Pré-visualização gratuita Prólogo -18 anos atrás...
Aslan
Comecei a correr o máximo que conseguia, pois a notícia havia se espalhado mais rápido do que eu havia planejado e cada minuto contava para a sua sobrevivência.
Meus homens sabiam exatamente o que deveriam fazer, não toleraria nenhum prisioneiro ou testemunha. Espalharia a minha fúria pelas ruas de Ancara e mancharia cada calçada de vermelho usando o sangue daqueles que ousaram voltar-se contra mim.
Quanto mais rápido eu caminhava pela viela que daria acesso ao local onde ela possivelmente estava, mais o meu coração acelerava. Justo eu, que muitos diziam não ter coração, acabou fisgado por uma mulher sensível e ingênua que despertou um lado que eu jurava não existir, a minha humanidade.
Graças a Samia, meus dias tumultuados pareciam leves, e mesmo com toda a crueldade do meu pai, eu permaneci humano e amando-a mais do que a minha própria vida.
Ele sempre deixou claro, Samia seria minha ruína um dia e nunca entendi o motivo de seu ódio, até hoje...
_ Senhor Aslan, nenhum sinal dos inimigos!
Disse um dos meus soldados. Respirei fundo, contendo meus sentimentos que insistiam em gritar dentro do meu peito para correr o mais rápido possível para dentro daquele prédio abandonado. O cheiro do esgoto invadiu minhas narinas assim que dei alguns passos para dentro. Começamos a subir lances e mais lances de escada, olhando cada sala que havia ali. Encontramos o resto de um corpo, mas não era da minha Samia. Meu desespero estava aumentando, minha pulsação estava visível em meu pescoço e aquela outra parte dentro da minha mente estava tentando tomar o controle.
Quando entrei na última sala a vi estirada no chão, ainda usando seu vestido branco de noiva que ela mesma costurou, detalhe por detalhe, pedra por pedra de maneira caprichada. Ela estava descalça e quando me aproximei, tocando sua pele meu coração parou completamente. Ali, naquela sala fria e vazia, morria o amor dentro de mim.
Meu coração ficou frio como o de Samia, amargo e solitário, secou como a chuva no asfalto quente.
_ Não… Samia…
Sussurrei próximo ao seu ouvido, controlando o choro que ameaçava surgir e demonstrar que estava fraco, prejudicado e impotente.
A pele do meu único e grande amor estava gelada e seus lindos lábios que muito selaram nossa paixão estavam roxos, e para enterrar de vez a minha sanidade, no centro de sua testa havia um buraco de bala.
O corpo dela foi deixado como um lembrete, uma lição de como a fraqueza de um homem pode m***r.
Com seu corpo mole e frio nos meus braços desci cada degrau como se descesse para o inferno, sentindo tudo à minha volta fúnebre. Ninguém sequer falava nada, e ao meu redor somente o barulho dos nossos passos eram ouvidos.
Ali, morria o que sobrou da minha humanidade.
Cada passo dado em direção a cova sentia mais o peso do caixão em meus ombros.
Atrás de mim, segurando com firmeza as alças da enorme caixa branca, meu irmão Asaf controlava as lágrimas que ameaçavam derrubá-lo.
Às vezes, ele e Samia perdiam as horas no enorme jardim da nossa mansão, plantando flores e adubando plantas.
Eu nunca entendi essa obsessão do meu irmão por rosas, mas ele insistia em plantá-las e regá-las até que morressem.
Samia apreciava também, e por diversas vezes senti ciúmes dos dois juntos e cogitei dar fim a vida do meu irmão, mas o senso fraternal me impediu e não confio em ninguém além dele para comandar o submundo ao meu lado.
Nas mãos de Asaf, mesmo com dezesseis anos, pereceram muitos inimigos e mesmo sendo mais novo do que eu, meu irmão ceifa vidas como ninguém!
Com o caixão a sete palmos, uma oração começou a ser feita. A família de Samia, uma das terceiras famílias mais ricas da Turquia, choravam copiosamente, completamente sem consolo. Os olhares de ódio direcionados a mim eram muitos. Fui fraco, não protegi a família, não protegi a única coisa que verdadeiramente importava para mim.
Depois da oração peguei um jarro de água cristalina e reguei o caixão conforme manda nossa cultura.
Senti como se estivesse regando um jardim verde, cheio de vida e a voz dela sussurrava em meus ouvidos, cantando e dizendo o quanto me amava, como ela fizera muitas noites em nossa cama às escondidas.
_ Isso não é justo...
Murmurou meu irmão enquanto derramava as últimas gotas de água. Não consegui encará-lo, tudo que eu desejava era que aquilo acabasse logo, que eu pudesse correr para outro lugar que me lembrasse dela, que tivesse vida o suficiente para preencher a lacuna que aumentava a cada vez que olhava para o caixão que abrigava o corpo da minha amada.
Quando finalmente a tortura acabou, caminhei até meu carro batendo a porta com força. Asaf entrou e sentou ao meu lado.
_ Vamos matá-lo hoje?
Perguntou ele, já com a postura mais rígida. Apenas neguei e dirigi até minha casa. Asaf trancou-se em seu quarto, provavelmente para chorar como um ser humano normal. Já eu me afundei em álcool, e quando me dei conta estava no jardim que ela tanto adorava, regando cada flor com minhas lágrimas e lamentos.
Meu outro lado, há muito adormecido, rugia dentro do meu peito em agonia. Havíamos perdido tudo, e nada no mundo iria aplacar a nossa dor, e nem a nossa ira!