda e... Pode esperar até eu arrumar um emprego? —Resmungou Anne acanhada e cabisbaixa. —Pode ficar o tempo que for necessário, bruxa cristã. Não expulso membros da família por mais ovelhas brancas que sejam. —Fez um trocadilho. —Certo. Obrigada, senhor. —Falou formal e respeitosa para não ser morta pelo resto da família que a trucidava com o olhar agora. —Agora, que já resolvemos isso. Minha noiva. Já a localizaram? —Demétrius os questionou. Jogou a bengala no ar e aparou apontando a ponta desta ao mais velho da família. —Levante-se e fale, Caim. —Sim, meu senhor. —Caim, o avô de Anne se levantou do chão pegando arquivos que haviam dentro de uma gaveta na escrivaninha de vidro antiga no meio da sala. — O nome dela é Endora Griffin. Estuda na mesma escola que minha neta Anne. Tem dezessete anos. Seus pais são donos das lojas Griffin por toda a Salém Ele analisou as fotos com um sorriso feliz. Anne parou de andar, surpresa, no meio da escada. Claro que seria a garota popular a noiva dele. Revirou os olhos e voltou a subir os degraus. Mais um clichê em sua vida. Rezou para que ele não entrasse na escola atrás da reencarnação do amor da vida dele.
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