Pré-visualização gratuita Sangrar
Dragón estava preso a uma cama, piscou algumas vezes tentando focar a visão no lugar em que estava. Sentiu dor ao respirar um pouco mais forte.
Os braços estavam dormentes pelo tempo que ficaram sem circulação, tentou mover as pernas, também amarradas.
Limpou o pensamento, precisava se lembrar como tinha ido parar ali, falou algumas frases desconexas, algumas imagens...
Chutes... bar... o ferro azul de uma lixeira.
A cabeça estava uma bagunça, fechou os olhos outra vez e como se fosse um sonho estranho reviveu o dia em que a teve em seus braços, era só isso o que tinha daquela menina, um abraço roubado, no dia não conseguiu pensar. Quando ela saiu de casa com a sua arrogância fingida ele a puxou para si e sentiu o corpo pequeno de Sol junto ao seu. Foi como se fossem opostos, Dragón se sentiu pequeno e a viu tão grande, tão maior do que ele, capaz de tirar do seu peito aquela sensação de vazio que sempre o acompanhou.
- O que aconteceu? Por que ele está amarrado?
Retomou a consciência, não era uma memória, ela estava ali, deitada com a cabeça em seu peito reclamando com o irmão.
- Não gosto dele, precisava te achar e esse mexicano é um sαcο.
Solar cortou as faixas que prendiam suas mãos, Dragón tentou se levantar a dor o fez apertar os olhos com tanta força que a garota sentiu o peito doer.
- Não se mexe, descansa.
Sol olhou para o irmão com os olhos de súplica, queria poder trocar de lugar com o homem naquela cama.
- Ele precisa de um médico, por favor!
- Não temos um, solzinho.
Dragón sabia que não era uma questão de possibilidade e sim de vontade, não conseguia reconhecer o amor, nunca o conheceu, mas distinguia bem o desprezo, cresceu recebendo apenas isso.
- Não preciso, pequeno sol, estou bem.
Solar era uma mistura maluca de sentimentos, Dragón estava longe de ser o tipo de homem que ela olharia. A pele escura, os modos simples, a educação rústica, o sotaque que denunciava a origem latina, as tatuagens que ela tanto condenava... Nada a atraia, mas ele havia sido um amigo valioso quando se perdeu de si mesma.
Seu coração pertencia a outro, um homem que ela via como perfeito, Dylan tinha absolutamente tudo que a garota sonhava encontrar, tinha a voz quase melodiosa, educado, as palavras deixavam sempre algo no ar, o tom misterioso, mas elegante.
A princesinha da máfia achava que o narco mexicano era simplório, quase primitivo. Não se via acompanhada de alguém como ele em um restaurante, nem teria coragem de apresentá-lo ao pai.
Dragón era incapaz de ver o preconceito, a xenofobia e o rαcismo naqueles olhos em que ele só via doçura e fragilidade. Ele abandonou tudo o que demorou a vida para construir, seguiu cada ordem dos líderes americanos, abandonou o cartel em que era chefe, se aliou a máfia como um soldado, eliminou os inimigos da organização e só voltou para o México para procurar pela garota que tinha partido há meses e não dava nenhuma notícia.
Gostou de tê-la ao seu lado, sentir seus toques, receber cuidado era algo que já não lembrava a sensação, gostou...muito.
Adormeceu em meio a fraqueza e a dor, mas feliz com a ilusão de que Sol também se preocupava com ele. Quando acordou ouviu a conversa entre os irmãos. Solar havia caído em uma armadilha, ficou presa por semanas até que o subchefe da máfia e seu irmão viesse ajudá-la.
- Gosta dele, solzinho?
- É meu amigo
- Acho que ele quer mais do que isso.
- Já olhou para ele? Parece um daqueles gladiadores astecas, me imagina com alguém assim?
Ethan não respondeu, sentiu vergonha pelo que ela foi capaz de dizer. Quando Solar partiu para estudar na Rússia era só uma menina e quando voltou estava mais elegante, culta, educada, só que a bagagem que conquistou trazia também algo imundo, burro e repugnante como aquela frase.
- Preciso tomar alguma coisa, depois conversamos.
Dragón sentiu o estômago revirar, conhecia a aversão do povo americano pelos seus, não era por menos que construíram um muro para separar os países. Os mexicanos sempre foram vistos como inferiores, mas não esperava isso de Sol, não dela. Sabia poucas coisas dessas que se aprendem nos livros, mas conhecia de pessoas e aquela frase não combinava com o brilho que enxergava em Solar.
Quando a garota voltou para o quarto percebeu uma lágrima no canto do olho de Dragon. O mexicano fingiu que ainda estava dormindo, não queria ter que falar sobre o que ouviu.
Ela viu uma lágrima, mas o coração do mexicano doía, sentiu como se ela tivesse lhe devolvido a esperança, soprado vida em um peito morto e agora da forma mais vil o feito sangrar novamente.