CAPÍTULO 4
Evelin Brown
Meses depois...
O tempo passou...
O relógio seguiu o seu percurso habitual... Assim como tudo em minha volta mudou, porém, para mim, parece que tudo aconteceu em câmera lenta, tanto que mesmo após tantos meses que se passaram, o tempo não foi o suficiente para restaurar meu coração por completo, para unir todos os pedaços que a dor deixou para trás.
Faz alguns meses que minha vida virou de cabeça para baixo. Desde que vi tudo desmoronar bem diante dos meus olhos sem que eu pudesse impedir. Desde que descobri que estava esperando um filho de William... e fui rejeitada como se meu amor, minha dor, meu sofrimento não fossem nada.
Eu nunca pensei que um dia seria descartada dessa forma.
Tentei me convencer de que ele só precisava de um tempo, poderia ter ido viajar como já fez algumas vezes para ver a família dele em Seattle, e talvez, se eu tentasse mais uma vez, ele ao menos me ouviria. Mas não... Nosso filho está próximo de nascer, mas William me bloqueou, desapareceu, mudou-se do seu apartamento do centro de Nova Iorque sem deixar vestígios. Como se eu e o nosso filho nunca tivéssemos existido.
E eu fiquei ali... Perdida... Abandonada...
Passei noites inteiras olhando nossas fotos, tentando entender em que momento tudo se perdeu.
Revivi cada palavra, cada toque. Esperei por um sinal, qualquer coisa que me fizesse acreditar que ele poderia se arrepender, mas nada aconteceu.
Ele se foi...
Eu sei o que diriam, sei que me chamariam de ingênua, de tola, de desesperada.
Sei que me julgariam por ainda ter esperança, por desejar que ele voltasse para entender o que aconteceu, para enfrentar aquilo ao meu lado... Para descobrir quem mandou aquelas malditas fotos na faculdade e destruiu tudo o que tínhamos... Para escolher ficar... Para assumir nosso filho.
Para ser a família que um dia sonhei que seríamos.
Mas a verdade é que o amor cega. Ele faz a gente acreditar no impossível. Ele nos mantém presas a promessas que nunca foram reais.
E agora, depois de tudo, estou aqui...
Sozinha... Mas não completamente.
Porque dentro de mim carrego um pequeno milagre. Uma vida que, apesar de tudo, se tornou a minha razão para continuar.
O meu filho...
O meu menino...
Sim, é um menino.
A cada ultrassom, vejo como ele cresce forte, cheio de vida. Seus chutes me acordam no meio da madrugada, firmes, insistentes, como se quisesse me lembrar de que ele está ali. De que ele existe. De que precisa de mim.
Nos dias em que a tristeza me sufoca, quando a solidão pesa mais do que posso suportar, é ele quem me mantém de pé. Esse pequeno ser que ainda nem nasceu, mas já se tornou a minha maior força.
Ainda não escolhi um nome para ele.
Todos me perguntam: — Qual o nome do bebê, Eve?
Eu sempre respondo o mesmo:
— Meu pequeno que vai escolher.
Porque, no fundo, sei que quando ele chegar ao mundo, quando eu olhar em seus olhos, meu coração vai sussurrar o nome dele.
E, por mais difícil que tenha sido essa jornada, eu não estive somente com o meu filho, tive uma rede de apoio.
Se aprendi algo nesses meses, foi o verdadeiro valor da amizade.
No começo, tentei guardar tudo para mim, achando que era um fardo que eu tinha que carregar sozinha. Não queria preocupar ninguém. Não queria ser um incômodo. Então, apenas Chris e Madu souberam da verdade. Chris me apoiou sem hesitar e Madu percebeu meu sofrimento antes mesmo que eu dissesse qualquer coisa. E, além disso, Thomas... Como meu chefe, ele precisava de uma explicação.
Mas conforme os meses passavam, a dor dentro de mim crescia e a barriga também.
Não dava mais para esconder.
Foi então que desabei e contei tudo para Megan, minha amiga mais antiga. Aquela que eu sempre estivesse ao seu lado, mesmo quando ela estava triste, eu sempre tentava ajudá-la e nos seus momentos de alegria. Depois, confiei em Kate e sua prima Verônica quando conversamos no orfanato, assim como contei a todos de lá que me conhecem tão bem. E, para minha surpresa, cada uma delas me acolheu com um carinho e uma força que eu nem sabia que precisava.
Até Yala, esposa de Charles Ricci, esteve ao meu lado já que a conheci através da Megan em uma das reuniões mensais da família Ricci, como a irmã da Megan e outras pessoas que conheci.
E então o Lucas…
Ah, Lucas... Meu irmão do coração... Meu porto seguro.
Eu jamais vou esquecer a expressão dele quando contei.
Os olhos carregados de sentimentos conflitantes, a preocupação estampada no rosto, mas, acima de tudo, a dor. A dor de quem queria ter me protegido e não conseguiu.
Isso ficou gravado em minha memória como se fosse uma segunda pele sobre meu corpo.
‘’O cheiro do molho começava a tomar conta da cozinha enquanto Lucas mexia na panela, sempre atento a cada detalhe. Bryan, ao lado dele, cortava alguns legumes, mas seus olhos de vez em quando desviavam para mim.
— Está passando m*l de novo, Eve. — Lucas comentou, a voz carregada de preocupação quando retornei a cozinha após ir ao banheiro.
Ele me observava com atenção, franzindo a testa. Tento disfarçar, forçando um sorriso.
— Com certeza comi algo que não me fez bem. — murmurei, mas o jeito como ele apertou os lábios deixava claro que não acreditava nisso.
Bryan, mais quieto, me analisava dos pés à cabeça, seu olhar afiado como se estivesse juntando peças de um quebra-cabeça. Ele não falava nada… o que era ainda pior. Conhecendo Bryan como eu conhecia, isso significava que ele já tinha uma resposta.
— Lucas, pode ir buscar um suco natural pra gente? Naquele mercadinho na esquina. — Bryan pediu de repente, sem desviar os olhos de mim.
— Claro. — Lucas disse, sempre prestativo. Mas antes de sair, apontou a colher para Bryan. — Só não deixem esse molho queimar.
Ele saiu, e assim que a porta se fechou, Bryan cruzou os braços e disparou:
— Quando você pretende confessar que está grávida, Eve?
O ar sumiu dos meus pulmões, meu corpo inteiro travou.
— Eu... gra...
— Não precisa mentir pra mim. — Bryan me cortou, a expressão séria. — Enjoo constante, crises de gripe do nada, roupas largas… eu posso não ser médico, mas conheço o mundo. A única pessoa que ainda não percebeu o óbvio é o Lucas.
Eu engoli em seco, desviando o olhar.
— Eu não sei como contar. — confessei, minha voz pequena. — Lucas vai ficar decepcionado...
Bryan suspirou pesadamente antes de perguntar:
— Lucas é o seu irmão do coração. Ele sempre vai zelar pelo seu bem. Agora me conta é do professor?
Minha única resposta foi um aceno.
Ele xingou baixo, passando as mãos no rosto.
— Droga… você contou pra ele?
Outro aceno.
— E o que ele disse?
Fechei os olhos por um instante, sentindo a dor sufocar meu peito.
— Aconteceu algo, Bryan. Eu não sei quem armou pra gente, mas... o William me deixou por causa disso.
A expressão de Bryan ficou sombria.
— Me conta tudo.
Fomos para o sofá, e eu comecei a falar. Contei sobre o dia em que cheguei na faculdade, sobre o diretor, sobre a forma como William me olhou, como me tratou. Revivi cada palavra c***l, cada olhar de desprezo. Quando terminei, Bryan soltou uma exclamação raivosa:
— Filho da p**a! Eu vou acabar com esse desgraçado.
— Não, Bryan, calma... — pedi, segurando seu braço.
— Evelin, ele te humilhou! Te tratou como lixo! Mesmo que tivesse dúvidas, ele não tinha o direito de falar aquelas coisas, ainda mais para você grávida!
Antes que eu pudesse responder, uma voz vinda da porta me congelou por inteiro:
— Quem não tinha o direito de falar o quê? Quem está grávida?
Meu coração parou.
Bryan e eu nos viramos ao mesmo tempo.
Lucas estava ali.
Os olhos arregalados, as mãos segurando uma garrafa de suco… e a expressão no rosto dele foi como um soco no estômago.
— Lucas... — Bryan começou, mas foi imediatamente silenciado quando a mão de Lucas se ergueu no ar, um comando mudo, mas firme. O silêncio que se seguiu foi cortante.
Ele se aproximou de mim devagar, e eu senti cada passo como um peso esmagador sobre meus ombros. Seus olhos, antes cheios de preocupação, agora eram um turbilhão de emoções.
Decepção.
Uma dor que fez meu peito se apertar como se alguém estivesse arrancando o ar dos meus pulmões.
— Você está grávida, Evelin? — sua voz saiu mais baixa do que eu esperava, mas o impacto da pergunta me atingiu em cheio.
Engoli em seco e apenas acenei positivamente com a cabeça, abaixando o olhar. Eu não tinha coragem de encará-lo.
O silêncio que se seguiu durou menos de dois segundos. Mas foi o suficiente para fazer meu coração parar antes da explosão.
— AQUELE DESGRAÇADO! — Lucas rugiu, a voz carregada de fúria pura. Em um movimento brusco, jogou a garrafa de suco na parede, o líquido espirrando por toda parte, mas ele não se importou. Girou nos calcanhares e partiu em direção à porta como uma tempestade prestes a devastar tudo pelo caminho.
— Lucas, pare! — Bryan foi ao encontro dele o segurando pelo braço.
— Me solta, Bryan! — ele rosnou, o peito subindo e descendo em respirações irregulares. — Ele vai assumir essa criança, nem que seja na marra! Eu vou atrás desse desgraçado agora!
Eu via o descontrole nos olhos de Lucas, o jeito como seus punhos estavam cerrados, as veias saltadas nos braços. Ele estava pronto para brigar, para partir William ao meio se fosse preciso.
Mas ele não entendia.
A dor no meu peito ficou insuportável, e só quando meu próprio grito rompeu a sala, Lucas finalmente parou.
— ELE NÃO VAI, LUCAS! ELE FOI EMBORA!
A verdade saiu como uma lâmina cortando minha garganta, e meu corpo inteiro tremeu com o impacto das palavras.
As lágrimas desciam sem controle, e minha voz já não era mais minha, era a voz da dor, do desespero, da certeza esmagadora do abandono.
— William me deixou! — gritei, soluçando. — Ele não quer essa criança, ele sumiu! Eu fui até o apartamento dele e o porteiro disse que ele se mudou. Ele se foi, Lucas! Acabou! Agora sou só eu e meu bebê...
Minhas mãos instintivamente tocaram meu ventre, como se buscassem abrigo. Como se tentassem acalmar a tempestade dentro de mim.
Lucas ficou imóvel.
Os segundos que ele demorou para reagir pareceram uma eternidade.
Os punhos cerrados se soltaram, o peito arfante diminuiu o ritmo, e pela primeira vez desde que ele entrou por aquela porta, seus olhos deixaram de transbordar raiva.
Eles transbordavam algo muito pior.
Dor.
Ele suspirou profundamente e deu um passo hesitante em minha direção. Depois outro.
Até que, finalmente, ele estava ali, bem na minha frente.
E então, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, senti seus braços ao meu redor.
Um abraço forte.
Um abraço seguro.
Um abraço que dizia tudo o que as palavras não conseguiam.
— Você nunca estará sozinha, Eve. — a voz dele estava rouca, mas cheia de convicção. — Nunca!
Ele pressionou o queixo contra o topo da minha cabeça e apertou o abraço.
— Eu sou seu irmão. E vou proteger você e esse bebê, sempre.
Fechei os olhos e chorei. Mas, pela primeira vez naquela noite, não chorei apenas por medo ou desespero.
Chorei porque, mesmo em meio a tanto caos, Lucas continuava sendo minha âncora.
Como sempre foi, desde os tempos em que dividíamos um orfanato, sonhando com um futuro melhor. ’’
Saí dos meus pensamentos, voltando ao presente, mas a lembrança daquele dia ainda queimava em minha mente.
William tinha desaparecido no mundo.
E eu tinha ficado.
Mas, apesar de tudo, eu nunca estive realmente sozinha, eu tive apoio.
Agora, aqui estou eu novamente, na minha sala de estar. Minha casa era pequena, mas estava rodeada de amor. Megan, Yala, Verônica, Katherine e Eduarda estavam todas aqui comigo, espalhadas pelo sofá e pelo tapete felpudo. Elas eram mais que amigas, eram minha família.
Normalmente, esses encontros aconteciam em shoppings ou nas casas delas, que eram bem maiores e mais espaçosas. Mas hoje foi diferente, desde cedo eu estava sentindo algumas dores, nada alarmante, mas o suficiente para me deixar desconfortável. E, como as amigas maravilhosas que eram, elas decidiram que trariam a diversão até mim.
O detalhe curioso? Nenhuma delas trouxeram as crianças.
— Gente, vocês já imaginaram a cara dos nossos maridos tentando dar conta das crianças sozinhos hoje à noite? — Yala disse, e a sala inteira explodiu em risadas.
— Sebastian com certeza está assistindo algum filme da Disney com as crianças. — Katherine suspirou, colocando uma mão no peito. — Ele é um paizão.
— Ai, meu Deus... lá vem a Katherine endeusar meu irmão de novo. — Verônica revirou os olhos, mas estava rindo.
— Ué, mas se fosse r**m, eu ia falar também! — Katherine rebateu, rindo. — Mas ele é perfeito, fazer o quê?
— Ok, seguimos com inveja. — Yala brincou, e todas gargalharam.
— Já Thomas, coitado... aposto que levou os meninos pra casa da minha mãe ou da minha sogra. Ele jamais daria conta de três espertinhos sozinho. — Eduarda disse, rindo.
— Nossa, sou obrigada a concordar! — Megan concordou. — Liam deve ter feito o mesmo. Se duvidar, saiu de fininho antes mesmo que eu saísse de casa e deixou as crianças com a mãe dele.
— Vocês ainda têm dúvidas? — Yala ergueu uma sobrancelha, segurando a taça de suco. — Ricci’s cunhada, esses homens são mais rápidos em pedir ajuda para cuidar dos filhos do que para assinar um contrato milionário!
A gargalhada foi geral.
— Se eles soubessem administrar uma casa como administram os negócios, nós estaríamos vivendo um conto de fadas. — Eduarda suspirou.
— Aí você tem razão. — Katherine concordou.
Megan, Yala e Eduarda eram casadas com os três filhos de Albert Ricci e Linda Ricci, uma das famílias mais poderosas da cidade. Assim como Katherine e Verônica eram da família Turner, outro império bilionário.
E eu? Bem... eu era a exceção da roda. Mas quer saber? Isso nunca me incomodou.
Porque, no final das contas, amizade não se mede por saldo bancário. Se mede por noites como essa, em que rimos até a barriga doer, falando besteira e dividindo momentos que, no futuro, seriam lembrados com carinho.
Saio dos meus pensamentos quando o meu celular vibrou na mesa, e quando olhei para a tela, vi o nome de Chris brilhando. Meu coração deu um leve salto, algo que eu não deveria sentir... mas senti.
Continua...