CAPITULO 5

1173 Palavras
O rugido constante das turbinas diminuiu até se calar completamente quando as rodas do jatinho tocaram a pista estreita e gelada do aeródromo nas proximidades de Pedesina. As montanhas ao redor ainda estavam cobertas por neve nos picos mais altos, embora a primavera já tivesse começado a tomar os vales com seus verdes e flores tímidas. O frio cortante que invadiu a cabine quando a porta foi aberta era mais do que o vento alpino — era o passado, esperando. Donna permaneceu sentada por um momento, os dedos ainda apertando com força o couro da pasta em seu colo. A pergunta de Lorenzo Falco voltava à sua mente como uma faca com a lâmina virada para dentro: "Você é boa por si só? Ou só é boa por causa das facilidades que o sobrenome que carrega lhe oferece?" Ela havia matado os sócios dele. Uma jogada precisa, rápida, limpa. Eles ameaçavam a fusão, e Donna não hesitou. Mas a pergunta… a pergunta permaneceu. Ela havia se demitido minutos depois de conseguir o contrato de fusão. As mãos ainda manchadas de sangue invisível, a caneta m*l largada na mesa. Don Roberto Alberti não entendeu. Ninguém entenderis. Depois de anos de lealdade, de vitórias jurídicas, de silêncio cúmplice... ela simplesmente foi embora. Ela agora precisava explicar aos pais. A Vittorio. A Ellis. Levantou-se. O salto dos seus sapatos ecoou no interior da aeronave vazia. Um reflexo de sua vida: ecoando, mesmo quando parecia sozinha. Quando desceu as escadas da aeronave, o cheiro de madeira úmida e pinho invadiu seus sentidos. Um aroma antigo, familiar, que a jogou de volta à infância — às manhãs frias nas colinas da Lombardia, às trilhas escondidas entre as árvores, aos verões passados com os irmãos e aos olhos atentos de um guarda-costas que jamais a deixou cair. E então ela o viu. Um homem careca, imenso, de terno preto e óculos escuros, parado diante do carro que a esperava. Ele parecia deslocado naquele cenário bucólico, como uma sombra antiga surgida do tempo. O rosto estava mais enrugado, mas o porte permanecia o mesmo: firme, respeitável, quase mítico. Ele deu dois passos à frente. A voz grave quebrou o silêncio. — Senhorita Amorielle. Ela parou. Os olhos se suavizaram, os ombros relaxaram. O peso do mundo pareceu, por um instante, menor. — Rocco... E o abraçou. Ele não disse nada. Não precisava. Havia trocado suas armas por palavras muitos anos atrás, mas continuava sendo o escudo da família. Ainda era o homem que a acompanhava até a escola, que a ensinou a atirar, que a levava para tomar sorvete nos domingos de sol. Donna fechou os olhos por um instante nos braços dele. Ela tinha voltado, mas Rocco percebeu: não era uma simples visita. — Você está bem? — ele perguntou, soltando-a devagar. — Estou — disse ela, com um meio sorriso. — Estou bem. — Não parece. Ela desviou o olhar, ajeitando a pasta contra o corpo. — Como estão as coisas por aqui? — Como sempre. Marco e Jason aprontando, sua mãe preocupada com os preparativos do aniversário deles, seu pai... ocupado com os negócios. Donna assentiu. Rocco deu a volta e abriu a porta da Ferrari Purosangue preta. Ela entrou sem dizer nada. Ele assumiu o volante, ligou o motor com um ronco suave, e o carro deslizou pela estrada sinuosa entre os pinheiros. — Conseguiu o que precisava na Espanha? — ele perguntou. — Consegui. Obrigada pelos contatos na agência. Sem eles... teria sido mais complicado. — À disposição. Donna respirou fundo e olhou pela janela. As montanhas passavam como fantasmas. — Como sempre... — O que foi? — Nada. — Quantos eram? Donna virou o rosto para ele, surpresa. Mas Rocco não a encarava. Apenas mantinha os olhos na estrada. — Três — respondeu, após um segundo de hesitação. — Qual arma utilizada? — Rifle. Rocco assobiou baixo, surpreso. — Interessante. — Rifles deles — completou Donna, como se aquilo fizesse diferença. Rocco desviou os olhos da estrada por um segundo. — Uau... Donna apoiou a testa no vidro gelado. — Pois é. — Então por que não está feliz? Ela demorou a responder. O carro seguiu em silêncio por alguns minutos, cortando a paisagem fria e serena. — Não sei se fui boa no que fiz... ou se só consegui porque tive ajuda. — Como assim? — Porque sou a filha de Vittorio Amorielle, então você decidiu me ajudar, assim como os outros. Porque carrego um sobrenome que abre portas e obriga os outros a falarem sim para mim. Rocco fez uma curva com precisão cirúrgica, depois respondeu: — Os homens sabiam quem você era? — Não. Eu me disfarcei. Outro nome. Outro rosto. Eles achavam que eu era só uma prostitua. — Então por que está dizendo isso? Ela o encarou, finalmente. — Porque mesmo escondida... mesmo anônima... eu sabia quem eu era. E talvez isso tenha me feito arrogante. Talvez eu só tenha conseguido porque sabia que conseguiria — e não por realmente ser boa. Rocco respirou fundo. — Ou talvez você seja boa exatamente por isso. Porque acredita. Porque não treme. Porque sabe o que está em risco e ainda assim puxa o gatilho. — Eu matei três homens. — Que ameaçavam sua família. Seu trabalho. Você. — E daí? Rocco sorriu de lado. — E daí que você é uma Amorielle. — E se eu quiser ser só Donna? — Então você vai ter que descobrir quem é a Donna sem os sobrenomes. E vai doer. Vai ser mais difícil. Mas... talvez seja isso que você está procurando, não é? Donna desviou o olhar. As nuvens baixas cobriam o céu, tingindo tudo de um cinza melancólico. — Eu me demiti do escritório do Don Roberto — disse ela, de repente. Rocco não pareceu surpreso. — Eu sei. — Ele ligou para cá? — Não. Jake ligou. Quis saber se você estava bem. Donna mordeu o lábio inferior. — Ele ficou decepcionado? — Ele ficou... intrigado. — E você? Rocco deu de ombros. — Eu sei quando alguém está tentando encontrar o próprio caminho. Mesmo quando isso significa quebrar o coração dos outros no processo. Ela assentiu. Por um momento, o silêncio voltou a reinar. — Rocco... — Sim? — Você acha que meu pai vai me perdoar? Ele a olhou, sério. — Vittorio é um homem orgulhoso, mas ele ama os filhos mais do que ama o próprio nome. Ah, quem estou querendo enganar? Ele vai ficar furioso! Porém, tenho certeza que dará tudo certo. Donna sorriu, fraco. — Eu espero que sim. O carro se aproximava da vila. As primeiras casas de pedra começaram a surgir entre as árvores. Crianças brincavam na neve derretida. O sino da igreja soava ao longe. Donna respirou fundo. — Rocco... — Diga. — Você pode me ensinar a ser boa. Sem o nome. Ele sorriu, com os olhos fixos na estrada. — Você já é. Só precisa lembrar disso nos dias em que o mundo tentar te fazer esquecer.
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