CAPÍTULO 3
Evelin Brown
O banho não lavou a dor que corrói a minha alma. Estou despedaçada. O coração sangra de uma forma que parece irreparável. Nunca, nem nos meus piores pesadelos, imaginei que a minha relação com William terminaria assim, de maneira tão c***l e irreversível.
Os momentos que passamos juntos ainda passam diante dos meus olhos. O toque dele, o calor, os sussurros... Todas as vezes que murmurei que ele era tudo para mim, que eu o queria, que sonhava em construir um futuro ao seu lado. Mas agora, encaro a realidade nua e crua: fui apenas um capricho passageiro, um erro para ele.
E eu? Eu fui ingênua, cega, louca de amor. Como pude me iludir tanto?
Todas as pessoas em minha volta tentaram me alertar. Minha amiga Katherine disse que não confiava no William. Megan tentou abrir meus olhos. Thomas, Julian, as tias do orfanato que ajudo e até Lucas imploraram para que eu visse a verdade. Mas eu fechei meus ouvidos, me agarrei à ilusão, como se o amor que eu sentia fosse suficiente para nós dois.
Agora, aqui estou eu, sozinha, destruída, com uma vida crescendo dentro de mim e sem saber como encarar aqueles que sempre quiseram me proteger.
Minhas mãos pousam sobre meu ventre, tentando encontrar ali uma força que eu não sei se ainda tenho.
Quem fez isso comigo? Quem entregou aquelas fotos? Quem quis arrancar o que restava da minha felicidade?
Se isso não tivesse acontecido, será que William ainda estaria aqui? Será que, pelo menos, eu teria tido a chance de tentar fazê-lo ficar? Mas não. Não houve tempo. Tudo ruiu de uma só vez, sem sequer uma explicação.
Arrasada...
Humilhada... Quebrada... Rejeitada...
Essas palavras são o reflexo de quem sou agora.
Respiro fundo, tentando reunir forças que parecem escapar de mim, e desligo o chuveiro. O vapor quente embaça o espelho à minha frente. Passo a mão sobre o vidro e vejo meu reflexo. Um rosto que já não reconheço. Olhos vermelhos, inchados, vazios e apagados. Tento conter o choro, mas as lágrimas são teimosas, deslizam sem permissão.
Eu preciso ser forte, por mim, pelo meu bebê.
Meu bebê…
E então, a verdade me atinge como uma lâmina afiada. Eu não consegui dar a ele um pai, uma família. Da mesma forma que eu nunca tive.
A dor se espalha, como uma corrente fria que me puxa para o passado.
Ao pensar nisso, uma lembrança invade minha mente como um relâmpago.
Orfanato.
Eu tinha sete anos e estava sentada em uma sala pequena, observando a assistente social conversar com um casal interessado em adoção. Eles sorriam, demonstrando interesse por algumas crianças, mas seus olhos sempre passavam direto por mim. Eu era apenas mais uma entre tantas. Invisível. Esquecida.
Me aproximei deles com meu vestido azul desbotado e segurando minha boneca de pano já desgastada pelo tempo. Olhei para a mulher, com esperança nos olhos, meu coração batendo rápido, implorando silenciosamente por uma chance.
— Eu gostei de você. Se quiser ser minha mamãe, eu aceito. — murmurei, ansiosa, como se aquelas palavras pudessem mudar meu destino.
A mulher sorriu, mas foi um sorriso de pena. De compaixão. Um sorriso que eu aprenderia a detestar. Em poucos segundos, sua atenção foi desviada para outra criança. Uma menina mais nova, de cachos dourados e um vestido bonito, com bochechas rosadas e um olhar vibrante. Eram outras crianças que sempre escolhiam. Era sempre alguém melhor. Mais adorável.
Fui rejeitada... Outra vez.
Os anos passaram, e aquela cena se repetiu inúmeras vezes. Eu ficava para trás. Sempre havia crianças mais desejadas. Aprendi a esconder minha dor. Aprendi a ser forte. Mas a verdade é que a rejeição se enraizou em mim, como uma sombra persistente que nunca me abandonaria.
E agora, depois de tantos anos, o ciclo se repetia. Meu filho fora rejeitado pelo próprio pai, como eu fui tantas vezes. E eu, mais uma vez, estava sozinha.
O vazio dentro de mim se espalha como um veneno, sufocante e c***l. Como se o destino estivesse determinado a me lembrar, repetidas vezes, de que eu não sou digna de amor.
Suspiro fundo, tentando controlar meus pensamentos. Ao me virar, noto um conjunto de moletom dobrado cuidadosamente sobre um banco de mármore próximo à banheira imensa. O banheiro é um luxo só. O piso é de mármore branco impecável, a bancada possui detalhes dourados, e as luminárias pendem do teto de forma elegante, projetando uma luz suave e sofisticada. Tudo ali grita exclusividade, riqueza, uma vida que nunca foi minha.
Pego a roupa e a visto, sentindo o tecido macio contra a pele fria. Mas o frio dentro de mim, aquele que nasce da rejeição, esse parece impossível de dissipar.
— Evelin, você está bem? — a voz de Chris soa do outro lado da porta, seguida de duas batidas suaves.
Suspiro tentando parar de levar meus pensamentos ao caos e respondo:
— Estou... só um minuto. — minha voz sai fraca.
— Tudo bem, eu fiz algo para você comer.
Fecho os olhos por um instante, sentindo gratidão por tudo que Chris está fazendo por mim.
— Obrigada! — respondo.
Saio do banheiro em passos lentos, agora mais atenta ao apartamento. A decoração é impecável. Na parede da sala, reconheço quadros famosos: O Beijo, de Gustav Klimt, com suas cores vibrantes e douradas, e uma reprodução de Noite Estrelada, de Van Gogh. Coisas que eu sempre pesquisei, pois posso não ser rica, mas sempre fui antenada a tudo. Uma das minhas táticas bobas de querer sempre me enquadrar em algum lugar e ser perfeita em tudo.
Ao chegar à sala de estar, encontro Chris à mesa. Ele preparou uma pequena refeição para mim: biscoitos, leite, chocolate quente e chá, tudo disposto de maneira cuidadosa. Ele está recostado na cadeira, vestindo uma camisa branca e que contrasta com sua pele branca. Seus olhos claros observam meus movimentos, e ele sorri de forma suave quando me vê.
— Vem comer. Você deve estar com fome. — ele diz, puxando uma cadeira com um gesto gentil. — Ah, comprei um remédio para o enjoo também.
Arregalo os olhos, surpresa, um leve sorriso se formando nos meus lábios.
— Chris, quando você saiu para comprar remédio?
Ele sorri suavemente, um brilho de carinho nos olhos.
— Pedi para um amigo buscar.
Uma risada fraca escapa dos meus lábios.
— Nossa, você tem grandes amigos, nunca imaginei te ver pedindo para alguém fazer algo assim, muito menos em um lugar como esse. — comento, meus olhos voltando a observar Chris com uma nova perspectiva. Conheço ele há algum tempo, e uma das coisas que mais me impressiona é o jeito simples dele, tão longe de qualquer luxo. Nunca o vi se deslumbrar com nada. Se eu tivesse que dar um título a ele, sem dúvida seria “o misterioso”, porque, por mais que eu tentasse, nunca soube nada sobre sua vida fora da boate. Mesmo quando perguntava, ele sempre dava respostas mínimas, sem jamais se abrir completamente.
Chris dá um sorriso sútil, seus olhos brilha com um misto de divertimento e mistério.
— Digamos que meu grupo de amigos seja pequeno, mas muito fiel.
— E rico. — eu acrescento, soltando um suspiro e deixando meu olhar vaguear pelo apartamento do amigo dele.
Ele ri baixinho, de um jeito tão leve, que faz meu coração se aquecer.
— Agora, senta. Vou pegar um copo d’água para você tomar o remédio.
Antes que ele possa se afastar, seguro seu braço com uma sensação estranha, como se estivesse o incomodando demais.
— Não precisa. Me diz onde fica e eu pego, você já me ajudou demais.
Ele balança a cabeça, sorrindo com ternura.
— Não se preocupe. Você só precisa tentar comer algo e descansar um pouco. Vai fazer bem para o seu bebê.
Ele se afasta antes que eu possa protestar novamente, e eu me sento, observando a mesa à minha frente, a comida se tornando um lembrete da fome que se aperta dentro de mim, principalmente depois de tudo que vomitei mais cedo.
Chris retorna com um copo de água nas mãos e, com um gesto suave, tira o remédio da embalagem e me entrega. Olho para ele e, de forma quase automática, bebo o remédio com rapidez.
— Obrigado, Chris. — falo com uma voz quase sussurrada, tocada pelo cuidado dele.
— De nada, Eve. Está mais calma? — ele pergunta, sua voz cheia de preocupação, seus olhos fixos nos meus, como se estivesse tentando absorver cada pedaço de dor que eu carregava.
Suspiro fundo, tentando encontrar palavras para o que se passava dentro de mim.
— Minha mente está um caos, sabe? Eu ainda estou tentando absorver tudo, todo esse turbilhão.
Ele acena com a cabeça, como se compreendesse completamente, e então diz:
— Não se preocupe, Eve. Você tem todo o tempo do mundo para processar isso. Eu sei que não é fácil.
Meus olhos se enchem de lágrimas novamente, mas não as deixo cair, engulo tudo, segurando a dor. Respiro fundo e falo com determinação, tentando me convencer.
— Não, realmente não é fácil. Mas eu vou superar. Sempre supero tudo. Amanhã, vou estar sorrindo. Acredite.
Chris sorri de lado, mas seu olhar é de uma sinceridade profunda e sua mão toca a minha com suavidade.
— Evelin, uma vez um amigo me disse algo que nunca esqueci: Nós não devemos sorrir no dia seguinte após a dor. Ao contrário, devemos senti-la, sentir cada pedacinho dela quantas vezes for necessário, porque é assim que conseguimos nos libertar. A cada lágrima, a cada dor, nos tornamos mais fortes e mais resilientes. Então, se você precisar sentir e se quiser chorar, não se preocupe. Eu estarei aqui, segurando sua mão, não importa o tempo que for necessário.
As palavras de Chris tocam meu coração com uma profundidade que eu jamais esperava. Naquele momento, não consigo mais conter as lágrimas. Elas começam a cair, suaves, mas repletas de tudo o que eu não sabia como expressar. E antes que eu tenha tempo de reagir, Chris me envolve em um abraço apertado, quase como se quisesse me proteger de toda dor que eu estava sentindo. Ele me segura com tanto carinho, com tanta dedicação, que meu coração parece aquecer, como se a sua presença fosse à única coisa que ainda fazia sentido em meio ao caos.
Quando nos afastamos lentamente, nossos olhos se encontram, e a necessidade de entender mais, me toma por completo. Com a voz embargada, m*l consigo sussurrar:
— E você, Chris… como faz para lidar com tudo isso? Como lida com as próprias dores?
Ele me olha com tanta ternura, como se fosse me carregar por todo o caminho.
— Por hoje, só chora. Mas saiba que, para cada dia de chuva, virão dias de sol. Não no nosso tempo, mas eles virão. E, mesmo quando o caminho parecer mais difícil do que podemos suportar, você não estará sozinha. Sempre haverá alguém para segurar sua mão. Eu me incluo nisso, Evelin. Eu estarei aqui com você, em cada lágrima, em cada sorriso. Você é mais forte do que imagina. A dor vai passar, e o que vai restar será a força e a felicidade que você encontrará quando menos esperar.
Sinto o calor dessas palavras penetrando meu coração, e por um momento, tudo parece mais suportável. Aceno com a cabeça, sentindo uma calma que não sabia que existia em meio à tempestade.
Passei a tarde inteira com Chris naquele apartamento, acolhida em seu abraço no sofá. Ele me segurou em todos os momentos, sem me deixar sozinha nem por um instante. Sua presença, tão cuidadosa e amorosa, trouxe um alívio inesperado, como se, por alguns momentos, o peso do que havia acontecido se dissipasse.
À noite, enviei uma mensagem para Lucas, dizendo que não estava bem, que a gripe havia piorado e que não conseguiria receber ninguém. Ele insistiu em vir, mas inventei desculpas, pois não estava pronta para encarar quem tanto havia me alertado sobre William. Não naquele momento.
Acabei passando a noite no apartamento do amigo de Chris, ao lado dele, e, por mais que minha dor ainda estivesse ali, me senti segura. Como se, no meio do caos, algo bom estivesse surgindo.
Na manhã seguinte, Chris tomou a frente de tudo. Enviou uma mensagem para Thomas, nosso chefe, avisando que nem eu nem ele poderíamos trabalhar. Thomas ficou preocupado, mas Chris resolveu tudo, tirando de mim mais um peso que eu não conseguiria carregar sozinha naquele momento.
Ficamos ali, juntos. E, por mais estranho que parecesse, eu sabia que ele estava certo.
A cada lágrima que eu derramava, sentia que me tornava mais forte. A dor ainda estava viva dentro de mim, mas algo novo também crescia. Algo que me dizia que, quando as lágrimas finalmente secassem, eu seguiria em frente.
Meu bebê seria o meu mundo. Ele seria a minha força.
Não importavam as rejeições que sofri na infância, o abandono, as cicatrizes que carregava. Eu me reergueria. O amor que eu sentia por meu filho me daria forças para me reconstruir.
Eu me tornaria uma nova mulher.
Uma mãe.
Continua...