A mediadora

4329 Palavras
FLASHBACK ON (26 de agosto de 1346 d.C.) BATALHA DE CRÉCY Chovia fortemente e poças de sangue se formavam pelo território que haviam conquistado. Ao andar pelo terreno lamacento; sangue, água e lama; respingavam em sua armadura. A lâmina da espada dele estava cheia do líquido rubro e ia aos poucos sendo limpa pelas gotas de chuva, todavia, estas não tinham o mesmo efeito em sua consciência. Havia ceifado a vidas de tantos homens que em dado momento perdeu a conta caminhando em meio a morte. Enquanto os outro do seu batalhão continuavam a matar desvairadamente, ele parou e contemplou o cenário de mortes e podridão. No cessar do frenesi da luta e na fogueira do acampamento onde havia vários soldados se sentavam juntos e discutiam, seu olhar se encontrou com o de seu melhor amigo Nikolai. Demétrius deixou evidente a ele o desespero e horror em seus olhos azuis. Já Nikolai nos belos olhos escuros ligeiramente puxados por sua herança asiática, não possuía nada além de pura indiferença e tédio. Girava uma adaga em mãos, brincando com a mesma atirando-a na terra num ponto certeiro e depois a pegando, num ciclo vicioso. A contragosto e por ouvir suspiros ao seu lado, parou sua atividade, virou o rosto para o dono e foi quando percebeu a seriedade de Demétrius. Não estava interessado de fato, todavia, por seus anos vivendo sob o mesmo teto do outro mesmo que como escravo, resolveu ouvi-lo. Enfiou a adaga dentro da bota. —Desabafe, i****a. —Encorajou-o Nikolai, dando-o tampinhas nos ombros e roubando um gole de rum em seu cantil e o ofertando a Demétrius que negou com a cabeça. A fogueira crepitava e os aquecia. O rosto de ambos estavam iluminados pelas chamas que provinham dela. Um vento gélido e frio trazia o odor de terra molhada pela chuva de mais cedo junto com putrefação e o metálico cheiro que provinha do sangue derramado. —Não está nenhum pouco assustado com a ferocidade da guerra, Nikolai? —Indagou-o Demétrius com um olhar vago e distante. Ele respirou profundamente, passando a mão pelo longo cabelo escuro bem cuidado que o pertencia. —A morte pode nos reivindicar para si como nós fizemos com aqueles homens... —Constatou com os olhos arregalados. Nikolai realmente entediado com aquele drama soltou ar pela boca e tentou conter sua expressão de raiva. —Não estou e você também não deveria estar. — Cortou-o friamente. Acabou tendo a atenção imediata dos olhos azuis que o acararam ainda atemorizados. — Eu nasci para isso, Demétrius. Eu nasci para matar e quero subir de nível aqui. Matar é o que eu faço de melhor. —Sorriu feliz consigo mesmo olhando para as mãos calejadas pelo manejo da espada. —Mas você não. Nunca. É bastante evidente que não. Não entendo o que faz aqui. Não tem nada o que provar. Não é um infeliz como eu cujo ninguém choraria a morte. Apenas sobreviva e volte aos seus poemas, estudos e se prepare para herdar os negócios da família. Se esconda atrás dos outros homens e o deixem fazer o serviço por você, assim quando voltar para Katrina estará vivo e inteiro. — Nik o aconselhou, limpou a boca com a mão calejada. A bebida o aquecia. —i****a. —Soltou Demétrius exasperado. —É claro que eu quero estar aqui com os outros e ajudar como é minha obrigação. —Sussurrou baixo. — É só que... aqueles que matamos, eles eram homens como nós, não entende? O rapaz de cabelo curto, liso e escuro sorriu ao amigo. —Não. Não entendo. — Respondeu o descendente de asiáticos. Passou o braço direito ao redor do outro, apontando para a fogueira e Demétrius estremeceu com o toque de Nik e apenas o analisou na defensiva. — Éramos nós ou eles. Aqui não tem rei ou monarquia. É sobrevivência. Apenas enfie sua espada... — Nik começou e para ilustrar pegou a sua a levando ao fogo com a mão esquerda já que era canhoto. — Os faça ouvir o ronco de nossos canhões e nos temerem e assim sobreviva! Guerras são feitas com sangue, caro amigo. — Explicou debochado como se falasse com uma criança e recolheu a espada novamente. — Acha que se disséssemos ao malditos franceses para se renderem eles aceitariam? —Não. — Resmungou Demétrius para si. —Pois é, meu caro amo... — Nikolai começou amargurado. — A diplomacia foi tentada e não resultou em nada. —Como pode ser assim? Não sente piedade ou tem respeito pela vida?— Demétrius inquiriu-o incrédulo ao não notar nenhum remorso nos olhos escuros e profanos. —Não. —Constatou Nikolai achando certa graça. —Nem tenho para quem voltar como você tem. —Explicou com amargura. —Não sinta culpa. Mas se ajuda, pense em sua cabeça: É nós ou eles. FLASHBACK OFF ... DIAS ATUAIS DEMÉTRIUS A suíte tinha papéis de parede numa cor vermelha com detalhes em dourados que eram bonitos. A armação da cama grandiosa de dossel era de ébano. Grossas cortinas pretas impediam o sol de adentrar pela porta de vidro de correr que levava a uma sacada cuja vista dava para a Floresta dos Gritos. O guarda-roupa era antigo, também de ébano, com entalhes encravados na cor dourada. Na mesa de cabeceira que combinava com o resto do mobiliário havia dois controles, um para a central de ar e outro para a gigantesca televisão acoplada na parede de frente para a cama. Havia três portas. Uma ao sul, na parede lateral que era de correr. Uma ao norte que era para sair e entrar no quarto e uma ao leste que levava ao banheiro. Demétrius abriu os olhos surpreso consigo mesmo que os tivesse conseguido fechar mesmo que por um instante já que sua mente estava agitada. Uma leve dor de cabeça o atingia e o fazia externar uma careta, repuxando os lábios fazendo suas presas mais acentuadas ficarem evidentes. Os dedos magros da mão esquerda pálida e delicada foram as têmporas as massageando-as deixando evidente uma aliança de ouro grossa no dedo anelar. — Realmente aquele maldito tinha razão no fim. Piedade não me ajudou em nada quando aquele francês maldito enfiou a espada em mim e o pacto com a v***a da Lilith me tornou essa coisa nojenta. —Constatou nostálgico e entediado. — Merda! Que barulho maldito é esse? Uma balbúrdia vinda do andar debaixo só aumentou sua dor de cabeça. Entendeu que alguém bronqueava Anne. Captou o assunto com sua audição privilegiada e entendeu que ela ouvia palavras austeras por não tê-lo tratado como merecia. Revirou os olhos. Ela era a única com quem simpatizou em toda aquela maldita família de servos inúteis. Devia intervir? Não agora. Não com o peso do passado quase palpável massacrando seu peito. Agarrou ao travesseiro coberto com uma fronha preta, colocou-o atrás da cabaça e tentou abafar o irritante som da briga tapando as orelhas. No fim, derrotado, apenas se levantou e foi até o banheiro. Quando desceu a escada de mármore escuro, o cheiro agradável de sangue invadiu suas narinas fazendo-o sentir uma ligeira sede e o guiando da sala à sala de jantar e então à cozinha. Se fosse um recém criado já teria destroçado a garganta dela. Era sútil se comparado ao que já sentiu, todavia, entorpecedor e incômodo como nenhum outro. Aquele sangue era como uma ambrosia. O aroma vinha da menina sentada sozinha à mesa. A mesa era de vidro com suporte de ébano e cadeiras do mesmo material com estofados vermelhos. Era uma elegante cozinha, porém, obscura e opressora pelo esquema de cores que era sempre preto e vermelho como o resto da mansão com arquitetura gótica. Estava realmente cansado daquele cenário e m*l havia chegado a ele. Demétrius sem constrangimento iniciou uma conversa: —Sinto cheiro de sangue. Se não está menstruada... O que houve? —Nada. — A garota respondeu com um fio de voz. Anne negou com a cabeça sentada ainda de costas para ele e num tom exausto. Passou- se um tempo num silêncio quase sepulcral e no fim desesperada ela soltou: —Desculpe, meu senhor. Se não o tratei com o respeito que merece e... —Não sou o seu senhor. —Constatou Demétrius debochado. Isso porque realmente ela o divertia. —Você mesmo me disse, lembra? —Brincou com ela lembrando-se da atrevida garota no meio da estrada. —Não sou uma bruxa e sirvo a Jesus! —Repetiu as palavras dela com certo humor que lhe era raro. Ela se levantou da cadeira sem olhá-lo. O vampiro notou o cabelo curto desfeito. A moça virou-se pegando a mochila da escola jogada no chão, passando as alças desta nos ombros e, ele viu os lábios dela cortados e saindo um ligeiro filete de sangue e marcas avermelhadas no rosto. Nos braços estavam vívidas novamente as unhads ao que ela só abaixou as mangas do casaco escondendo-as encolhida. Ela usava calça jeans e uma camiseta grande e folgada. Nada que indicasse que era uma garota. —Novamente, peço-o desculpas por não tratá-lo devidamente, senhor. Minha atitude ontem para convosco foi imperdoável. — Ela repetiu o pedido. Anne engoliu em seco falando formalmente. Estava perto dele dessa vez e intimidada pela altura. —Eu não sabia mesmo o quanto era importante para o resto da família e nem o quanto o devemos. Para que me perdoe, hoje na escola entregarei a documentação que o meu avô me passou e falarei com a diretora a vosso respeito. —Não ergueu a cabeça e os olhos nem uma vez. —Eu realmente não quis ser rude ontem e... —Pare de falar assim, Anne. Parece que voltei no tempo e é a Andrea na minha frente. Eu devia ter feito algo quando escutei a discussão antes. Droga!— Ele acalentou-a e quis arrumar o cabelo bagunçado dela, mas recuou a mão. Os olhos azuis dele ficaram rubros e ele fechou a mão em punho. A ventania na casa começou e a mão dele se abriu e saiu uma onda de energia na cor rubra opressora. A temperatura caiu e lá fora trovões no céu podiam ser ouvidos. —Estou com vontade de matar agora! Quem ousou mexer com você, pequenininha? —Desculpe, senhor... Eu não entendi a pergunta... — Anne disse assustada. —Quem no inferno foi contra minhas ordens de não tocarem em você e fez isso com seu maldito rosto irritante? —Repetiu furioso. Ela deu passos para trás e abraçou a si mesma. Os olhos dela se encheram de lágrimas e ela os ergueu assustada. —Eu só... Eu... —Ela tentou dizer algo, respirava com dificuldade. —Foi um acidente... Ela olhava para qualquer coisa menos para ele. —Pare. —Pediu-a abrandando sua fúria para não descontar na pessoa errada que agora cheirava a medo. —Apenas me conte quem fez isso com você e essa pessoa irá receber a punição que merece. —Eu só bati a cabeça na porta do meu quarto, senhor. — Anne inventou rápido. Ele contou mentalmente de um até dez para não arrancar cabeças e afirmou: —Você que sabe. É você tem que conviver com eles te tratando assim. Avise a sua mãe que se eu escutar ela sequer levantando a voz para você de novo é a mim que ela irá responder. E acredite quando eu digo que não tenho piedade com quem bate em inocentes. Vá para aula agora, pirralha insolente. —Sim, senhor. — Anne soltou obediente. Ela se retirou da cozinha quase correndo e ele pode parar de prender a respiração, aliviado, já que o cheiro delicioso do sangue dela não estava mais perto. — Por que ela se parece tanto com um garoto? — Questionou a si mesmo. ... ANNE O burburinho dos alunos no corredor a fazia ficar com uma dor de cabeça extrema. Eles falavam sem cessar no vídeo de sexo entre dois garotos e debochavam de um deles. Kai era um atleta e era conhecido por ser um galinha, então mesmo que ele também estivesse no vídeo era ele quem estava na posição “ dominante”. Isso sem falar na energia da multidão se unindo a dela. Buscou equilibrar-se com uma oração afastando e expulsando qualquer emoção que não fosse realmente sua e levando os dedos ao crucifixo movendo os lábios distraidamente com um louvor que se lembrava da igreja. Realmente lamentou pelo outro garoto que era o assunto do colégio. Ela mesma não havia visto o vídeo e só apagou a mensagem que recebeu com o conteúdo. Anne escutou alguém falar que o Ha Joon do segundo ano tentou se matar. Lamentou profundamente que ele se sentiu tão humilhado que tentou terminar com a própria vida. Anne sentiu a mão a tocar no ombro quebrando toda a sua tão difícil concentração e ia amaldiçoar a pessoa, entretanto, o rapaz de óculos a estudava ligeiramente assustado e frenético como se tivesse tomado adrenalina no café da manhã. E ela, apiedou-se dele. Focou seus olhos nele sentindo o medo angustiante. Ele usava uma camiseta de alguma menina de um anime que ela não conhecia. —Josh me falou que você vê fantasmas e conversa com eles. É verdade? — Indagou-a sem delongas. Anne respirou profundamente, logo seus olhos fuzilantes procuraram Josh no meio das pessoas vendo o pequeno garoto que estava mais atrás receoso de se aproximar, continuou o encarando de forma repreensiva para que ele entendesse que não podia ter espalhado seu segredo, e vendo arrependimento nele o assistindo mover os lábios num pedido de desculpas as íris escuras voltaram ao garoto otaku a sua frente novamente com mais empatia. —Quando eu quero sim. Com quem quer falar? —Foi incisiva. —Fez bem em vir a mim. Não use tabuleiro ouija ou essas coisas... —Recomendou de antemão, arrumando os livros dentro do armário onde tinha também uma bíblia. —Só dá em merda porque raramente são os espíritos que quer, mas sim demônios que gostam de brincar. Saiba que eu cobro pelo serviço. —Arqueou a sobrancelha. —Tudo bem. Não importa o preço. E não é bem com quem eu quero falar a questão... — Ele sondou-a calmo e ajeitou os óculos trêmulo. —Você acredita em possessão demoníaca? —Merda! — O palavrão só escapou da boca dela. Fechou o armário de súbito. O puxou para longe da multidão tendo o cuidado de não tocar em parte alguma exposta do corpo dele, mas sim na camisa, até que estivessem fora do prédio da escola. Longe o suficiente dos outros, ela cruzou os braços, batendo o all star no chão, impaciente, o confrontando séria sentindo um calafrio na sua espinha e olhou-o profundamente dando um suspiro. —Quem é? —É só que...Nós queríamos falar com minha vó que morreu recentemente, mas algo aconteceu e garota ficou com medo e quebrou a conexão antes da hora... — O garoto magricela começou. —Só me diz logo quem está agindo estranho... —Ela exigiu, massageou as têmporas, sem perceber o quanto sua figura impaciente era intimidante aquele menino. —A Krista Anderson, do primeiro ano. — Respondeu-a ele. —A menina que tentou se matar? — Anne insistiu apesar de que já sabia de algo. Eram diferentes surtos psicóticos de demônios assolando a mente humana. Sempre achou que era esquizofrênica até conhecer Matthew. E apesar de sua herança bruxa, há diferença entre convocar magia de seres espirituais e ver seres espirituais. Ela era médium também. Uma bruxa ser médium era uma coisa completamente fora o equilíbrio. —Sim. Ela estuda comigo e Josh e não vem a aula há alguns dias. Ontem fomos a casa dela ela estava parecendo uma louca gritando. Quando falamos com a mãe dela, ela não nos deixou vê-la. — Contou-a o rapaz. — c*****o! — Anne xingou querendo esganá-lo. Estava realmente furiosa. —Isso vai soar estranho, droga. Mas preciso tocar em você, alguma parte desnuda, escolha... —Tá. Pegou a mão dele que lhe foi ofertada, criou uma conexão mental com os olhos fixos nos dele. Anne acabou tendo os flashs da sessão espírita em sua cabeça e vendo o demônio que assolava a garota atrás deles movendo o copo com um sorriso perverso e na percepção espiritual o demônio a viu de volta. Ele era apenas uma sombra com chifres. Se não tinha força para se materializar no mundo humano era do nono escalão já que o inferno estava dividido em nove círculos. Largou a mão do menino de imediato. —Não podiam nem levar a sério? Tinha mesmo que ser a brincadeira do copo, idiotas? — Bronqueou-o. —Como você sabe disso? —Ele quis saber, se soltou puxando a mão de volta e deu passos para trás aterrorizado com ela. —Só chamem um padre exorcista. Isso não está na minha jurisdição. — Anne constatou rindo amargurada. A moça negou com a cabeça e ergueu as mãos em sinal de rendição voltando a caminhar para dentro da escola. —Por favor, nos ajude! Eu li que para igreja católica fazer um exorcismo é raríssimo. Eles coletam provas por meses. Ela está daquele jeito por minha causa, eu sei. A mãe dela acha que foi só um surto psicótico. —O menino insistiu desesperado e Anne continuou a andar. — Sei o que dizem da sua família. Os chamam de satanistas, sabia? —Gritou, a ofendendo. — Mas o lance é que dá para ver que é diferente deles. Josh disse que você é legal e ajudou ele a falar com o irmão dele de graça. —Tentou Ian angustiado. —Ou essa tatuagem com o nome Jesus é só enfeite? Ela parou de andar e de costas para ele encarou o céu com os olhos se enchendo de lágrimas. Então, de repente, e segurando as lágrimas, se virou de novo para ele, rancorosa. —Eu preciso resolver umas coisas antes. Quando acabar as aulas, me mostre onde é a casa dela e vai ter sua amiga de volta. — Garantiu-o. —Sim. —Disse ele esperançoso. — E seu maldito, — Anne rosnou basicamente. Se aproximou dele o puxando pela gola da camisa. —Josh foi de graça porque ele não tem nem onde cair morto. Porém o que vamos fazer com aquele demônio... Eu vou cobrar pelo serviço porque você foi inconsequente, ouviu? Espero que tenha aprendido a lição. Deixe os mortos em paz ou procure pessoas que saibam o que fazem pelo menos. —Ela raiou. Se sentiu horrível por cobrar, mas precisava mesmo do dinheiro. Pediu perdão a Jesus por usar seu dom assim. —Expulsar algo é bem mais caro e... —Eu pago o que for necessário. Só ajude ela... — O rapaz implorou. Anne ajudaria também se ele não tivesse dinheiro. Todavia, vendo as roupas dele que eram de marca e o celular que parecia bem caro... supôs que ele fosse rico o suficiente para não sentir falta de quinhentos dólares. — Me encontre nesse mesmo lugar depois da aula. — Pediu ela. ... HA JOON Estava sozinho ali. Estar num hospital particular e caro, era uma forma dos seus pais dizerem que o amavam. A ausência gritante na poltrona ao lado da cama trazia a tona que não o aceitavam. O vídeo ainda devia estar circulando por toda a escola. Ah, porcaria. Não queria voltar para lá nunca mais. Pensou amargurado colocando a coberta por cima da cabeça tentando suprimir a vergonha. Já se sentia excluído por ser descendente de coreanos, agora só iria piorar o bullying e as atrocidades do time de futebol americano. Estremeceu lembrando-se de cada soco que já levou só por existir. O que aconteceria agora se descobrissem que gostava de garotos, mas precisamente de ser fodido por homens? Quis tanto só morrer. Encarou os pulsos enfaixados e soltou um suspiro. Seus olhos se encheram de lágrimas e seu coração apertou dentro do peito. Seu olhar voltou-se para o quarto do hospital. Estava internado na ala psiquiátrica. Era vergonhoso para seus pais e para piorar foi ele que foi fodido literal e figurativamente. A porta se abriu e a enfermeira entrou acompanhada de um homem asiático de terno. Ha Joon apenas encarou o desconhecido impactado pela beleza dele e desviou o olhar se repreendendo pelo que estava pensando. O homem o lembrava do maldito que causou aquela merda toda em primeiro lugar. A mesma essência forte e que emanava poder. — Olá senhor Joon. Me chamo Joseph Lee. Sou o irmão mais velho de Kai. — Apresentou-se sem delongas. A enfermeira se retirou quando Joon fez um aceno para ela que podia deixá-los a sós. Era o horário de visitas mesmo e como seus pais não apareciam ali, se sentia tão sozinho e abandonado que até o irmão do maldito que odiava era melhor do que nada. O rapaz na cama não queria nem pensar no nome “ Kai”, contudo, assentiu com a cabeça ligeiramente curioso sobre o que aquele elegante cara queria ali. Realmente Joon só permitiu que ele ficasse ali porque era alguém mais velho. — Sou advogado. Se planeja processar meu irmão pelo vídeo, eu devo elucidá-lo de como funcionará o processo. — Ia continuar o recém-chegado. —Ah, entendi. Veio defender seu pequeno e bastardo irmão. — Murmurou o encamado para si mesmo com certa diversão cortante. — Bem, meu caro, sinto muito mas perdeu seu tempo vindo aqui. Não planejo processar ninguém. — Ha Joon informou friamente. — Eu só quero esquecer esse incidente. Tentei morrer, mas não deixaram. Então, por agora, eu só quero esquecer se possível. Pode sair pelo mesmo lugar pelo qual entrou agora. Quero dormir. O menino se encolheu na cama basicamente, deitando-se em posição quase fetal desviando os olhos do dele e olhando pela janela onde entrava claridade. Joseph apenas o observou e ajeitou os óculos que não refletiam luz na lentes antirreflexos demonstrando o quão caro eram e um leve curvar de lábios o dominou. —Gosta tanto assim de Kai para não querer processá-lo por estupro, danos morais, de integridade psicológica e direito de imagem? Com o processo ganharia um bom dinheiro por sua tentativa de suicídio e nossa família é bilionária. Eu te ajudaria com isso. Eu vi o vídeo. Foi estupro. — Eu quis até certo ponto. — Murmurou Joon envergonhado encarando o homem a sua frente e surpreso com a naturalidade e solenidade que ele agia depois de ter assistido o vídeo. — E por que me ajudaria se o fodido do Kai é o seu irmão? — Ha Joon o confrontou desconfiado. Joseph apenas deu um meio sorriso. — Eu posso ler você bem, Ha Joon. O que você quis foi agradar Kai para poderem andar juntos isso porque ele te enganou dizendo que gostava de você. Vocês dois são parecidos de certa forma por serem descendentes de asiáticos e pelo que li nos seus registros você sofria bullying na escola por ser descendentes de coreanos. Você permitiu que acontecesse o que vemos no vídeo, contudo, você disse “ não” na penetração. E não é não mesmo para homens. E eu notei que você estava um pouco alterado e não parecia ser uma excitação comum. Acho que ele te drogou. Pedirei seus exames ao seu médico para saber se alguma substância como GHB foi encontrada no seu sistema sanguíneo isso caso eu me torne seu advogado. — Joseph explicou o funcionamento da montagem do caso. — Quanto ao porquê de eu te ajudar, isso você não tem que saber. Ouvi dizer que daqui duas semanas terá alta, Ha Joon. Não saia da escola como um fugitivo que sente culpa, enfrente tudo de cabeça erguida e se qualquer pessoa se aproximar de você e te ridicularizar por causa do vídeo também poderá processá-la por homofobia. — Joseph explicou calmo e tirou do bolso do elegante terno azul marinho um cartão. Caminhou até próximo da cama de Joon e o entregou. — Esse é o meu número comercial. — Disse Joseph e virou o cartão onde havia outro número anotado. — Esse é o meu número pessoal, pode me enviar mensagem e ligar caso queira conversar com alguém. Afinal a questão de Kai não é com você e sim comigo. Então vou levar para o lado pessoal. — Eu não entendi. — Joon insistiu. — Por que a questão dele é com você? — Porque é a mim que ele odeia e descontou num inocente. — Explicou Joseph calmo e levou a mão ao cabelo de Joon e acariciou os fios. A mão dele era fria. Joon não pode deixar de notar.— Se cuide e seja forte, garoto. Lembre-se que não estamos na China ou na Coreia onde assuntos como esse ainda são tabu. Você tem voz! Nós como descendentes de asiáticos nos sentimos de fora aqui, mas pelo menos sabemos que há também suas vantagens de estarmos na América, certo? Eu vou te ajudar. Tenha um bom dia criança! Coma, fique forte e tudo o que for fazer faça de cabeça erguida. Você não está sozinho e não tem que se envergonhar por nada. Joon apenas assentiu com a cabeça. Estava tão grato que queria chorar, mas conteve-se mordendo o lábio inferior. Joseph soltou um suspiro e lançou um olhar a poltrona vazia do lado dele entendendo o não dito. — Importa-se de eu vir vê-lo amanhã? Então pode decidir ou não se irá processar meu irmão. — Quis saber o advogado. — Não me importo. — Falou Joon. — Obrigado. — A conta do hospital, eu gostaria de pagar. — Joseph o informou. — Considere um pedido de desculpas. Apesar de eu saber que isso é algo impossível de se desculpar. — Eu... Meus pais é quem resolvem isso. — Joon revelou com as bochechas e as orelhas vermelhas. — Então conversarei com eles sobre isso. — Garantiu Joseph. — Fique bem, Joon.
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