Capítulo 20 – O Nome da Guerra Era o Meu

795 Palavras
O desaparecimento da Cíntia virou assunto no morro. Uns diziam que ela foi embora com um ex. Outros que sumiu por medo. Mas ninguém ousava falar a verdade em voz alta. Porque todo mundo sabia quem mandava agora. E quem dormia do lado do poder. --- Gabriel se manteve mais calado nos dias seguintes. Calculista. Presente, mas distante. Era como se ele estivesse preparando algo grande. E estava. — Vou reunir todos os chefes na sexta — ele disse. — Reunião grande? — A maior dos últimos tempos. — Essa guerra com a Bruna não é mais só ameaça. — É divisão. — E você vai reunir pra quê? — Pra avisar que quem ficar do lado dela… vai cair com ela. --- Eu fiquei tensa. Sabia que aquilo podia virar uma guerra aberta. Mas também sabia que Gabriel não fazia ameaças em vão. — Posso ir com você? — Não. — Nessa, não. — Vai ser feia. — E eu preciso manter você viva. — Eu já tô dentro disso, Gabriel. Já provei que aguento. — E é por isso que eu quero te proteger ainda mais. --- Quinta-feira à noite, ele passou horas na laje. Fumava em silêncio, sem música, sem rádio. Só ele e os próprios pensamentos. Fui até lá. — Você tem certeza do que vai fazer? — Tenho. — Amanhã eu escolho quem fica vivo. — E se eles escolherem o lado errado? — A maioria só quer sobreviver. — Vão seguir quem parece mais forte. — E você é esse cara? — Eu sou o único que pode ser. --- Na sexta, acordei sozinha. Gabriel já tinha saído. A reunião ia acontecer longe, em local neutro. Passei o dia em alerta. Comida no fogão, rádio ligado, dois seguranças na porta. Mas o tempo parecia arrastar. Como se o mundo estivesse prendendo a respiração… esperando a bomba. E ela caiu. --- Por volta das 17h, Nando chegou. Suado. Sangue seco na camisa. — O que aconteceu? — A reunião foi um sucesso. — Mas esse sangue…? — Um dos chefes tentou puxar arma pro Gabriel. — E…? — Morreu antes de levantar o braço. Senti um arrepio. — E os outros? — Ficaram. Todos. — E a Bruna? — Vai se esconder mais ainda agora. — Porque o morro escolheu um lado. — O dele. — O seu. --- Quando Gabriel voltou, eu vi nos olhos dele: O peso do que é vencer. Porque vencer no morro… nunca vem sem custo. — Tô sujo, né? — ele disse. — Tá. — Mas venceu. — Por enquanto. — Mas agora… não tem mais volta. — Nunca teve. Ele se aproximou, me segurou pela cintura e encostou a testa na minha. — Você tem noção de que agora, se te tocarem, o morro vira? — Tenho. — E isso te assusta? — Me dá medo. Mas também me dá força. — Eu te amo, Amanda. — E eu mataria mil vezes por você. — Eu sei. — E é isso que me assusta… e me prende. --- Naquela noite, dormimos colados. Sem fala. Sem promessas. Só pele, calor e respiração. Porque quando tudo ao redor é guerra, o silêncio se torna abrigo. --- No dia seguinte, recebi um presente. Uma caixa de veludo, deixada na varanda. Dentro, uma corrente grossa, com uma placa escrita: > “Rainha do Norte. Amanda do Morro.” — Foi você que mandou fazer isso? — perguntei. Gabriel sorriu. — Não. — Foram os meninos da contenção. — Por quê? — Porque agora eles falam seu nome com respeito. — E quem te chamar baixo… vai aprender alto. --- Mas com o respeito… vinha o peso. Fui até a vendinha da Zuleide. Ela me olhou diferente. — Agora ninguém mexe com você, né? — Nem deve. — Mas toma cuidado, minha filha. — Quando o povo para de te odiar… às vezes é porque começou a te temer. — E temer é pior? — É mais perigoso. --- Voltei pra casa com isso na cabeça. Eu queria respeito. Conquistei. Mas será que estava me tornando tão fria quanto o mundo ao meu redor? Perguntei isso pro Gabriel naquela noite. — Eu tô ficando igual a você? — Igual? Não. — Você ainda tem coração. — Mas eu… — Tá aprendendo a usar ele como arma. — E isso não é r**m. — É necessário. --- Eu já não era a menina assustada que chegou ali. Agora, os olhos me reconheciam. Os becos se abriam. E os sorrisos… vinham com cuidado. Porque meu nome já não era só o que me deram ao nascer. Era o nome da guerra. Era o nome da mulher do chefe. Era o nome da Amanda do Morro. E ninguém mais ousava esquecer.
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