CAPITULO 10

1313 Palavras
O galpão cheirava a ferrugem, mofo e lembranças podres. Donna sabia exatamente onde estava, mesmo que não soubesse como chegou ali. A luz era opaca, filtrada por frestas na estrutura metálica do teto. Pedaços de vidro quebrado ainda reluziam no chão sujo, exatamente como naquela noite. Não era qualquer galpão. Era aquele galpão. Nova York. O som do metal rangendo com o vento soava como um lamento antigo, como um sussurro das correntes que um dia prenderam ela e sua mãe ali, a mando de Jácomo Grecco. A lembrança era vívida: a dor, o frio, o medo nos olhos de Ellis, os gritos abafados, os nós nos pulsos. Tudo ainda estava gravado na pele dela como uma tatuagem invisível. E agora, ali de novo, Donna ouvia vozes. Virou-se devagar, com os pelos da nuca arrepiados. Estava escuro, mas não tanto a ponto de não distinguir os contornos das figuras à frente. Ellis e John. Seus pais. Conversavam com intensidade, as vozes em tom baixo, mas carregadas. Na verdade, discutiam. Os gestos eram duros, o semblante de John tenso, enquanto Ellis falava com os olhos marejados. Donna franziu o cenho. O que estavam dizendo? Deu um passo à frente, mas uma pontada a fez parar. Uma dor aguda e repentina, bem no baixo ventre. Ofegou, instintivamente levando a mão à barriga. — Mamãe... — sussurrou, a voz embargada. — Eu não estou me sentindo bem. Ellis se virou na mesma hora. Seus olhos se arregalaram, e em um piscar ela já estava ajoelhada diante da filha, as mãos em seus braços, o olhar percorrendo seu rosto. — O que está acontecendo, querida? Como você se sente? — perguntou, a voz cheia de ansiedade. — Minha barriga... dói — disse Donna, com esforço, tentando se manter em pé, o suor frio escorrendo pela nuca. Foi então que ouviu passos. E viu a silhueta alta de Rocco surgindo na penumbra. Ele se aproximava de John com a postura rígida e uma expressão que misturava urgência e desprezo. — É melhor prosseguirmos com o plano e darmos um fim nisso — disse ele, num tom baixo, mas suficiente para Donna escutar. Ela piscou. Aquilo era um sonho? Aquilo estava mesmo acontecendo? John hesitou, o olhar fugindo do dela. — Não sei se é necessário chegar a esse ponto. — Vittorio não hesitou quando matou Laura — retrucou Rocco, impaciente. — Não há razão para você esperar para eliminar ao menos Donna. Aquelas palavras bateram como um soco no estômago. "Eliminar". Ela. Donna. — O quê...? — sussurrou, a mente girando, a dor na barriga piorando. Ellis se ergueu num salto, o rosto em fúria, os olhos faiscando. — Rocco, você não se atreveria...! Mas não terminou a frase. Porque Rocco agiu. Rápido. Frio. Preciso. Donna viu o brilho metálico da arma. Ouviu o estouro seco. Sentiu o impacto antes mesmo de entender. Um grito ecoou — talvez fosse o dela, talvez de Ellis, talvez nenhum. E então... Escuridão. Ela arfou, o corpo arqueando para frente. Estava suando. O quarto estava escuro, abafado. Os lençóis torcidos ao redor do corpo. Levantou-se num sobressalto, ofegante. Era um sonho. O maldito sonho. Aquele que voltava sempre — quando ela estava ansiosa, preocupada, brava, ou as três coisas ao mesmo tempo. Levou as mãos ao rosto e respirou fundo, tentando acalmar o coração que batia descompassado. Ouviu um leve clique. A porta se abriu. — Signorina? — Era a empregada. — Me desculpe! Eu não sabia que estava em casa... Donna piscou, tentando se situar. A voz da mulher soava distante, abafada. — Que horas são? — Oito da manhã. Todos já estão tomando o café da manhã. — Droga — murmurou Donna, se levantando. Ela estava atrasada. Ótimo. Exatamente o tipo de começo de dia que irritaria seu pai. E hoje, justamente hoje, ela precisava falar com Vittorio Amorielle. Não podia começar o dia já enfurecendo o Don. Começou a arrancar o terno preto que usara na noite anterior e a blusa branca de seda amarrotada. Abriu o guarda-roupa... e soltou um suspiro desgostoso. Só roupas de quando era adolescente. Blusinhas coladas, jaquetas floridas, vestidos rodados. — Eu volto depois... — disse a empregada, visivelmente desconfortável com a cena, saindo com pressa. Donna escolheu a única calça jeans menos ridícula e uma blusa preta de gola alta. Foi ao banheiro, lavou o rosto, amarrou os cabelos em um coque improvisado e aplicou corretivo sob os olhos. Precisava parecer composta. Mesmo que estivesse desmoronando por dentro. Desceu as escadas com passos calculados, engolindo o nervosismo. Atravessou o corredor e, antes mesmo de chegar à sala de refeições, ouviu as vozes cessarem. Aquele silêncio pesado. Na cabeceira inferior, Ellis sorriu ao vê-la. — Bom dia, meu amor. Dormiu bem? Donna assentiu, forçando um sorriso. Seus olhos encontraram os da mãe por um instante, e por um segundo, ela quis contar sobre o sonho. Mas engoliu as palavras. Entrou. Na primeira cadeira à direita de Ellis, estava Jason Amorielle — o caçula dos gêmeos. Os cabelos castanhos levemente bagunçados, olhos escuros e atentos, um meio sorriso de moleque que escondia um cérebro afiado. — E aí, irmãzinha? — disse ele, zombeteiro. Na segunda cadeira à direita, estava Marco. O mais velho dos gêmeos. Silencioso, como sempre. Apenas acenou com a cabeça. Donna olhou para eles com um nó na garganta. Quando saiu de casa, tinham dez anos. Agora... quase homens. Quase estranhos. Na primeira cadeira à esquerda da cabeceira superior, estava Jake. Impecável, como sempre. Terno escuro, camisa branca engomada, gravata bem alinhada. O tipo de homem que já acordava pronto para um funeral ou uma reunião de negócios. E na cabeceira, como um rei de seu império particular, estava ele. Don Vittorio Amorielle. A cadeira entalhada parecia menor diante da presença dele, mesmo com os cabelos quase todos brancos e as rugas que agora lhe cruzavam o rosto. A idade o alcançara, sim. Mas os olhos... aqueles olhos escuros, intensos, permaneciam. Ele ergueu a faca do pão e apontou para a cadeira à sua esquerda. — Vieni, siediti. — disse ele. — Venha se sentar. O peso daquele convite, daquela ordem, caiu sobre Donna como um manto invisível. Caminhou até a cadeira, a mesma de sempre, a que era sua desde criança. Era uma mesa de doze lugares. Mas, naquele instante, parecia infinita. Vittorio não disse mais nada. Apenas a olhou. Estudou-a. Como se pudesse ver por dentro dela. Uma câmara de julgamento. E ela, a ré. Sentou-se com postura, mas o estômago parecia amarrado em nós. O prato já estava posto. Frutas frescas. Croissants. Café preto. Mas o apetite, esse ela deixara no sonho. Fez um esforço para sorrir. — Bom dia. Silêncio por um segundo. Ellis retomou a palavra. — Estávamos falando sobre o concerto de ontem. Jason acha que violoncelo é melhor que piano. — Porque é — disse Jason, erguendo uma sobrancelha. — Não tem nada mais dramático que um bom solo de violoncelo. — Mas é justamente esse o problema — rebateu Marco, sem tirar os olhos do prato. — Dramático demais. Piano é puro. Sofrido. Introspectivo. — Tipo você — zombou Jason. Donna soltou um riso contido, mesmo sem vontade. Estava grata pela conversa banal. Era melhor do que o silêncio. Jake, no entanto, não tirava os olhos dela. Nem Vittorio. Ele sabia. Ele sabia que ela não estava ali só por saudade. Sabia que algo a trouxera de volta. E ela precisava falar. Mas como? Como dizer ao próprio pai que queria recomeçar? Que estava cansada daquele mundo? Que tinha enviado uma inscrição para a NYU? Como dizer a Don Vittorio Amorielle que ela, sua filha, talvez não quisesse fazer parte daquilo tudo? Talvez... nunca quisesse? Seu olhar se cruzou com o dele. Então ele falou, com sua voz grave e pausada: — Don Roberto Alberti ligou para mim.
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